sexta-feira, 1 de maio de 2015

Folhetim pátrio



«Mau vento» é como Vasco Pulido Valente intitula o seu artigo do “Público”, de 26/4/15, que resume bem as nossas vidas saracoteantes, imagem do nosso “estar”, do nosso “ser”, do nosso “parecer”, do nosso “continuar”, que convergiu, por ora, no caso Tap, de gentinha com muito poder, espicaçada pelo sindicalismo da desordem, da arruaça costumeira, ou antes da superioridade do bem-estar, que provoca nela o narcisismo tosco, para o bota-abaixo do governo, e indiferente aos males que irá  causar nos colegas implorantes em particular e no país em geral, talvez mesmo com inclusão da própria gentinha, cujo “orgulho e preconceito” - com honesta imploração a Jane Austen de que me desculpe, como criadora de uma sociedade que nada tem a ver com esta descrita por Pulido Valente – cujo orgulho e preconceito, repito, a faz marrar na greve, sem recuo nem autocondenação.
Vento mau que convergiu no caso Tap, tendo começado – neste artigo de Pulido Valente – pelo Otelo Saraiva de Carvalho, atacado com aversão pelo articulista, que, todavia, afirma, não sei se com fundamentação de historiador, que « maioria dos portugueses sempre gostou de Otelo», sentindo-me eu picada por ter sido (e continuar) da minoria quando, nos idos de 74 escrevi, ainda não como retornada, um breve texto que se iniciava assim: «O cérebro do 25 de Abril: Chama-se Otelo Saraiva de Carvalho, é brigadeiro depois de ter sido cérebro, e mostra-se optimista depois de se ter descartado das colónias e a nós com elas.”(in «Cravos Roxos»)., mas julgo que outros haverá como eu que não lhe suportavam a verborreia insípida e acéfala (mau grado a criação cerebral citada), dos seus arrotos verbais. Outros se lhe seguiram, igualmente de arrotos, e entre eles o tal Vasco Lourenço que «Diz, por exemplo, que os militares têm hoje tanta legitimidade para se liquidar a República como tinham em 1974.», Pulido Valente mostrando-se, todavia, pesaroso pelo insucesso do convite: - «Infelizmente, este estranho apelo à rebelião armada não comoveu ninguém.» - o que de certo modo nos deixa perplexos pela antinomia entre a expressão do pesar subentendido no advérbio e a caracterização crítica que o adjectivo traduz, o que mostra à evidência o grau de saturação de Pulido Valente pela gentinha em geral, que merece baioneta, arma antiquada embora, mas a condizer com o nosso atraso e mais eficiente presentemente do que a espingarda, que definitivamente renasce, invisível, em cravos rubros, em cada ano que passa, pelo menos até o vento de loucura que “sopra por aí”, o permitir. E Vasco Pulido Valente conclui o seu raciocínio, desta vez mais virado para o ataque ao governo: «A “Associação 25 de Abril” continua pacificamente a promover as suas causas com o beneplácito do governo e o concurso de uma esquerda sem melhor abrigo.»
Pergunto-me, contudo, o que queria Pulido Valente que o governo fizesse contra os cravos vicejantes da tal associação, se os quisesse eliminar. Sem dúvida que cairia o que resta do Carmo e ainda mais a Trindade e o próprio Pulido Valente se insurgiria contra o governo, mais do que costuma, pela medida antidemocrática, profundamente reprovável, que representaria a exclusão do beneplácito republicano.
Segue-se a tal infantilidade dos partidos do centro-direita. propondo a sua manipulação da televisão durante a campanha, medida que Pulido Valente considera como resultante de transtorno mental”. Para mim, o que os tais partidos pretendiam era boicotar os festins e as despesas que se vão seguir, e já começaram, de gente berrando ou rindo ou mastigando, ou beijando-se carinhosamente. No fundo, julgo que pretendiam fazer a coisa mais discretamente, sem tanto estardalhaço terceiro-mundista.
Compreendo a tristeza de Vasco Pulido Valente, mas julgo que o mal é todo de uma nação que, alardeando a universalidade da sua língua, começa por ser o primeiro a ultrajá-la, como resume Vasco Graça Moura, em poema publicado hoje, no “A Bem da Nação”:

 LAMENTO
É o teu país que te destroça
O teu próprio país quer-te esquecer
E a sua condição te contamina
E no seu dia a dia te assassina
E desde ti nos deitas a perder
E fazes com que fuja o teu poder
Enquanto o mundo vai de nós fugindo:
Ruiu a casa que é do nosso ser
E este anda por isso desavindo
Connosco, no sentir e no entender.

Mau vento
O sr. coronel Vasco Lourenço não é o velho e venerando histrião Otelo Saraiva de Carvalho, que de quando em quando larga uma barbaridade para impressionar os vizinhos.
Em primeiro lugar, a maioria dos portugueses sempre gostou de Otelo e nunca gostou especialmente de Lourenço. Em segundo lugar, Otelo está retirado e Lourenço é um político no activo, com tabuleta e porta para a rua, e não pode dizer o que lhe passa pela cabeça. Mas diz. Diz, por exemplo, que os militares têm hoje tanta legitimidade para se liquidar a República como tinham em 1974. Infelizmente, este estranho apelo à rebelião armada não comoveu ninguém. A “Associação 25 de Abril” continua pacificamente a promover as suas causas com o beneplácito do governo e o concurso de uma esquerda sem melhor abrigo.
A megalomania de Lourenço não impressionaria muito se fosse um caso isolado. Mas também o CDS, o PSD e o PS deram esta semana provas de um transtorno mental, que não anuncia nada de bom. Não se sabe como, nem porquê, entrou em certas cabeças destas distintas entidades a ideia de censurarem (e dirigirem) a televisão e a imprensa durante a campanha eleitoral para as legislativas. Perante o berreiro, os responsáveis juraram logo que se tratava de uma brincadeira. Seja como for, resta que três criaturas sem coisíssima nenhuma que as recomende acharam sensato e permissível suspender a seu benefício uma liberdade fundamental. Pior ainda, o dr. Passos Coelho e o dr. António Costa alegaram uma angélica ignorância sobre o que se passava nos seus próprios grupos parlamentares e lavaram as mãos do episódio, sem uma palavra de aviso aos prevaricadores.
São azares da vida, não é? Como a extraordinária greve dos pilotos da TAP, que os vai deixar na rua de triciclo. Claro que a TAP acorda o que há de pior nos portugueses. Basta substituir a expressão corrente “companhia estratégica” por “companhia colonial” para se perceber o histerismo que a história invariavelmente provoca. Os portugueses, coitados, quanto mais pobres ficam, mais se querem dar ares de grandes senhores. A TAP e a lusofonia são as muletas tradicionais da miséria interna: a lusofonia, de facto, não existe e a TAP está falida. Não importa: a nossa putativa importância no mundo continua a ser um bom pretexto para o sentimentalismo de cançoneta e algumas palhaçadas na praça pública. O contribuinte, esse, que se lixe.
Sopra por aí um vento de loucura.

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