quinta-feira, 29 de outubro de 2015

A anedota da nossa impotência



Um artigo de João Miguel Tavares:

António Costa anda a aldrabar-nos
Na sua caminhada para primeiro-ministro, António Costa começou por pedir uma maioria absoluta. Como a maioria absoluta estava difícil, chegava maioria relativa. Como a maioria relativa estava difícil, chegava ao PS ter mais deputados do que o PSD. Como o PS não teve mais deputados do que o PSD, chegava um acordo de legislatura com o Bloco e com o PCP. Como o Bloco e o PCP não falam um com o outro, chega um acordo de legislatura com o Bloco e um outro com o PCP. Como o PCP não quer acordos de legislatura, é possível que chegue um acordo de investidura. E se o PCP nem um acordo de investidura quiser, António Costa há-de contentar-se com um acordo verbal e um bacalhau.
A seriedade deste procedimento é nula. Quase toda a gente achou que Cavaco foi excessivo na sua intervenção, mas parece-me que quase toda a gente desvalorizou a passagem mais importante do seu discurso. O Presidente falou de forma muito directa de uma “alternativa claramente inconsistente sugerida por outras forças políticas”, acrescentando de seguida: “É significativo que não tenham sido apresentadas, por essas forças políticas, garantias de uma solução alternativa estável, duradoura e credível.”
Convém olhar bem para os adjectivos usados por Cavaco e compará-los com aqueles que polvilhavam a frase mais importante proferida por António Costa após o encontro entre ambos no dia 12 de Outubro. Disse então o líder do PS: “Tive ocasião de informar o Presidente da República sobre a criação de condições para podermos ter em Portugal um governo que seja estável, credível e consistente para os próximos quatro anos.”
Por muito limitado que seja o vocabulário de Cav, não terá sido por milagre que os adjectivos que ele escolheu na sua comunicação encaixam na perfeição nos adjectivos que António Costa utilizou à saída de Belém. Costa falou em governo estável, Cavaco disse que não havia solução estável. Costa falou em governo credível, Cavaco disse que não havia solução credível. Costa falou em governo consistente, Cavaco disse que a alternativa era “claramente inconsistente”. Costa falou em governo “para os próximos quatro anos”, Cavaco disse que não havia uma solução “duradoura”.
É fácil adivinhar o que se passou: ao verificar a espantosa discrepância entre aquilo que ouviu da boca de António Costa e aquilo que António Costa resolveu comunicar ao país à saída do encontro entre ambos, Cavaco sentiu-se aldrabado. Pouco dotado de sentido de humor, não achou nenhuma piada aos malabarismos retóricos de Costa e optou por lançar um agressivo aviso ao país, a ver se conseguia acordar algumas consciências. Que o efeito da sua comunicação tenha sido unir o PS, como alguns socialistas se apressaram a celebrar, diz menos sobre a falta de jeito do Presidente da República do que sobre o estado miserável em que se encontra o PS.
Vale a pena recordar que o último socialista com o qual Cavaco Silva teve de coabitar chamava-se José Sócrates, e o resultado de tão bonito convívio foi aquele que conhecemos. Como é óbvio, o Presidente não pode assistir impávido àquilo que considera ser uma golpada parlamentar, só possível porque os seus poderes se encontram diminuídos, e a falta de lealdade de um candidato a primeiro-ministro que ainda nem sequer tomou posse. Cavaco só falhou numa coisa: sugeriu que o problema estava no PCP e no Bloco. Ora, o problema está, evidentemente, no PS.

E aqui andamos, nesta dobadoira de opiniões desencontradas e de revoltas inúteis contra a prepotência sinistra das forças de imoralidade arrogante que esconde  reais motivos de ambição governativa na defesa de da sua causa de fraude e farsa.
Só mesmo uma anedota para um  riso – por amarelo que seja – que momentaneamente dê cor ao apagão que submete um país inteiro, na cobardia, no sono ou na indiferença. Mandou-ma o meu filho Ricardo, por email. Já é antigo o processo de substituir a acção pelo far niente do relaxamento e da inércia:
Lucidez de Diplomatahttps://ssl.gstatic.com/ui/v1/icons/mail/profile_mask2.png
Um jovem diplomata português, em diálogo com um colega mais velho:
- Francamente, senhor embaixador, devo confessar que não percebo o que correu mal na nossa história. Como é possível que nós, um povo que descende de    gerações de portugueses: que criaram o Brasil, que "deram novos mundos ao mundo", que viajaram pela África e pela Índia,- que foram até ao Japão e a lugares bem mais longínquos,- que deixaram uma língua e traços de cultura que ainda hoje sobrevivem e são lembrados com admiração, como é possível que hoje sejamos o mais pobre país da Europa ocidental?
O embaixador sorriu e disse:
- Meu caro, você está muito enganado. Nós não descendemos dessa gente aventureira, que teve a audácia e a coragem de partir pelo mundo, nas caravelas, que fez uma obra notável, de rasgo e ambição.
- Não descendemos? - reagiu, perplexo, o jovem diplomata - Então de quem descendemos nós?
Responde o lúcido embaixador:
- Nós descendemos dos que cá ficaram...

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