segunda-feira, 9 de novembro de 2015

O manto diáfano da fartura sobre a nudez



Francisco Assis bem que tentou mostrar à nação que, sendo socialista convicto, discorda da convicção de Costa de se apoiar na esquerda, que fará o país dançar na corda bamba até se estatelar de vez. Francisco Assis piou tarde, o que significa que as suas convicções de lealdade a princípios de honestidade na questão de ganhadores ou perdedores eleitorais são evasivas, apenas quis ficar bem na fotografia ante o país da direita, mas o resultado da tentativa, à porta fechada, foi nulo, naturalmente, ele próprio desejoso de pertencer a um partido governante nem que seja na dependência de gente de discurso de slogan, para quem tudo se resume a “derrotar o governo”, ainda que à custa da destruição do país. Vasco Pulido Valente apresenta avisos de consistência, que não perturbaram Assis, que também os devia conhecer. Mas, como já outros disseram, somos um povo desmazelado, que deixa assaltar a casa antes de pôr as trancas na porta, além de suficientemente ingénuo para acreditar nas patranhas dos patranheiros dos slogans da fartura na miséria.
O manifesto dos 115
Vasco Pulido Valente
Público, 7 de Novembro de 2015
No meio da conversa metafísica sobre a legitimidade ou ilegitimidade do putativo governo António Costa, as notícias que realmente contam têm passado desapercebidas. Primeiro, um pequeno perigo que pode deitar abaixo todo o edifício construído por uma “esquerda” que não consegue medir o efeito da sua inesperada ascensão ao governo. A agência de “rating” canadiana DBRS (a única das quatro grandes que não desceu a dívida portuguesa à categoria de “lixo”) avisou terça-feira que admite fazer descer um degrau à nossa papelada. Se isso vier a acontecer, não será permitido ao BCE comprar dívida portuguesa (de que em larga parte nós vivemos), nem aos bancos dar dívida portuguesa como colateral do dinheiro que andam por aí a pedir; e não tardará que uma nova troika desembarque em Lisboa.
Como se isto fosse pouco, também saiu esta semana um manifesto assinado por 115 donos de empresas familiares Para a imaginação popular uma empresa familiar é um café ou uma loja de sapatos. Estes 115 senhores não se ficaram por aí, como por exemplo, Peter Villax (da farmacêutica Hovione), Vasco de Mello (do grupo José de Mello), Pedro Teixeira Duarte (da construtora Teixeira Duarte), António Amorim (do grupo Amorim) ou João Pereira Coutinho (da SGC). Este manifesto é tanto mais significativo quanto as forças reais da economia não se foram esconder por uma vez nas saias do poder como dantes se embrulhavam na milagrosa manta de Salazar. Parece que finalmente chegaram à maturidade e são capazes de tratar de si. O que dizem é francamente assustador.
Começam por explicar o que os preocupa. A “esquerda” não percebe ou finge que não percebe, mas para os signatários do manifesto basta “o facto de dois dos partidos que podem formar um novo governo ou maioria parlamentar serem estatutariamente anti-inciativa privada”. Só por si, previnem os 115, a presença do PC e do Bloco na mesa do Conselho de Ministros ou perto dela levou ao “adiamento de projectos” e, portanto, de “novo investimento”. E, para as pessoas com dificuldades cerebrais, o manifesto acrescenta que a política do afamado dr. Costa produzirá “mais desemprego, mais sofrimento e mais pobreza”. Os 115 são sérios. Infelizmente, não faltam por aí trafulhas para ouvir o incitamento implícito no manifesto, ou seja, “ponham o vosso dinheiro a salvo, enquanto é tempo”. A Holanda e o Luxemburgo agradecem.


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