sábado, 31 de outubro de 2015

«Olhe que não! Olhe que não!»



Um artigo de Vasco Pulido Valente mostra preocupação pelo bem-estar do PCP, caso Jerónimo de Sousa continue amarrado aos chavões do seu mestre Cunhal, que exigem a alteração das leis laborais, como já nos tempos do PREC se conseguiu, todos temos isso presente. Julgo que Vasco Pulido Valente não quer a extinção do PCP, que para todos os efeitos tem um herói no seu currículo, cujos amigos de Peniche desses tempos o salvaram da prisão no Forte, dando-lhe possibilidade de voltar anos depois já herói consagrado e criador de novas leis laborais, sobretudo para os trabalhadores do seu conceito, todos os outros não passando de uma cambada de exploradores ou de serventuários do capital.

Um erro sem desculpa
Público, 30/10/2015
Já muito mais tarde, por volta de 1990, conheci pessoas que tinham trabalhado com Álvaro Cunhal durante o PREC e durante os primeiros governos constitucionais. De tudo o que me contaram, o que mais me espantou foi o facto de Cunhal persistir em acreditar que o regime estabelecido era (para usar o calão da seita) uma “democracia avançada” e não uma “democracia burguesa” como em toda a Europa. Ao que parece, Álvaro Cunhal fundava esta inesperada ideia na Constituição, que no preâmbulo falava em “socialismo” e dava por adquiridas as leis laborais de 1975, a reforma agrária, as nacionalizações “irreversíveis” e outras maravilhas. Como considerava a Constituição eterna e a sociedade imutável, não pensou na fragilidade do equilíbrio em que assentava a sua consoladora visão das coisas. Os desgostos não tardariam a chegar. Mas, pensando bem, para quem conhecia a história da ortodoxia comunista desde 1917 as fantasias de um pequeno chefe num país distante tinham, e continuavam a ter, dezenas de precedentes. Para compreender Jerónimo de Sousa, é preciso compreender isto. O PCP não está condenado pela “austeridade” do Governo de Passos Coelho. O PCP está condenado pela sociedade em que hoje vai vivendo, reduzido a uma velha área de influência geográfica, constantemente ameaçada, e aos sindicatos dos transportes, de que o Estado, contra a razão e o bom senso, ainda é proprietário. A aliança de Jerónimo de Sousa com o PS é uma aliança defensiva, um episódio já obscuro da “luta pelas conquistas de Abril”, condenado tarde ou cedo a falhar como sempre sucedeu.
O PC resolveu pagar ao PS com o seu apoio (muito condicionado, de resto) a revogação das leis laborais da coligação, a permanência dos transportes na esfera pública e algum alívio transitório para aqueles a quem Jerónimo quase deixou de chamar “trabalhadores” e trata agora por um eufemismo burguês, particularmente equívoco: “Os mais frágeis”. Volta assim à política de cegueira e de imobilismo que o distinguiu desde Novembro de 1975. Só que desta vez corre um risco muito mais grave. Se por causa do Governo de António Costa as condições gerais da economia piorarem, agravando a pobreza da sociedade e do Estado, o PC perderá o que tem; os benefícios que o PS lhe der; e também na enxurrada o persistente respeito dos portugueses pela sua fidelidade a si próprio: um erro sem desculpa.

Eu até, para animar Jerónimo de Sousa, que poderá responder sempre a Pulido Valente como fez Cunhal a Soares – “Olhe que não!”, mesmo sem ser em duplicado, por reverência ao amo e modéstia própria, respiguei da Internet algumas sentenças de Álvaro Cunhal, que serão música celestial para os adeptos desse ideário que vamos ser obrigados a seguir na nova era que se avizinha, embora faça ainda parte da Cenozóica em que nos situamos, bem aconchegados no período Quaternário, das grandes realizações humanas:

Do seu livro: «Acção Revolucionária, Capitulação e Aventura» (1967)
«A construção de um Portugal democrático será gravemente limitada ou mesmo impedida se os monopólios estrangeiros continuarem sendo reis e senhores de Portugal. A construção de um regime democrático deve significar a libertação do imperialismo estrangeiro e a conquista da real independência nacional. »
«Os imperialistas estrangeiros têm nas suas mãos os principais recursos nacionais, predominam no mercado interno e dominam o comércio externo, vendem-nos caro e compram-nos barato, pilham as nossas riquezas, exploram o nosso trabalho e reduzem Portugal à condição de um país dependente e semicolonial. »
A política de exploração, opressão e terror da ditadura é a política de protecção dos interesses monopolistas. Só eliminando o poder dos monopólios poderão as riquezas nacionais ser aproveitadas em benefício do povo e da nação, poderá ser dado um impulso ao desenvolvimento económico no quadro da liberdade e da democracia, poderá elevar-se o nível de vida das classes trabalhadoras e do povo em geral.
Liberdade
Nem todos quantos estão dispostos a lutar pela liberdade estão dispostos a lutar pelo socialismo, mas todos quantos estão dispostos a lutar pelo socialismo estão prontos a lutar pela liberdade.
Só dogmáticos podem pretender explicar a vida social, na sua extrema riqueza, diversidade e complexa e irregular evolução, com a aplicação de fórmulas imutáveis ou com a citação de textos.

De: «Discurso, Checoslováquia» (1967)
A luta pela paz e a segurança na Europa está também intimamente ligada à luta pela verdadeira independência nacional de todas as nações europeias. Posições económicas dominantes representam meios de influência e de intervenção na política interna de outros Estados e meios de pressão diplomática.
É também uma lição da história e uma evidência da actual situação internacional que as forças agressivas do imperialismo se apoiam sempre, além fronteiras, nos regimes e nas forças mais reaccionárias, apoiando estes por sua vez.
A existência de nações europeias privadas de uma verdadeira independência nacional é um factor prejudicial ao estabelecimento duma paz duradoura, além do mais porque essa situação de subjugação nacional não se revela apenas nos aspectos económicos, mas no domínio político, diplomático e militar.


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