quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Um texto dois textos três textos



O primeiro é de Vasco Pulido Valente. A advertência de quem conhece homens e coisas e o passado:
Sem desculpa
18/10/2015 - 05:02
O PC, o Bloco e o PS discutem agora presuntivos pontos de um “programa comum”. Pelo que se tem sabido só discutem medidas que aumentam a despesa e medidas que reduzem a receita. Isto não parece impressionar António Costa, que anteontem foi à televisão garantir que os deveres de Portugal com a Europa (e os credores) serão rigorosamente cumpridos. Não se percebe como. Mas não nos devemos preocupar com esse pequeno pormenor: ou Costa mente ou planeia uma tremenda “austeridade” para os “ricos”, que infelizmente não existem ou tendo a fama não têm o dinheiro. De qualquer maneira, como não se cansam de dizer os peritos da televisão, as coisas estão muito divertidas. Para eles, pelo menos. Para nós, que, segundo o dr. Ulrich, “aguentamos tudo”, fica o prazer de contar os tostões.
Há ainda algumas dificuldades. Parece que não passou despercebido ao PC que no resto da Europa o apoio ao PS acabou por desfazer os partidos comunistas. E que o próprio Bloco, num ou outro intervalo lúcido, desconfia que lhe pode acontecer o mesmo. Uma desconfiança histórica leva essas duas meritórias congregações da nossa “esquerda” a não quererem negociar com Costa mais do que um programa mínimo para a investidura de um governo minoritário do PS. Costa, com o seu arzinho repolhudo de estadista, rejeita isto. Primeiro, porque a ideia de se tornar refém dos seus companheiros de caminho não o atrai especialmente. Depois, porque passar uns meses na rua da Imprensa à Estrela acabaria com ele. A lógica de Costa implica um contrato de legislatura ou, em última análise, uma coligação.
Até hoje não se resolveu nada. Mas bastaram meia dúzia de reuniões para provocar a indignação dos “puristas” do PS e da “esquerda”. A indignação no vazio não incomoda ninguém e é particularmente estimada pelas capelas do progresso. O caso muda de figura se ela se manifestar a propósito de actos do governo ou da sua omissão. O PS e o Bloco não se distinguem pela sua particular disciplina; e o PC é guiado por interesses completamente estranhos ao “bom funcionamento” do regime. O papel que Costa pretende equivale a tomar o comando de um grupo de guerrilhas, na esperança de o transformar no exército prussiano. Fora do mundo da fantasia as guerrilhas continuarão guerrilhas e Costa precisará de uma entrevista permanente na televisão para desculpar o que não tem desculpa.

O segundo é de João Miguel Tavares, de quem sabe reflectir sobre o presente com a sensatez necessária:

O PS passou-se?
22/10/2015 - 05:49
Para não ser logo muito bruto, deixem-me começar pelas questões em que António Costa tem razão, ainda que alguma direita tenha dificuldade em admiti-lo.
Costa tem razão na legitimidade de um Governo à esquerda, se Passos e Portas caírem no Parlamento e o PS conseguir um acordo sólido com Bloco e PCP – eu não alinho nas conversas de golpe de Estado. Costa tem razão quando diz que foi claro durante a campanha eleitoral na rejeição do Bloco Central (o facto de ninguém o ter levado a sério não é culpa sua). Costa também tem razão quando acredita que a maior parte do PS está do seu lado. E Costa tem ainda razão quando intui que a possibilidade de uma fragmentação do PS pode ser maior em caso de acordo com a direita do que no caso de um acordo com a esquerda.
Costa até tem razão em tentar prosseguir o seu caminho: quando olhamos para a sondagem da passada segunda-feira na TVI, ela não disse o que muitos gostariam que dissesse. Se os números do PS não mexem, isso significa que a quase totalidade do seu eleitorado engoliu a patranha anti-austeridade e deseja, em primeiro lugar, que a coligação seja impedida de formar Governo. Quatro anos de sacrifícios racharam o país ao meio – António Costa tinha um tubo de cola na mão direita e martelo e escopro na mão esquerda. Optou pelo martelo e escopro. Está no seu direito. E até combina melhor com a bandeira do PCP.
Mas, como imaginam, tudo o que atrás ficou dito, todas as razões que atribuí a António Costa, têm como premissa duas pequenas palavrinhas: “acordo sólido”. “Acordo”, no sentido de “documento assinado”. E “sólido”, no sentido de “aceitável dentro das metas do Tratado Orçamental”. É que, sem acordo, não há nada. Sem acordo, há apenas um grupo de socialistas desesperados a rodopiar por aí. Sem acordo, resta António Costa travestido de um Martim Moniz com défice democrático, procurando com a bojuda perna esquerda impedir que a porta de São Bento se feche na sua cara.
Deixem-me, então, recorrer à brutidade: a figura que o PS fez na terça-feira, primeiro pela voz do líder do PS, à saída do Palácio de Belém, e depois, à noite, na SIC e na TVI, pelas vozes de Carlos César e de Pedro Nuno Santos, é das coisas mais irresponsáveis e vergonhosas que me foram dadas a assistir na política portuguesa. Quando questionado sobre os termos do acordo, Carlos César respondeu: “Não lhe posso detalhar o acordo. Em primeiro lugar, ele não está subscrito pelos seus parceiros. E, em segundo lugar, a sua divulgação só tem interesse por ocasião da indigitação.” Está tudo doido?
Uma resposta destas merecia nova manifestação na Fonte Luminosa. António Costa tinha jurado na sexta-feira, em entrevista à TVI, que não iria chumbar um Governo da coligação se não tivesse uma alternativa. Mas, na terça-feira, embora essa alternativa não existisse nem se soubesse se iria existir, ele já estava a pedir ao Presidente da República a indigitação para liderar o país. Não há acordo, ninguém o viu, o PS acha que não tem de o mostrar, mas o Governo só pode ser dele. Confirma-se: está mesmo tudo doido.
O DN resumia o caso exemplarmente na sua manchete de ontem: “Governo à esquerda – só falta que Costa, Catarina e Jerónimo assinem acordo.” No campeonato do wishful thinking, é das melhores coisas que li até hoje. Dentro desse mesmo espírito, posso já revelar aqui o título do meu próximo artigo: “João Miguel Tavares casa-se com Monica Bellucci, Charlize Theron e Scarlett Johansson – só falta elas aceitarem”.

O terceiro consiste em dois excertos de uma pequena peça de teatro –“Exercício escolar” – escrita em 1979, que inseri em “Cravos Roxos”, e cujas aflições que a ditaram, estão perfeitamente adaptáveis às aflições deste presente dos jogos de “infantilíase” que, sem pejo nem travão, se vão permitindo entre nós, numa irresponsabilidade de profundo atraso mental e social, joguetes que somos de mentes brincalhonas. Cito o CORO DO PARTIDO, do Argumento inicial, e do seu Final:
Argumento
CORO DO PARTIDO
Necessário foi, senhores,
Que nas trevas que vivemos
-Cinquenta anos de dores –
Surgisse luz redentora
Que quebrasse a maldição.
Revolução salvadora
Elegeu os sofredores
Castigou os opressores,
Repôs o ´Bem e a Justiça,
A Igualdade, a Liberdade,
Fraternidade, União,
Deu ao pobre a unidade,
Ao rico a humilhação.
Primavera esclarecida,
Bendita revolução,
Conquista cheia de glória
Das páginas da nossa História.
………………………………………………….
Final:
CORO DO PARTIDO
Neste  país transformado
Por revolução de flores
Que aniquilou prepotências
E irmanou ricos e pobres
Trabalhadores e gestores
Num ideal renovado
De comum realização,
Só se escuta o martelar
Dos malhos dos ferradores
Dos maços dos calceteiros
E os gritos dos operários
E os olés dos boieiros
E o chocalhar das ovelhas
E os protestos dos doutores
E os risos dos operários
E o gorjear dos cantores.
Pelas ruas transformadas
Em caminhos pedregosos
Onde as flores são espontâneas
E os frutos tão saborosos,
Brotam as almas mais cândidas
E os sentimentos mais soltos.
Eis a mensagem, senhores,
da nossa festa das flores. (Assim fenece a farsa)

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