sábado, 25 de abril de 2015

As medidas para as nossas chagas



Não tem muita simpatia pela juventude portuguesa, Vasco Pulido Valente, como, de resto, pelos portugueses, os indígenas da sua designação rancorosa, o qual desejaria para o seu país mais qualidade mental, o que é, aliás, a ambição de tantos, derrotados na verdade dos números ínfimos de alfabetização, dos tempos da monarquia, gradualmente progredindo segundo as políticas republicanas, mas que não nos farão nunca apanhar a carruagem dos outros povos europeus, mais previdentes e estruturados de longa data, nos parâmetros da dignificação humana. Portugal, um país bom, de bom sol, de boa gente, segundo se diz e a gente o sente, na ternura linguística do nosso atraso de “inhos” e “inhas” que simultaneamente nos agasta e nos agrada, nós próprios também abusando, e que Fernando Mendes evidenciou no carinho pela sua Lenkazinha de beleza esplendorosa, que nem esta repele.
 Em conversa com a minha filha, soube das suas lutas últimas, com alunos desordeiros que ela bem descreve nas suas participações à directora, lutando por uma sociedade mais digna, considerando estar a Escola reduzida ao nada de uma indisciplina inominável. Pobre da minha Paula, pobres de todos esses professores sem um mínimo de condições sérias, num país que inutilmente se esforçam por elevar, há muito votado ao rebaixamento da indignidade legalizada em termos disciplinares e consequentemente culturais.
Vasco Pulido Valente tem razão. Para quê essa medida discriminatória de proibição da venda de bebidas alcoólicas a menores, quando se não tem possibilidade de averiguar da sua eficácia, nos vários condicionalismos que igualmente permitem que a droga se propague numa sociedade em que, “por várias razões, as famílias não educam os filhos”?
Leiamos o seu artigo, no qual, aceitando embora a necessidade de imposições como a da proibição de compra de bebidas alcoólicas a menores, permitem, contudo, as estruturas sociais, o partidarismo de uma mocidade  mais ou menos desordeira, que pouco mais apresenta que a expressão sonorosa da sua reivindicação sem consciência efectiva daquilo que reivindica, na ausência de leitura e preparação reais. A mocidade que, continuando atrelada a amizades como meio de evolução pessoal para as suas ambições, poderá vir a dirigir a coisa pública, como se tem visto, em cursos arrebanhados na pressa da ambição amparada.
O Sangue dos Outros”, um livro de Simone de Beauvoir, me vem à memória, não pela menoridade etária das personagens participantes, mas pelo contraste com a sua juventude participativa consciente, personagens que, provenientes de uma burguesia bem instalada, por ódio às injustiças sociais apoiadas em tenebrosos fascismos, escolhem – com hesitações no seu caminho – (os egoísmos existencialistas como rocha impeditiva da participação imediata) – a luta por ideais de fraternidade e de defesa dos direitos humanos que terão a morte como resultado. (Nada que não estejamos saturados de ouvir, aliás, do ideário comunista, direccionado exclusivamente, hoje, sobre as medidas governamentais que não implicam retaliações à maneira nazi e por isso propícias ao ruído, que na época das Resistências se fazia pela calada). Mas os livros de Simone de Beauvoir e dos seus companheiros da época são impregnados de saber filosófico, pertencem a mentalidades estudiosas que envolvem os seus enredos nos artifícios da sua preparação intelectual. Não têm a ver com a nossa juventude – a da mândria, do desrespeito, da reivindicação em gritos de balbúrdia – os mais espertos e sérios definindo-se por outras filosofias – as do capitalismo - que, afinal, talvez não sejam nem melhores nem piores que as dos tempos dos facínoras que espalharam a guerra e a morte no mundo.

A educação da juventude
Público, 17/4/15
O Estado, na sua qualidade de educador, resolveu agora proibir a venda de bebidas alcoólicas (de qualquer espécie) a menores. Já era proibido vender tabaco a crianças. Para não falar de drogas que são universalmente ilegais.
Claro que a eficácia desta medida é discutível: em casa não se pode verificar quem bebe o quê e quanto. Fora que há sempre o mercado negro ou um amigo ou irmão maior que abastece os mais miúdos. Mas não deixa de ser verdade que o mais pequeno obstáculo diminui o consumo e que, neste caso, o fim é meritório. A dependência do álcool não se adquire depressa (“too much, too often, too long”) e atrasar ou dificultar o processo contribui para uma população mais saudável e segura. Uma vez que por várias razões as famílias não educam os filhos, medidas como estas acabam por se justificar.
Em compensação, proibir o fumo em locais públicos fechados — como, por exemplo, restaurantes, cafés, bares, discotecas, casas de jogo e sítios semelhantes — frequentados geralmente por adultos não passa de uma restrição à liberdade individual, sem desculpa ou atenuante. O fumo, como nos lembram em toda a parte, a todo o tempo, é uma actividade perigosa. De acordo. Só que daí não se segue que um cidadão, na posse das suas faculdades, se veja impedido de correr os riscos que bem lhe apetecer, ainda por cima por um Estado que não cumpre os seus deveres mais básicos. Principalmente quando não existem riscos para terceiros, porque a maioria dos locais públicos fechados não admite hoje fumadores. A nova lei contra o fumo que por aí se anuncia não passa de um acto de uma prepotência mesquinha.
Pior ainda: no meio da sua preocupação com o bem-estar dos portugueses (que, aliás, morrem no desemprego e na miséria) e do seu amor ao viçoso crescimento da nossa querida juventude, o Estado permite a ascensão e a influência das “mocidades” partidárias. Um menor está impedido de comprar tabaco, de beber álcool, de se casar sem a autorização dos pais. Desde os 14 anos não está, em contrapartida, impedido de escolher qual o regime que melhor convém à sua doce pátria e as políticas mais capazes de a salvar e modernizar. Para essas actividades menores, nem o Governo, nem os partidos o consideram irresponsável ou inepto. Depois de beber o seu leitinho ou a sua limonada sob a vigilância da polícia e provar (com testemunhas) que nunca comprou um único cigarro, a criancinha irá daqui em diante pastorear o povo no exercício dos seus plenos direitos.

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