É claro que Vasco Pulido Valente tem razão no retrato impecável
que faz, não só da direita a dar o flanco, como no de António Costa assumindo, por
contraste, o seu «arzinho de estadista responsável e tranquilo, coisa que
evidentemente impressiona o povo e o solidifica a ele.
Mas também se diz que «quem não se sente não é
filho de boa gente», e o espectáculo de um país curvando o dorso e retorcendo-o
em miadelas dengosas à espera do novo pires de leite, ou tão só indiferente a uma
fraude maquiavélica, esfregada nas nossas caras, de extorsão de um lugar para o
pódio dos vitoriosos, (como aqueles que o obtêm por dopping, estimulante da sua
energia de desportistas sem escrúpulos), não me parece que seja mais edificante
do que a reacção dos que, tendo ganho as eleições, são afastados com critérios
de tanta vileza ou saloiice.
Quanto a mim, os tais adjectivos – usurpador,
golpista e fraudulento – sendo verdadeiros, são bem aplicados pelos que
se sentem lesados. O pretender que, em nome das boas maneiras – agora se diz do
“politicamente correcto, que é chiquérrimo – finjam ignorar a falcatrua
criminosa – parece-me politicamente indigno, retrato de um pobre país exangue, quer
em termos físicos, quer em termos éticos.
A diferença reside em que os do dopping são afastados
da sua glória, pelo menos nos países mais seguidores das normas
consuetudinárias. Nós passamos por cima delas.
Um triste espectáculo
Vasco Pulido Valente
Público, 20/11/15
A direita, a coligação ou como lhe quiserem chamar tem
reagido absurdamente à eleição de 4 de Outubro. Foi compreensível, necessária,
a condenação da táctica eleitoral de António Costa, como o “acordo” com o PC e
Bloco que ele fabricou perante o espanto de Portugal inteiro. Foi também
compreensível que Passos Coelho e Paulo Portas protestassem, mesmo com
violência, contra este abuso de confiança do eleitorado e, em geral, do país.
Mas dali em diante, começou a vir ao de cima nas declarações oficiais dos dirigentes
e de algumas personagens menores uma fúria e um ressentimento que só prejudicam
a posição e as políticas que a coligação pretende defender. O espectáculo e o
impropério, a exigência e a invenção de truques para recuperar ou justificar o
que de facto se perdeu não fazem mais do que fortalecer a esquerda.
Estabelecida de uma vez para sempre a equívoca
legitimidade de um governo e fragilidade do acordo entre o PS e o radicalismo,
era precisa uma oposição séria. Ora chamar “usurpador”, “golpista” e
“fraudulento” a Costa não é uma oposição séria. Nem propor uma revisão
constitucional para repetir eleições imediata ou indefinidamente, como Bruxelas
costuma fazer. Nem organizar reuniões com “reputados” constitucionalistas,
politólogos, personalidades sem descrição exacta e um triste séquito
partidário. Nem, sobretudo, permitir que lunáticos da seita continuem a
destemperar na televisão e nos jornais, coisa que só beneficia António Costa e
o autoriza a tomar, por contraste, o arzinho de estadista responsável e
tranquilo, coisa que evidentemente impressiona o povo e o solidifica a ele.
Claro que se compreendem as pressões de um eleitorado
enraivecido e revanchista. E os problemas que levantam as manobras
agressivamente dilatórias do madeirense Cavaco. Ou a agitação e a ignorância de
uns presuntivos “notáveis” como Vítor Bento que andam por aí, citando Lenine, a
comparar a triste “frente” de Jerónimo, Catarina e Costa com o PREC e a
revolução de Outubro (palavra de honra). Mas, pondo essas puerilidades de
parte, do que a coligação precisa é de um programa e de um método de oposição,
de um governo sombra, de uma maquinaria eficaz (dentro e fora da Assembleia da
República) e principalmente de uma política de informação pública (quem fala
sobre o quê e onde). O espectáculo que a direita está a dar é o caminho mais
curto para uma nova derrota.
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