segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Nosso naufrágio



Quando penso naqueles que se metem de moto próprio numa aventura de destino desconhecido, largando pátrias e lares em busca de uma vida diferente, muitos por medo, muitos por ambição, quantos por desejo de arrasar, infiltrando-se, os alicerces de uma cultura e  uma religião que não é a deles, para impor, pela força, a do seu radicalismo islamita, lembro aqueles tempos em que também nós, os da distância marítima, fomos forçados a fazê-lo, alguns tudo largando, outros conseguindo trazer os restos dos haveres que julgavam necessários para o seu recomeço num destino incerto. Mas tínhamos aviões ou barcos que nos largaram no solo pátrio, e por vezes o braço familiar tão necessário para o recomeço, a própria pátria nos acolhendo, dentro das responsabilidades que entendera ter para com os que também lhe pertenciam por direito, apesar da má vontade de muitos dos que aqui estavam de raiz. Vejo-os a esses outros, caminhando rápidos, despojados de tudo, com as crianças pequenas ou maiores, sorrindo, apesar de tudo, apesar das lágrimas de muitos, de uma coragem e ousadia que admiro, por ser tão incerto o seu futuro, tão sem condições o seu presente, sujeitos, para mais, a uma aventura marítima quantas vezes trágica, como fora a nossa na ida, por mares desconhecidos, na ambição da riqueza e na fé de espalhar o cristianismo pelo mundo.
E a seguir leio textos do nosso medo – os de Vasco Pulido Valente e de Alberto Gonçalves – retomando os dados das nossas lutas intestinas, na caricatura da nossa governança e dos que pretendem arrasar, sob falsos argumentos de compor, o que foi feito, em princípio para fazer melhor, sem pejo de si próprios, sabendo quão necessária seria uma coesão autêntica entre as forças partidárias, para vencer esta crise a que se chegaria forçosamente, tanto foi o esbulho e a má reconstrução num esbanjamento de toleima dos empréstimos consentidos pelos “maus da fita”, na designação irónica de Salles da Fonseca referindo-se aos emprestadores do dinheiro, com a sua filosofia kantiana da “ética de dever fundamentada na racionalidade humana” distinta do “hedonismo que, sem esforço, tudo quer já”, sendo que “o trabalho é uma obrigação para qualquer alemão; o trabalho é um direito para quase todas as nações. Os alemães produzem; os outros consomem»
Pulido Valente mostra-se bem preocupado com a atitude de Costa recusando-se a “alinhar” com Passos Coelho na questão da viabilização do orçamento do Estado. Alberto Gonçalves põe um pouco água na fervura, achando que quando Costa for governo, Costa viabilizará o OE. Mas são muitas as sentenças, muito o pretensiosismo, muita a tropelia, muito o arreganho, muito o ódio, afinal. Por cá.

Pobres de nós
O dr. António Costa sabe que se perder em 4 de Outubro acabou politicamente. Depois de ter assaltado o PS e corrido à má cara com Seguro para ganhar à coligação, se não ganhar todo o azedume que contra ele se criou no partido virá ao de cima e ele não se conseguirá aguentar uma hora como secretário-geral.
A gente com que ele correu não esquecerá nem a brutalidade e a arrogância do método, nem que ele foi eleito pelo voto dos “simpatizantes” socialistas (um categoria indefinível) e não pelos “militantes” (uma categoria, pelos menos, tradicional). Além disso, há Sócrates que, com razão ou sem ela, se sentiu “posto ao lado” (José Lello) e traído e que só espera uma boa oportunidade para o liquidar.
A política não é um jogo pacífico e António Costa, que o sabe muito bem, não se ilude com certeza sobre os perigos da sua situação. Uma única coisa o pode salvar: conseguir a maioria absoluta para o PS. Mas presumivelmente, e apesar da propaganda que se fez sobre o debate com Passos Coelho, não parece que chegue lá. Não admira que perante o que, para ele, é a ingratidão e a cegueira dos portugueses, Costa ameace agora arrastar o país consigo. Sem surpresa nenhuma para mim, que estava à espera de um golpe destes, o admirável candidato do PS anunciou anteontem solenemente no Seixal que não tencionava “viabilizar” (ou sequer negociar) o orçamento de Estado da coligação. Ele não ignora as consequências desastrosas para os portugueses desse acto suicida. Pelo contrário. De qualquer maneira, prefere um desastre com ele do que um desastre sem ele. Suceda o que suceder.
A Constituição não permite ao Presidente Cavaco dissolver a Assembleia até ao fim do seu mandato; ou que a Assembleia seja dissolvida nos primeiros seis meses do dela. O que significa que Portugal será obrigado a viver sem orçamento (e por duodécimos) no mínimo até Junho-Julho do ano que vem. O que lançaria as finanças públicas num caos, sem falar nas reformas de qualquer tipo, que teriam de ser metidas numa gaveta durante oito meses. Pior ainda, os mercados que hoje nos sustentam a juros razoáveis não tornariam tão cedo a emprestar um tostão à irresponsabilidade indígena.
Desde a I República que não aparecia um cacique da envergadura do dr. Costa na cena política portuguesa, pronto a meter o país no fundo por vaidade pessoal ou conveniências partidárias. Apareceu anteontem. Pobres de nós.

Um dia teremos saudade da troika
por ALBERTO GONÇALVES
DN, 20/9/15
Com a pompa digna de um Watergate, o Público divulgou uma carta de Passos Coelho a Sócrates em 2011 e explicou que o então líder do PSD "exigiu" ao então primeiro-ministro "que pedisse apoio externo para resolver os problemas financeiros do país". A pompa é exagerada. A divulgação é redundante (a carta era conhecida). A explicação é desastradamente falsa.
Na carta em questão, não há - nem poderia haver - qualquer exigência: há a verificação de que o país estava na iminência da bancarrota, de que era fundamental impedir a dita e de que, "se essa [viesse] a ser a decisão do governo", o PSD não deixaria de "apoiar o recurso aos mecanismos financeiros externos". Embora, dado o "enquadramento", o jornal quisesse provar o contrário, Passos Coelho sai do episódio como o sujeito responsável que, ao invés de Sócrates, observou os interesses nacionais à frente dos privados. A propaganda assumida ou "amiga" de António Costa soma desastres.
Nenhum desastre, porém, se compara ao que sucederia a Portugal na ausência da troika. Numa campanha em que tipicamente não se discute quase nada, discute-se muito a autoria do convite à troika. Andará tudo doido? É uma possibilidade. Por esta altura, até uma criança deveria saber que a troika veio a pedido formal do PS, para alívio dos quatro quintos da população que não anseiam pelo caos e para desgosto de Sócrates, que, a exemplo de dúzias de estadistas notáveis pelas piores razões, preferia espatifar a pátria do que cair antes dela. Graças à insubordinação de Teixeira dos Santos, ainda bem que a troika veio. Ainda bem que Passos Coelho compreendeu a necessidade dessa vinda. Ainda mal que a coligação aproveitou tosca e parcialmente a oportunidade.
A única acusação mais bizarra do que culpar o PSD pelo advento da troika é acusá-lo de, no poder, ter excedido as respectivas exigências. Ou, no jargão das cabecinhas ocas, de ter "ido além da troika", a outra obsessão infantil da semana. É claro que, por opção própria ou ordem da Sagrada Constituição, o governo ficou aquém da troika, cujas condições sugeriam implicitamente as reformas que não se fizeram ou fizeram pela rama. Com a ajuda do fisco, lá se cumpriram os arranjos genéricos e, sob o verniz, manteve-se quase tudo na mesma. De vez em quando, aterravam por aí uns estrangeiros a constatar o progresso escapatório das "medidas". No prazo previsto, foram à vida deles, convictos de que as nossas não têm salvação.
A questão, insisto, não é condenar quem chamou ou apoiou a chegada da troika, mas quem a deixou partir. Sozinhos, ou soberanos de mão estendida, não vamos longe. E, com o PS mortinho por anular o pouco que a troika remendou, nem iremos perto.
Quinta-feira, 17 de Setembro
Festa rija
A Festa do "Avante!" é uma amostra pequena mas representativa do que seria o país caso os comunistas mandassem: solidariedade, convívio, participação, música, copos, petiscos, respeito, humanismo, delegações de grupos exóticos e terroristas, testemunhos de homossexuais insultados e espancados, comunicados a negar os espancamentos e a aludir a sexo oral, saudações fraternas de "camarada" e "paneleiro", em cada esquina um amigo ou um jagunço pronto a calar dissidências ao pontapé. De botas cardadas, como na outra cantiga. Um dia tenho de imitar o Prof. Marcelo, abdicar dos meus preconceitos e provar tamanha alegria.
Sábado, 19 de Setembro
O verdadeiro estratega da coligação
Em dois ou três dias, António Costa conseguiu: a) mostrar que não faz a mais pequena ideia sobre as "contas feitas" de que orgulhosamente se vangloria por aí; b) queixar-se à mamã de que a "direita" é feia e obrigar a pobre senhora a discursar não sei onde; c) provar que só a irascibilidade e a educação débil o separam de Jerónimo de Sousa; d) trazer para a campanha questões relevantíssimas como as taxas da IVG, ou "aborto" em português de gente; e) lançar suspeitas para cima do percurso profissional de Passos Coelho, o qual passou a carreira em partidos e empregos oferecidos por amigos, ao invés de muitas pessoas que não se chamem António Costa; f) garantir que, no que depender dele, o Orçamento de 2016 já está chumbado, o que é o mesmo que interromper a gravidez ainda antes da fecundação - e com taxas altíssimas.
Acerca do último ponto, porém, é exagerado criticar o homem pela eventual ingovernabilidade da pátria. Como acontece em relação a tudo o que diz num dia, no dia seguinte o Dr. Costa aparece a explicar melhor: obviamente, limitou-se a garantir que chumbará qualquer OE da autoria da coligação. Nada disso implica que, se o PS vencer as eleições, o Dr. Costa não esteja disponível para viabilizar um OE socialista. Sempre é um descanso, e um balde de água gelada nos que pensavam que o Dr. Costa faria implacável oposição até a um governo liderado pela sua insigne figura.
Não é uma hipótese absurda. Até aqui, ninguém se esforçou tanto quanto o Dr. Costa para derrotar o PS. Em dez meses, demoliu com bravura o avanço do partido nas sondagens. Em vésperas de campanha, começou a afocinhá-lo nas ditas. Espera-se que a campanha sirva para desgraçar o PS de vez. Caso contrário, o Dr. Costa terá o país inteiro sujeito ao seu prodigioso talento - e aí a desgraça será nossa.

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