terça-feira, 7 de abril de 2015

Sensibilidade e sanha, e viva a dicotomia democrática




«Mas que Observatório é este?», um texto de João Miguel Tavares, saído no Público de 2/4/15. É sobre a manipulação dos dados estatísticos, desta vez sobre o desemprego nacional, que ultrapassou fronteiras, segundo informação colhida no “El Mundo”, por via do escândalo do “décalage” entre os números apresentados pelos do Governo e os do Observatório sobre Crises e Alternativas da Universidade de Coimbra, bem mais assustadores os últimos, naturalmente.
Assim, João Miguel Tavares indigna-se como Carvalho da Silva sabotou os dados da sua sondagem sobre o desemprego manipulando informações ao sabor dos seus interesses partidários, criando categorias de desemprego que não lembrariam ao diabo.
Um texto de João Miguel Tavares, de natural indignação e preocupação sobre a forma como se cria “ciência” no país, destituída de rigor, para favorecer especulações demagógicas.
Foi Jane Austen que escreveu romance imortal sobre uma tal sociedade aristocrática inglesa tolamente racista no seu preconceito exagerado de escalões hierárquicos, vencidos, contudo, pelo poder do amor, quando este se impõe por idêntica altivez e consciência igualitária. “Orgulho e Preconceito” se chamou essa obra de título dicotómico, de descritivo social rico e que o cinema transpôs ao écran em série de extrema graciosidade e encanto musical e paisagístico, com riqueza de costumes e variedade de figuras e conflitos sociais.
“Sensibilidade e Sanha” é o título que adapto a este texto de João Miguel Tavares, dicotomia aplicável ao grupo de extremistas que, neste país, pretendem fazer chegar a sua mensagem piedosa, de sensibilidade pelos oprimidos – cuja existência, todavia, favorecem, no seu contributo destruidor do equilíbrio da nação, pela constante demonstração colérica contra os que se aplicam na reconstrução desta.

«Mas que Observatório é este?»
«Notícia do El Mundo de 27 de Março: “No princípio deste mês, o Eurostat revelava que Portugal era o terceiro país onde mais se havia reduzido a taxa de desemprego, até 13,3% em Janeiro passado. No entanto, um estudo divulgado hoje pelo Observatório sobre Crises e Alternativas da Universidade de Coimbra revela que estes números oficiais podem estar muito abaixo dos números reais. Segundo esse estudo, a taxa real de desemprego em Portugal estaria nos 29%.” A notícia tinha como título: Estará Portugal a maquilhar os seus dados do desemprego?
Eu não tenho dúvidas de que os números do desemprego em Portugal sejam altíssimos — aliás, segundo o mesmo Eurostat, o desemprego subiu para 14,1% em Fevereiro. Também sei que muitos postos de trabalho estão a ser criados artificialmente desde 2013 através do esquema de estágios anuais subsidiados pelo IEFP. Mas, ainda assim, 29% de desemprego real? Vinte-e-nove-por-cento?!? Só para termos uma noção, estima-se que a taxa de desemprego nos Estados Unidos em 1933, pleno pico da Grande Depressão, tenha batido nos 25%. Teremos nós um nível de desemprego real quatro pontos percentuais acima da maior depressão do século XX? Foi para tentar perceber como ocorreu este milagre da multiplicação dos números do desemprego que eu decidi ir observar o Observatório sobre Crises.
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E aquilo que observei, num boletim intitulado Barómetro das Crises n.º13, seria coisa para ficar excelentemente no portal da CGTP, mas que é uma vergonha constar de um site que invoca a caução científica da Universidade de Coimbra. Carvalho da Silva saiu da liderança da CGTP para a investigação no Centro de Estudos Sociais do professor Boaventura Sousa Santos, mas os métodos de trabalho mantiveram-se inalterados. Para chegar aos 29%, o Observatório que ele lidera soma aos desempregados propriamente ditos um conjunto de categorias criativas de quem nem Karl Marx se lembraria: os “desempregados ocupados” (que são, na verdade, empregados subsidiados), os “inactivos desencorajados” (que incluem aqueles que por opção de vida não querem trabalhar, como Kiki Espírito Santo), os “activos migrantes” (mais conhecidos por emigrantes) e o “subemprego” (trabalhadores a tempo parcial que gostariam de trabalhar mais horas). É somando isto tudo que o Observatório sobre Crises e Alternativas chega à conclusão de que o desemprego real em Portugal é de 29,1%.
Bravo! Mas, ainda assim, e se era para dar largas à imaginação, acho que poderiam ter ido um pouco mais longe. Bastava juntar o número de empregados que não estão satisfeitos com o seu trabalho (“activos infelizes”), os que estando insatisfeitos ainda não o conseguiram admitir para si próprios (“activos que não saíram do armário”), os que gostariam de passar mais tempo em casa, se tivessem essa possibilidade (“inactivos potenciais”), os que acham que recebem mal em relação ao que trabalham (“activos descontentes”), ou os que sonham em ganhar o Euromilhões (“activos sonhadores”), e penso que Carvalho da Silva, Boaventura e a malta do CES conseguiriam com facilidade conduzir a taxa de desemprego até perto dos 100%.
Devo garantir que eu adoro diversidade e gente que discorda de mim. Mas assegurem-me, por amor de Deus, que não é este o género de “ciência” que se anda a praticar nas universidades portuguesas. E, de caminho, jurem-me que nem um cêntimo dos meus impostos está a servir para pagar o Observatório sobre Crises e os fetiches ideológicos do senhor Boaventura.»
João Miguel Tavares, jornalista

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