sábado, 7 de março de 2015

Uma pluma caricatural



Os Amigos dos pobres”, eis o artigo de opinião de Alberto Gonçalves, (D.N.22/2/15) sobre os afectos de uma esquerda radical que parece seguir no rasto magoado de Guerra Junqueiro, de António Nobre, e tantos mais, de sensibilidade depurada num romantismo ultra sensível, que ela nos faz reviver, contudo, com menos ritmo poético e mais imprecação acusatória, acompanhada dos meios de comunicação sempre dispostos a descascar as úlceras sociais para linchamento dos que as favorecem, com a austeridade imposta. Um exemplo de graça séria, (não “à séria” mas “a sério”) que deve provocar estrebuchamentos nessa esquerda zelosamente e cristãmente protectora, pelas zagunchadas maliciosas bem urdidas do articulista, que sabe quanto da nossa miséria provém de falta de coragem ou de apetência para o trabalho, numa inércia de mândria e apatia, que também encontramos descrita em Eça e congéneres.
Uma ironia feroz, a de Alberto Gonçalves que informa sobre a hipocrisia dessa esquerda favorecedora do parasitismo social, não interessada numa efectiva elevação das “classes desfavorecidas”, incitando permanentemente ao ódio e à anarquia.
É o que nos conta a propósito da confissão de Mithá Ribeiro sobre a sua ascensão pelo trabalho, merecedora de indiferença ou mesmo crítica desdenhosa, dos que apenas sabem rodar à volta do carpir acusatório, no seu imobilismo cultural.
 O segundo artigo - «Dignidade, fiscalidade, fraternidade» -  sendo de ataque às políticas do Governo na sua relação com a Troika, e aos ardis de Passos Coelho de resgate da dívida à custa dos contribuintes, revela, todavia, a descrença no socialismo populista de António Costa para resolver o caso, de resto irresolúvel, segundo o seu pessimismo sem ilusão.
Em «Os concidadãos dos outros” faz Alberto Gonçalves uma paródia aos pequenos partidos da nossa esquerda que, envergonhados com a falta de apoio do Governo português ao Syriza, decide enviar o seu apoio fraterno, de “pressão” interna e externa, perfeitamente dignos de caricatura, aos seus camaradas gregos.
Um raciocínio fortalecido pelo conhecimento livresco, pela experiência própria, pelo bom senso, por um claro sentido de humor e um humanismo isento, eis algumas características de um humorista que sobressai nas letras pátrias do século XXI:

«Os amigos dos pobres»
por Alberto Gonçalves22 fevereiro 2015
«Conheço Gabriel Mithá Ribeiro de textos na imprensa e de pelo menos um livro que o próprio me enviou há anos. Mithá Ribeiro em geral escreve, com acerto e sem a merecida repercussão, sobre o ensino. Nesta semana escreveu no Observador sobre a pobreza. Lembrou a época em que a sua família, regressada de Moçambique, foi pobre. Notou a importância do trabalho e, se bem entendi, da sorte na fuga para a classe média. Lamentou a cultura da dependência. Criticou os que fomentam essa cultura e prosperam à respectiva custa. Por outras palavras, Mithá Ribeiro disse o que disse um humorista acerca de certo fotógrafo: no ângulo certo, pobre rende um dinheirão. Naturalmente, pôs as ditas "redes sociais" a babar ódio durante um dia ou dois.
Uns, mais dados à indignação épica, acham impossível que em 2015 ainda se escrevam coisas do género. Os inclinados para a franqueza chamaram a Mithá Ribeiro "pretinho salazarista". É sem dúvida bonito confirmar que a tolerância da esquerda só persiste em condições ideais, ou seja quando ninguém ousa beliscar a sua imaculada moralidade. Se beliscada, como no remoque do sindicalista Arménio acerca do "escurinho" da troika, até o racismo é uma carta legítima.
Porém, não se presuma que os motivos da fúria são raciais. Ou que, conforme se fingiu, se prendem com a alegada pretensão de Mithá Ribeiro em restringir a discussão aos portadores de experiência na matéria. Nem por sombras. O que verdadeiramente indigna a esquerda é o seu tradicional inimigo: a ascensão social. Para quem ganha a vida através da "ajuda" aos pobres, não há pior do que um pobre que vence na primeira e dispensou a hipocrisia da segunda. Não há pior, em suma, do que um pobre que deixou de o ser - excepto o que, para cúmulo, se atreve a contar a sua história.
O marxismo, clássico ou "moderno", aprecia um mundo arrumadinho e imóvel, onde a pobreza é menos um estado do que uma condição vitalícia. Não se trata apenas de viver a pretexto dos necessitados: trata-se de garantir que estes continuam a necessitar - de abonos, protestos ou discursos "solidários". É por isso que se abomina o descaramento dos "arrivistas", dos "novos-ricos" e até dos recém--remediados ao mesmo tempo que se dedicam lengalengas demagógicas aos velhos e, conquista suprema, aos novos pobres. A miséria alheia assegura o sucesso dos que juram combatê-la mas celebram o seu crescimento, real ou desejado. O episódio do "pretinho salazarista" limitou-se a recordar uma fraude cruel: os amigos dos pobres só gostam deles assim.»

Sexta-feira, 20 de Fevereiro
«Dignidade, fiscalidade, fraternidade»
«Orgulhoso das divergências que manteve com a troika, Pedro Passos Coelho informou o Sr. Juncker que "a dignidade de Portugal e dos portugueses nunca esteve em causa durante o programa de ajustamento".
Se por "dignidade" se entende o Estado, não há aqui grande novidade. A estratégia do governo foi sempre a de satisfazer os fins dos credores sem cumprir quase nenhum dos meios acordados. Trocando em miúdos, isto significa que, em benefício do défice e à conta do zelo fiscal, os contribuintes pagaram do próprio bolso o presuntivo crime de viver acima das suas possibilidades (que de resto pagariam de qualquer maneira) e que o sector público e degenerescências se viram essencialmente poupados a essas maçadas.
Se a artimanha envaidece o Dr. Passos Coelho, é lá com ele. Cá connosco são três constatações: a de que a curto prazo o PS, mais cioso da sua popularidade, teria feito ainda pior; a de que, na falta de reformas a sério, a médio prazo os apertos de tantos serão de uma comovente inutilidade; e a de que, a longo prazo, estaremos todos mortos, para citar Keynes, afinal o mentor espiritual de cada socialista, social-democrata ou - passe a redundância - "neoliberal" que concorre a mandar em nós.»

Sábado, 21 de Fevereiro
«Os concidadãos dos outros»
«Não sei se a realidade é mais interessante do que a ficção. Sei que, em Portugal, é mais engraçada. Muito antes do dia 1 de Abril, o Público deu a conhecer a carta do partido Livre/ Tempo de Avançar/Corrente Manifesto/ Renovação Comunista aos gregos. Em teoria, a carta apoia as "posições antiausteridade" do governo de Atenas. Na prática, realiza os sonhos de qualquer guionista de comédia.
O aglomerado de partidos, movimentos e correntes, talvez representativo de 1,3% do (nosso) eleitorado, confessa-se envergonhado e revoltado pelas "notícias de que Portugal tem sido um obstáculo" e jura que "a Grécia nunca mais estará sozinha numa reunião do Eurogrupo". Por enquanto, promete fazer "pressão, dentro e fora de Portugal, para que o governo de Portugal mude de posição - ou para que Portugal mude de governo". A "pressão dentro" é divertida. A "pressão fora" é de ir às lágrimas: o aglomerado pretende, se calhar em prol da soberania nacional, convidar à invasão de forças estrangeiras? A terminar, todo um programa de esperança e galhofa: "Caros concidadãos gregos: aguentem firmes, que vêm reforços a caminho."
Não estou a inventar. Aliás, isto não sairia tão bem se fosse inventado, ou encomendado a uma criança de 8 anos. Às vezes, queixamo-nos de que por cá não se faz humor - para quê, se o humor já nasce feito?»

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