sexta-feira, 2 de outubro de 2015

“Cara a cara”



Ouvi hoje Costa referi-lo a respeito do seu convívio com o seu/nosso povo, de olhos nos olhos, não sei se de lábios nos lábios, mas de cara a cara sem dúvida, foi o que ouvi, parecendo querer expressar com isso a tal transparência de que eu muito ouvia falar nos idos de 74 e seguintes, que pouco a pouco foi desaparecendo das falas para retomar em força nas vozes claras dos bandos da esquerda – (Costa incluído mas não o seu partido, todavia, que soube sempre abafar as suas coisas menos claras) – mas realmente no que ele é de facto transparente é nos insultos à direita, que é o que o seu/nosso povo gosta de ouvir, por serem as expressões do insulto mais transparentes de significado e menos custosas de formulação, ao fazerem parte do património oral cultural do nosso povo. O resto da transparência não significa nada, bem sabemos, embora o governo de Passos pareça um pouco mais do que os outros nesse capítulo, por explicar melhor das contas que precisa de pagar para merecer construir. A mim, deu-me logo desejo de soltar o mesmo desabafo que a minha sobrinha Ana soltou a passear-se com os filhos e a mãe numa das ruas de Paris pejadas de lenços: “Eu  já não posso com estas mulheres de lenço”, mas acho que falava por saudosismo daqueles tempos em que ainda o Islão não invadira a Europa e Paris erguia a altiva cabeça nua ao sol, à chuva e ao vento da sua irradiação própria, ofuscada agora, ao que dizem, por essas coberturas assustadoras. A mesma sensação de desgosto me acabrunha, com o estado de sítio que as invectivas, injúrias e gabarolices fazem transparecer por cá nestes períodos eleitorais, continuação, é certo, dos desplantes ouvidos nos períodos das greves e marchas abafadoras das tentativas de governar.
Entretanto, descobri um texto já antigo, de Alberto Gonçalves, que desejo guardar como peça de síntese, fundamental para se compreender Costa. Aqui vai:

Costa e castigo
por ALBERTO GONÇALVES
DN, 26 julho 2015
Não era difícil prever o desastre que é António Costa. Os primeiros indícios chegaram com o culto da "inteligência" caseira, que se destaca pela portentosa falta da dita e atabalhoadamente tentou converter um amorfo funcionário do PS no D. Sebastião de 2014. Os sinais acentuaram-se durante o combate contra Seguro, raro momento em que, por comparação, este se assemelhou a um estadista promissor ou, vá lá, a um ser vivo. Chegado à liderança do partido, o dr. Costa continuou a provar com espantosa frequência que a inabilidade na gestão de uma autarquia não basta para governar um país. Não era difícil prever o desastre: difícil era adivinhar a respectiva dimensão.
Comentadores magnânimos atribuem o fiasco a factores externos, da prisão de Sócrates ao advento do Syriza. Na sua generosidade, esquecem-se de acrescentar que, sozinha, a brutal inépcia do dr. Costa, que possui a firmeza da esparguete cozida, transformou cada eventual obstáculo numa cordilheira inultrapassável.
Sobre Sócrates, o dr. Costa começou tipicamente por avaliar mal o "sentimento" popular e defender com tremeliques de orgulho as proezas do preso 44 enquanto primeiro-ministro. Uma bela manhã até desceu a Évora. Meses depois, numa exibição de objectividade sem precedentes, o dr. Costa criticou um governo de que ele próprio fez parte e jurou, sem jurar, não repetir a excursão alentejana.
Sobre o Syriza, o dr. Costa já disse tudo e o seu oposto, de acordo com o que tomou pelo clima do momento. Qualquer hipotético avanço dos maluquinhos que fingem mandar na Grécia tinha o dr. Costa, dez minutos decorridos, a erguê-los ao estatuto de farol da Europa. Em vinte minutos, os avanços recuavam estrategicamente e a apreciação do dr. Costa também: uma ocasião, apelidou o Syriza de "tonto". Mas isso foi antes do referendo, em que o Syriza voltou a ser sublime. E o referendo foi antes do acordo, em que o glamour do Syriza regressou a níveis da peste bubónica.
Nos intervalos dos Grandes Temas, o dr. Costa desdobrou-se a opinar acerca de temas minúsculos, naquele português de causar inveja a Jorge Jesus e sempre no lado errado do discernimento: o "investimento" público (promete muito), a austeridade (é uma péssima opção), a autonomia dos autarcas (quer reforçá-la), a "lusofonia" (acha-a linda). Nos intervalos dos intervalos, passeou o currículo democrático e arranjou uma guerra interna com as "bases" do PS, que consultaram as sondagens e desataram a questionar a infalibilidade do chefe. As cambalhotas em volta dos (inacreditáveis) candidatos presidenciais não ajudaram. Nem os abraços aos socialistas franceses que, afinal, conspiram para varrer Portugal do euro. Nem nada.
Resta apurar se a tendência para a calamidade é involuntária ou propositada. A verdade é que o dr. Costa conseguiu, em pouco tempo, renovar as esperanças eleitorais da coligação no poder. Um tiro no pé do Governo é invariavelmente seguido por uma explosão auto-infligida no porta-aviões do PS. Se o PS perder as eleições, o mérito será inteirinho do dr. Costa. Se ganhar, é Portugal que não merece melhor. E pior parece impossível.


E concluo com o artigo de Vasco Pulido Valente, saído hoje no Público, para ajudar à hipotética arrumação da casa – hipótese que, aliás, a tese não confirma, na caldeirada da nossa sujidade:

Campanhas
Público, 02/10/2015
Corre por aí que a sra. dra. Isabel do Carmo, na sua florida infância, explodia gatos. Não acredito. Não é verdade, porque se fosse verdade ela não seria hoje candidata do Partido Livre, nem a grande inspiração do nosso maior pensador e homem de Estado, Rui Tavares.
Como também não acredito que uma senhora tão culta e estonteante como Joana Amaral Dias tenha querido realmente provar que estava grávida ou sentisse a necessidade de esclarecer o país sobre a eficiência com que havia cometido tal proeza. Verdade que esta campanha eleitoral não foi até agora um modelo de inteligência e gosto. De qualquer maneira, nunca os portugueses consentiriam que se transformasse num objecto de que a Pátria e a sua gloriosa história se pudessem um dia envergonhar.
Claro que o dr. António Costa, num esguicho de radicalismo e de amor do povo, resolveu ameaçar o estimável público que, se a direita ganhasse, não aprovaria o orçamento de 2015 ou sequer o programa de governo de Passos Coelho. Só que a nossa tradicional benevolência e tranquilidade não se altera por tão pouca coisa. Já houve revolucionários de prestígio, como o chefe do PSOE Largo Caballero, que usaram essa benemérita táctica para ganhar ou desqualificar eleições. Admito até que Largo conduziu a sociedade espanhola a uma guerra civil nada agradável. Mas para destruir o Estado e a democracia há certos sacrifícios que se devem aceitar a bem das classes, digamos, desprotegidas. Se o dr. António Costa as quer verdadeiramente redimir não deve ter uma hesitação em as liquidar primeiro.
Entretanto, como toda a gente, lá vai comendo porco e fazendo “arruadas”. Não é fácil definir “arruada”. À primeira vista, elas parecem tentativas para atrair à força a atenção do povo. O chefe do partido chega, com a sua corte, a sua “segurança” e uma camioneta ou duas de militantes, a uma rua suficientemente frequentada e começa a falar a desconhecidos que estão ali a tratar da sua vida. Aparecem uns maluquinhos que abraçam ardorosamente o chefe do partido, porque gostam de abraçar celebridades e abraçariam Ronaldo com igual ardor. Não se retira nada desta lusitana (?) espécie de exercício: nem uma ideia, nem um voto, nem um tostão. Alguns zelosos patetas pensam que uma “boa arruada” demonstra “força”. Erro deles. Mas quem somos nós para pedir melhor? A farsa da política portuguesa não parava com certeza à porta da campanha.

 

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