E
aqui vamos rodando, incansavelmente,
nestas discrepâncias ou acordos - (o fechado, como em pescoços ou repolhos, ou
coxos, o fenómeno da metafonia ausente, que faz que se abram os ós, dos ovos ou
dos impostos que igualmente fazem abrir os cordões à bolsa - aos bolsos, de o
aberto, e digo isto por embirrar com os acórdos inconsistentes e mal
pronunciados de Costa e outros muitos) – acordos, dizia, de opiniões e de o
fechado, que tornam folclórica a nossa democracia, já de si bastante dançarina
e gulosa, segundo o provam diversos canais matutinos e vespertinos da nossa
televisão.
Sempre atento a ela – à democracia, creio que
da autêntica, Alberto Gonçalves apresenta um discordante, ao que parece, que
quer reduzir “Os Maias” do Eça a uma meia dúzia de páginas, e que apelidou as
meninas do Bloco de esganiçadas, o que deve ter sido por falta da leitura integral
das obras literárias – obras primas, para mais, no caso de “Os Maias” – o que lhe
limitou indiscutivelmente o vocabulário. Esganiçadas elas não são, pelo menos a
Mortágua, que tem uma voz disciplinadamente soturna. Quanto à Martins, Catarina
de sua graça, eu diria antes voz de trinado, mas não me parece importante o
descritivo, a redução dos Maias sendo de uma amplitude bem superior em questão
de bacorada.
Uma das coisas que sempre referi, quando
ensinei português, após o 25 de Abril, – não, contudo, o francês, que foi
estreitando cada vez mais o impacto da sua dimensão no nosso mundo escolar, a
oralidade impondo-se, comezinha, sobre a escrita que nos conduzia à civilização
e à cultura francesas – foi o cuidado posto nos compêndios de acompanhamento
dos textos com outros didácticos e exercícios que poderiam ajudar os alunos a
abrir a sua inteligência e sensibilidade. Bem diferentes esses compêndios dos do
meu tempo de estudante e de professora antes do 25 de Abril, cujas selectas se
limitavam ao amontoado de textos ou narrativas de história, geografia, etc,,
dependendo do professor a abertura para os problemas interpretativos que esses
punham. Tenho visto que em todas as disciplinas se passa o mesmo, cada
compêndio fazendo-se acompanhar de mais um ou dois, com ilustrações,
explicações, exercícios, fichas … um prazer pelo menos para os acompanhantes
adultos que vão ajudando os filhos ou netos, com uma carga de exercícios e
trabalhos demasiada, todavia, autêntico massacre, dada a abundância de
disciplinas e sobrecarga de horários e de peso nas mochilas.
E a tola sugestão de Pedro Arroja
referida por Alberto Gonçalves, de redução d’ OS MAIAS a uma meia dúzia de páginas
espanta-me, numa época de maior preocupação cultural favorecida ainda pelos
media.
E Alberto Gonçalves vai rodando, vai rolando,
e nós com ele, e com as novas notícias dos massacres em Paris, interpretadas
segundo as cores de cada um, de forma brilhante segundo a mente honesta do
sociólogo, avesso aos cinismos e falsa fé de uma sociedade agressiva, os
valores morais cada vez menos imperiosos: «Se hoje a França lamenta os
seus cadáveres como amanhã lamentaremos os nossos, isso deve-se à cultura de
extermínio que distingue o islão dito menos moderado. E à má--fé que leva
inúmeros ocidentais a fingir que não sabem.»
Censura
prévia
Alberto
Gonçalves
DN,
15/11/15
O
pouco que sei de Pedro Arroja chega-me. Lembro-me de, há anos, o homem se ter
notabilizado pela aplicação teórica do liberalismo económico a tudo o que se
mexesse e não mexesse (se não me falha a memória, o Dr. Arroja propunha, em
prol da eficácia, a redução de Os Maias a meia dúzia de páginas). Tenho a vaga
impressão de que, talvez aborrecido por não lhe fazerem a vontade, o Dr. Arroja
partiu para os EUA. E, talvez desgostoso por os americanos não o consagrarem
como deviam, regressou à pátria transformado: afinal, o liberalismo era um
arranjinho judaico, a ética protestante causava não sei que prejuízos às almas
e, tudo bem espremido, apenas o Deus católico salvaria a espécie e, de
passagem, a organização social. Há meses, vi-o de relance no Porto Canal, a
lamentar a ausência do divino na política.
Pelo
menos a presença do Dr. Arroja na referida estação é aparentemente regular e,
há dias, o nosso herói aproveitou-a para chamar "esganiçadas" às
meninas do Bloco de Esquerda. Entusiasmado, acrescentou que "não queria
nenhuma daquelas mulheres, nem dada", na medida em que, com qualquer
delas, seria impossível "construir uma comunidade, uma família".
Comparado com o que as meninas costumam chamar aos que delas discordam, e
perante o rol de inanidades em que são especialistas, "esganiçadas"
parece-me meigo. De resto, eu próprio preferiria a solidão dos estilitas a
aturar as meninas. Ou a aturar o Dr. Arroja, cujas afirmações exóticas quase
passam por sensatas após o espectáculo que se seguiu.
O
espectáculo, aplaudido pelos maluquinhos do Facebook, consistiu na exigência, a
cargo do BE, de um pedido de desculpas ao Porto Canal, sob os argumentos (?) de
que "a desigualdade de género mata" e de que "quarenta mulheres
são assassinadas pelo seu companheiro e ex-companheiro todos os anos em
Portugal". Ficamos pois informados que a recusa em partilhar o lar com uma
dirigente trotskista é acto discriminatório e, provavelmente, homicida.
Tem
gracinha? Nem por isso. A esquerda, já de si avessa à tolerância, anda
particularmente vigilante e susceptível. Basta olhar em volta. A tentativa de
calar o Dr. Arroja é só um mero tiro - anedótico e por enquanto provavelmente
ao lado - nas rajadas censórias em curso. Por muito que se duvide dos
"acordos" da "frente popular", convém perceber que os
interesses específicos de cada partido incluem um objectivo comum aos três: a
domesticação das dissonâncias. Quando o Dr. Costa espera que "o
ressabiamento nervoso da direita passe daqui a uns meses", não está a
manifestar um desejo, está a definir uma meta. Admito que a supressão da
liberdade não seja o "fim último" dessa gente (o PS quer regressar às
negociatas e à impunidade dos negociadores; o Bloco quer anexar parte do PS; o
PCP quer preservar a clientela dos "serviços" públicos). Mas é no
mínimo uma etapa essencial do processo. Nota-se em vésperas da tomada do poder
e, caso Cavaco permita o pior, vai notar-se mais a seguir. Depois não digam que
não foram avisados. Até porque será complicado dizê-lo.
Sábado,
14 de Novembro
Uma questão de fé
Na
manhã de sexta-feira, Obama explicava na televisão que os avanços do Estado
Islâmico foram "contidos" na Síria e no Iraque. Horas depois,
oferecia ajuda à França em transe. O sucesso da "contenção" passou
despercebido aos familiares das vítimas.
Mas
seria injusto atribuir à relativa apatia da administração americana o sucesso
do EI. A verdade é que, talvez sem "células" consolidadas, sem
organização "central" e sem um pingo da compreensão do "outro"
que às vezes define e às vezes tolhe o Ocidente, é fácil a um punhado de
psicopatas desgraçar centenas de vidas e paralisar um país. Basta um sujeito
para atear o incêndio que mil bombeiros não apagam. Como prevenir? Convém
pensar na resposta, e convém estar preparado para a possibilidade de não haver
nenhuma.
O
que, à semelhança da ajuda tardia de Obama, não contribui para nada de bom é
esquecer que os autores dos massacres, de Paris e de tantos outros, são os
culpados pelos massacres. Não são "as religiões", em sentido genérico
e vago para não ofender a religião comum a tudo isto. Não são os
"mercados", que de facto reduzem as desigualdades que nunca motivaram
os assassinos. Não são os "racistas" que criticam os refugiados em lugar
de os receber sem reservas. Não é a "hipocrisia" dos "países
ricos", que por muitos erros estratégicos que cometam não obrigam ninguém
a explodir com o público de um concerto pop ou com os clientes de um
restaurante. Podia ser o "ódio" de que se queixa o Bloco de Esquerda,
embora com típica pulhice atribua nas entrelinhas o sentimento aos que morrem e
não aos que matam. E não podia ser Cavaco Silva, cuja demora em indigitar o Dr.
Costa é, na avariada cabecinha de Ana Gomes, responsável pela permeabilidade
nacional ao terrorismo. Se hoje a França lamenta os seus cadáveres como amanhã
lamentaremos os nossos, isso deve-se à cultura de extermínio que distingue o
islão dito menos moderado. E à má--fé que leva inúmeros ocidentais a fingir que
não sabem.
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