sábado, 24 de outubro de 2015

Mas já não há generais



O jogo do ganha-perde era um jogo de damas que jogávamos com o meu pai, em que ele nos punha a comer todas as pedras enquanto o diabo esfrega um olho, fazendo-nos perder imediatamente o jogo, apesar da aparente vitória, estatuída como derrota, segundo as regras previamente determinadas - tal como era a vitória resultante de as pedras serem comidas, no jogo do comer vitorioso. É claro que perdíamos sempre, quer o comer significasse derrota ou vitória, e breve deixámos de jogar com o nosso implacável pai, procurando brinquedos menos humilhantes, tais o paulito, o berlinde, a bola, o ring, com parceiros da mesma competência e alegria na agilidade.
Foi o que me lembrou este artigo de Henrique Monteiro, do Expresso de 17/10, “Manual de Ética Política”, o jogo do ganha-perde da minha infância, na determinação abusiva estatuída por um pensamento pretensamente adulto, de António Costa e camarilha, que viram na jogada (sugerida anteriormente por mentores da nossa inteligência nacional, excluído o status ético pessoal), um meio de projecção e de autêntico furo para Costa e camarilha, à falta do resultado arrasador que prometera, quando expulsara Seguro, e igualmente para o PS, desejoso de recuperar o protagonismo do comando, embora contrariado por alguns adeptos moralmente mais escrupulosos ou pelo menos aparentando isso. Quanto à camarilha da esquerda, os sonhos são naturalmente radiosos, pelo inesperado do maná no seu deserto de destruição assumida sempre com gozo.
O artigo de Henrique Monteiro aponta igual estratagema de quem ganhou perdeu, sem que, todavia, tais regras fossem previamente estabelecidas, mas antes forjadas, no acaso de conjunturas favoráveis e aliciantes, que duas jovens ardilosas resolveram impor a um povo aparentemente subdesenvolvido que as alcandorou a um lugar de bastante relevo, para massagem do seu ego fascinado por inesperada glória política, novas padeiras para ficar na história das nossas batalhas. Felizmente, por enquanto, o subdesenvolvimento não é tão manifesto como elas e os seus companheiros de rua o supunham, embora isso seja por escassos dias, caso Costa continue a fazer finca-pé no seu capricho sem escrúpulo. (De facto, assim acontece).
O texto de Henrique Monteiro, é taxativo, o que demonstra quanto de vilania cresceu entre nós, trazido também por um 25 de Abril liberalizador de preconceito e sentido de vergonha, no vale tudo da vaidade cega e do ódio invejoso que irá, certamente, cilindrar direitos e haveres. Como na velha China de Mao, para não falar em outras revoluções passadas e presentes, ditadas por extremismos predadores, neste jogo do ganha-perde, do vale-tudo que já se viveu por cá.
Mas nessa altura houve um general para repor o equilíbrio. Agora, também isso foi ao ar.
Pode, é certo, voltar, a tropa fandanga - (permito-me a expressão, enquanto ainda reina a tal democracia) - numa reorganização de apoio às forças da usurpação, munidas dos conceitos democráticos só para enganar os tolos que os alcandoraram ao poder.

Manual de ética política
Henrique Monteiro
Expresso, 17/10/15

Os dias que se seguiram às eleições de 4 de outubro não foram bonitos de se ver, depois de uma noite que augurava uma normalidade e elevação considerável, com Passos a reconhecer que sem maioria teria de negociar e Costa a assegurar que não faria coligações negativas.
Os dias seguintes trouxeram, porém, uma surpresa: Costa e os seus apoiantes transformaram, sem aviso prévio, as eleições parlamentares num plebiscito esquerda/direita. E descobriram que, apesar de a coligação ter ganho as eleições, afinal as tinha perdido.
Não conheço quem goste de votar sem saber para que o faz. Por mim gostaria de ter sido avisado com o mínimo de ética que se espera de toda a gente. Mas logo dizem que em muitos países é assim: não é quem ganha que governa, mas sim blocos de partidos que conseguem maiorias. Eu sei, mas recordo que esses países são estritamente parlamentares e não semipresidenciais, o que torna as coisas diferentes. Porém, estou convicto de que um acordo entre PS/BE/PCP é legítimo.
Não apenas do PS, mas também da esquerda radical. Se o país já era manco, por a esquerda não se unir, mais manco ficará quando se sabe ter sido transposto o muro, que Costa se orgulha de ter derrubado, no  sentido errado. Ou seja, no essencial, o derrube não se seguiu a uma viragem do PCP e do BE no sentido democrático, europeu e ocidental, mas a uma necessidade do PS (ou melhor, do seu líder) em salvar a pele.
Apesar dos erros de Passos (e também tem vários) o que sobressai é a clara falta de ética republicana de quem, depois do assalto ao partido, quer agora assaltar o país sem querer saber de convenções e tradições. Como se antes dele nada houvesse e depois nada ficasse

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