sexta-feira, 30 de outubro de 2015

«Pois se não foste tu, foi teu pai»



Sugerem-me o tema três exemplares nossos – aparentes - do PSD
Começo por Garrett e a sua balada da sereia. Foi o que me lembrou, pensando em Marcelo Rebelo de Sousa:

Pescador da barca bela,
 Onde vás pescar com ela
Que é tão bela,
Ò pescador!
Deita o lanço com cautela,
Que a sereia canta bela.
 Mas cautela,
 Ò pescador!
 Não se enrede a rede nela,
Que perdido é remo e vela
 Só de vê-la,
 Ò pescador.
Pescador da barca bela,
Inda é tempo, foge de ela
Foge de ela,
 Ò pescador! Almeida Garrett

Nós somos os pescadores que muito escutámos com algum fervor MRS, que nos sossegava um pouco o espírito ao domingo à noite na TVI, parecendo ter no bolso a receita para a nossa serenidade, embora a minha mãe, que não acompanhava, há alguns anos, as suas falas, que a forçávamos a escutar, todos sentados nos sofás religiosamente àquela hora, família unida colhendo os privilégios da cultura televisiva – a minha mãe costumasse comentar, madona poderosa: “É um fala-barato!”
O certo é que Marcelo parecia tudo saber, tudo resolver, de tudo dar conta, velozmente, com optimismo e confiança na nação, defendendo causas que nos pareciam ser as correctas, sereia cantando bela a sua música celestial que impunha, sem diálogo, magister dixit, orientando, sem contestação, Fénix no seu poleiro intocável, sempre velozmente perorando, torneira jorrando sem pingue-pingue de hesitações.
De repente a sereia mostrou o seu temperamento real, de nos comer a todos por parvos. Transformado em presidente hipotético, ele seria o de todos os portugueses, comia de todos os repastos, como já a tantos víramos fazer na vida, “Pescador da barca bela, inda é tempo, foge dela!”
A figura seguinte lembrou-me Camões e o seu Adamastor, Mostrengo do fim do mar, horrendo e tenebrosamente ameaçador:

Cum tom de voz nos fala, horrendo e grosso,
Que pareceu sair do mar profundo.
Arrepiam-se as carnes e o cabelo,
A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo!
 (Lus., V, 40)

 «Sabe que quantas naus esta viagem
Que tu fazes, fizerem, de atrevidas,
Inimiga terão esta paragem,
Com ventos e tormentas desmedidas;
E da primeira armada que passagem
Fizer por estas ondas insofridas,
Eu farei de improviso tal castigo
Que seja mor o dano que o perigo! (Lus. V, 43)

José Pacheco Pereira, o inspirador do paralelo, cada vez mais raivoso para com os da Coligação, a que dizem que pertence, sem que consiga esclarecer cabalmente por que vomita tanto fel, sob a aparência, todavia, de buda sereno, mastigando saberes em voz de falsete, Adamastor que me desculpe, que tem uma personalidade mais definida e humana, nos seus amores de engano, pela traiçoeira Tétis, P. Pereira provavelmente de tendências mais p’ró Narciso.

Para Pedro Marques Lopes, só me lembro de “piu-piu”, como paralelo.

Todavia, dentro do espírito de “traição” que tais comportamentos implicam, não posso olvidar a quantidade de fábulas à volta desse tema, entre as quais a do Lobo e o Cordeiro. Para não falar em Shakespeare, é claro, que dá muito mais trabalho a decifrar. Ou na própria Ilíada pioneira.

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