Tenho-me lembrado de Selma Lagërlof, apetecendo um
livro bom, sem pretensões, nesta altura de tanta barafunda pouco criteriosa, em
que novamente nos encontramos a falazar, a decidir segundo normas que
envergonhariam qualquer povo educado em sérios critérios de cidadania, responsabilidade,
respeito e auto estima.
Vê-se que Selma Lagërlof foi educada segundo esses
preceitos que contribuíram, certamente, para a boa formação moral das crianças
do mundo inteiro, sobretudo com o seu livro “A Maravilhosa Viagem de Nils
Holgërson através da Suécia”, de fantasia e sentimentos justos e passeios
de encanto através dessa Suécia das suas lendas. Foi um livro que o professor
de português da minha irmã, Duarte Marques, do Liceu Salazar de Lourenço
Marques, aconselhara as alunas do 2º ano a ler, juntamente com os livros da
Virgínia de Castro e Almeida “Céu Aberto” e “Em Pleno Azul” e que
o meu pai logo se apressou a comprar, sempre colaborando na boa formação das
filhas, apesar de não ser para larguezas o seu ordenado de Guarda-Fiscal na
altura. É também por tudo isso que o recordo sempre, e mais agora que me apetece
regressar a esse passado sem espectros ainda de futuros sombrios, como este em
que se ouve dizer que a juventude portuguesa bebe mais do que as outras, as
moças e moços universitários fazem concursos de bebida para recepção aos
caloiros, e mais tarde vão ensinar alunos, ou tratar doentes ou defender
causas, provavelmente sem nunca terem curado a bebedeira. E lembro a magia
desses três livros que li e reli na minha adolescência, a que o Dom Quixote e
os livros de Júlio Dinis da estante do meu pai, e outros mais, acrescentaram o
prazer da sua escrita e enredo criativo.
Na colecção de Prémios Nobel de Literatura publicada
em tempos pelo DN, e que o meu marido adquiriu, encontrei um pequeno volume de
Selma Lagërlof – “O Livro das Lendas” – que já conhecia, e que reli,
como forma de evasão, para mais uma vez me admirar com a evolução dos critérios
para atribuição dos Nobel da Literatura, derivando quer para o rebuscamento
frásico, quer para o factor político, ou apenas o enredamento dos jogos de
nepotismo favorecendo tal atribuição.
Entre essas Lendas tão simples, que mereceram o Prémio
Nobel, releio “A Rapariga do Brejo Grande” história de uma rapariga
pobre que teve um filho de um homem rico que não reconhecia o filho, pronto a
jurar falso em tribunal, de mão sobre a Bíblia, o que a pobre rapariga impediu,
preferindo ser por ele desprezada e o seu filho destituído da ajuda paterna que
ela pretendia obter em Tribunal, a deixá-lo cometer o sacrilégio de jurar falso,
o que lhe valeria a condenação às penas eternas. O grito da moça humilde e
chorosa merece-lhe a estima geral e a do próprio juiz, e a atracção de um jovem,
um pouco ingénuo, que acabará percebendo o sentimento que por ela nutre, embora
enredado noutros amores mais favoráveis a um estatuto superior de proprietário considerado.
Uma história de amor e de bons sentimentos que jamais
suporia dignos de um Nobel, história distinta, contudo, das novelas cor de rosa,
pela seriedade de uma efabulação que é simultaneamente uma homenagem ao povo
sueco mais humilde, na honestidade e firmeza do seu comportamento social, como
as outras “lendas” revelam também, traços que igualmente definem a escritora Selma
Lagërlof, que desde a infância admiro.
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