terça-feira, 24 de novembro de 2015

Os fins justificam os meios, é o que é.



É claro que Vasco Pulido Valente tem razão no retrato impecável que faz, não só da direita a dar o flanco, como no de António Costa assumindo, por contraste, o seu «arzinho de estadista responsável e tranquilo, coisa que evidentemente impressiona o povo e o solidifica a ele.
Mas também se diz que «quem não se sente não é filho de boa gente», e o espectáculo de um país curvando o dorso e retorcendo-o em miadelas dengosas à espera do novo pires de leite, ou tão só indiferente a uma fraude maquiavélica, esfregada nas nossas caras, de extorsão de um lugar para o pódio dos vitoriosos, (como aqueles que o obtêm por dopping, estimulante da sua energia de desportistas sem escrúpulos), não me parece que seja mais edificante do que a reacção dos que, tendo ganho as eleições, são afastados com critérios de tanta vileza ou saloiice.
Quanto a mim, os tais adjectivos – usurpador, golpista e fraudulento – sendo verdadeiros, são bem aplicados pelos que se sentem lesados. O pretender que, em nome das boas maneiras – agora se diz do “politicamente correcto, que é chiquérrimo – finjam ignorar a falcatrua criminosa – parece-me politicamente indigno, retrato de um pobre país exangue, quer em termos físicos, quer em termos éticos.
A diferença reside em que os do dopping são afastados da sua glória, pelo menos nos países mais seguidores das normas consuetudinárias. Nós passamos por cima delas.



Um triste espectáculo
Vasco Pulido Valente
Público, 20/11/15
A direita, a coligação ou como lhe quiserem chamar tem reagido absurdamente à eleição de 4 de Outubro. Foi compreensível, necessária, a condenação da táctica eleitoral de António Costa, como o “acordo” com o PC e Bloco que ele fabricou perante o espanto de Portugal inteiro. Foi também compreensível que Passos Coelho e Paulo Portas protestassem, mesmo com violência, contra este abuso de confiança do eleitorado e, em geral, do país. Mas dali em diante, começou a vir ao de cima nas declarações oficiais dos dirigentes e de algumas personagens menores uma fúria e um ressentimento que só prejudicam a posição e as políticas que a coligação pretende defender. O espectáculo e o impropério, a exigência e a invenção de truques para recuperar ou justificar o que de facto se perdeu não fazem mais do que fortalecer a esquerda.
Estabelecida de uma vez para sempre a equívoca legitimidade de um governo e fragilidade do acordo entre o PS e o radicalismo, era precisa uma oposição séria. Ora chamar “usurpador”, “golpista” e “fraudulento” a Costa não é uma oposição séria. Nem propor uma revisão constitucional para repetir eleições imediata ou indefinidamente, como Bruxelas costuma fazer. Nem organizar reuniões com “reputados” constitucionalistas, politólogos, personalidades sem descrição exacta e um triste séquito partidário. Nem, sobretudo, permitir que lunáticos da seita continuem a destemperar na televisão e nos jornais, coisa que só beneficia António Costa e o autoriza a tomar, por contraste, o arzinho de estadista responsável e tranquilo, coisa que evidentemente impressiona o povo e o solidifica a ele.
Claro que se compreendem as pressões de um eleitorado enraivecido e revanchista. E os problemas que levantam as manobras agressivamente dilatórias do madeirense Cavaco. Ou a agitação e a ignorância de uns presuntivos “notáveis” como Vítor Bento que andam por aí, citando Lenine, a comparar a triste “frente” de Jerónimo, Catarina e Costa com o PREC e a revolução de Outubro (palavra de honra). Mas, pondo essas puerilidades de parte, do que a coligação precisa é de um programa e de um método de oposição, de um governo sombra, de uma maquinaria eficaz (dentro e fora da Assembleia da República) e principalmente de uma política de informação pública (quem fala sobre o quê e onde). O espectáculo que a direita está a dar é o caminho mais curto para uma nova derrota.

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