segunda-feira, 23 de novembro de 2015

«Avozinha, porque tens a boca tão grande?»




Era nos anos 60 que também cantámos o “S. Francisco”, com o entusiasmo dos anos ainda meio verdes, entendendo facilmente a mensagem de um mundo de amor, embora a realidade mostrasse continuamente o irrisório da pretensão, o terrorismo em África a iniciar o seu foco de conflito com o apoio de doutrinação adequada, condenatória dos colonialismos em nome do altruísmo, coisa que as missões católicas estrangeiras e o próprio papa Paulo VI corroboraram então, com a necessária virtude. E foi assim que, bons discípulos por conveniência, da ideologia antibelicista, soubemos também aplicar as flores não aos cabelos segundo a canção de Scott Mckenzie, mas aos canos das nossas espingardas derrubadoras do governo, em sugestão pacifista prova do nosso seguidismo florido.
Alberto Gonçalves tenta advertir-nos, com sensatez, do novo terrorismo que nos colhe a nós agora, no medo que tentamos disfarçar com as flores em memória dos mortos que os novos terroristas executam em nome da sua religião, os jovens cantando a Marselhesa para se dar coragem e bonitas lições de harmonia ao mundo, as televisões reproduzindo os diálogos enternecedores entre o pai e o filhito assustado, reles pieguice que também ouvi com o mesmo asco que toda a escrita do sociólogo faz transparecer no seu artigo “Flower power”. Alberto Gonçalves adverte para o perigoso da invasão europeia que o Acordo de Schengen possibilitou, afundando o mundo numa guerra em nome de uma religião que quer alastrar, mas afigurando-se mais em nome de um ódio gratuito, de pura propagação do mal.
Admiro a coragem com que Alberto Gonçalves aponta a irrefutabilidade da pieguice reles com que a Europa se deixa tasquinhar, para cumprir a sua obrigação de solidariedade e sair bem no retrato.
O segundo texto de Alberto Gonçalves é sobre o retrocesso do país com a subida ao trono de António Costa. O povo é sereno.

Flower power
Alberto Gonçalves
DN, 22/11/2015
A nossa sorte é que apenas uma ínfima minoria dos muçulmanos decide castigar-nos à bomba ou à bala. O nosso azar é a imensa quantidade de muçulmanos que, para dizer o mínimo, não se incomodam demasiado com tão simpático passatempo. Na terça-feira, em Istambul, durante um jogo de futebol entre a Turquia e a Grécia, o minuto de silêncio pelas vítimas de Paris foi violado pelos gritos de "Alá é grande". No mesmo dia, em Dublin, homenagem idêntica no Irlanda-Bósnia suscitou nos adeptos "visitantes" um berreiro em louvor da Palestina. É estúpido recusar a existência dos islâmicos moderados? É ainda mais estúpido acreditar incondicionalmente no peso dessa moderação.
Há cerca de um ano, uma sondagem apurava que perto de 40% dos muçulmanos franceses tinham opinião positiva acerca do ISIS. Na Alemanha, 46% da população muçulmana manifestava tendência similar. E no Reino Unido a percentagem subia para 54%. Contas por alto, os três países citados "integram" pelo menos sete milhões de pessoas que, em nome do Profeta ou do que calha perturbar as suas cabecinhas, defendem o assassínio, a tortura, a decapitação, a violação, a escravatura e os massacres em geral de "blasfemos" e "apóstatas". Para cúmulo, note-se que as questões da sondagem estavam limitadas ao ISIS, logo desconhece-se o apoio popular a colectividades recreativas como o Hezbollah, a Al-Qaeda, o Hamas, o Boko Haram e etc.
Em primeiro lugar, estas ligeirezas deviam enterrar em definitivo o mito do islão "moderado". Não importa recuar quinze séculos e descobrir que não há passagem do Alcorão a convocar matanças para concertos rock ou restaurantes: importa que uma parcela suficiente dos seus seguidores actuais comete matanças assim, e que uma parcela assustadora as ache legítimas. E que, salvo especialíssimos casos, os restantes devotos primam pelo silêncio, fruto da indiferença ou do medo ou de razões de que nem suspeitamos.
Depois, convém reparar que, ao contrário do que consta, a ameaça não nos bate à porta: entrou na sala e refastelou-se no sofá com à-vontade. Não é preciso ser grande estratega militar para desconfiar que, perante o brutal crescimento das comunidades muçulmanas neste lado de Bizâncio, bombardear alvos, por exemplo na Síria, não resolve tudo. Mas reagir do modo frequentemente demonstrado nos últimos dias não resolve nada.
Em Paris, perante as câmaras e a multidão que cantava Imagine, uma das maiores aglomerações de banalidades, cretinices e embaraços alguma vez musicados, um homem discutia os atentados com o filho quase bebé. "São homens maus, papá", lamentava o pequeno. "Sim, mas há homens maus em todo o lado", respondia o pai. "Eles têm armas e podem disparar porque são muito maus", insistia o pequeno. "Não há problema, eles têm armas mas nós temos flores", argumentava o pai. "Mas as flores não fazem nada, servem para...", desesperava o pequeno. "Claro que fazem", interrompia o pai, "olha toda a gente a colocar flores ali: servem para combater as armas". "Servem para nos proteger?", pasmava o pequeno. "Sim", triunfava o pai.
O nível da argumentação vigente desceu a tal ponto que até uma criança o acha pateta. Com as melhores ou as piores das intenções, as pessoas repetem clichés apalermados que, longe de ajudarem a Europa a sair da situação em que caiu, dizem um bocadinho sobre a apatia que a deixou aqui. E dizem imenso sobre a tresloucada cegueira que a deixará sabe Deus, perdão, Alá onde.
De acordo com a cartilha omnipresente, é proibido confundir os muçulmanos com o terrorismo. E é obrigatório ignorar que são os muçulmanos, os "maus" e a vasta maioria dos "bons", que respectivamente alimentam e toleram a confusão. Tolhidos por acusações de "discriminação", sofremos em silêncio (ou com cânticos de "paz" e patranhas ecuménicas) uma vaga discriminatória talvez sem precedentes e sem remédio. Enquanto o islão não cumprir a modernidade, o futuro da Europa, talvez do Ocidente, não promete. Esperemos sentados. Ou agachados, para fintar as balas.
Sexta-feira, 20 de Novembro
Não se esqueçam de atrasar o relógio quatro anos
"Eu pessoalmente confio no Dr. António Costa e no PS", diz o Sr. Ulrich, do BPI. Como ainda não endoideci, "eu pessoalmente" confiaria mais em quem me tentasse vender a Torre dos Clérigos. Mas, lá está, por desdita ou feitio não pertenço aos "interesses" que prosperam à conta do poder, ao contrário de significativa parte da nossa banca e "empresariado". Nessa matéria, o meu único interesse é o de que o Estado me deixe em paz. Já o interesse do Sr. Ulrich é justamente o de que o Estado esmifre os cidadãos em geral em proveito de cidadãos em particular como ele e o género de elites económicas e financeiras que honram a nação.
Cheiinho de falhas, o governo de Passos Coelho e Paulo Portas ficou aquém do ideal nas reformas empreendidas (aliás limitadas pelo Tribunal Constitucional e desejadas por muito poucos) e foi além do suportável em matéria fiscal (a consequência fatal da bancarrota de Sócrates e dos limites citados). Alguma coisa, porém, terá feito bem. Caso contrário, a trapaça que o derrubou na AR não mereceria o silêncio conivente de tantos ilustres, aqueles que nestes quatro anos perderam o acesso livre ao banquete orçamental. Com o anunciado regresso do PS, os ilustres esfregam as mãos: agora abrilhantada com acompanhamento leninista, a festa vai recomeçar. E 2011 também.

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