sábado, 14 de março de 2015

«Posso ajudar?»



É certo que se tratava de um programa feito exprès para ser televisionado, as pessoas entrevistadas para o sketch querendo aparentar uma postura elegante de discrição, gestos trabalhados para mostrar um estatuto diferente, nada de exuberâncias críticas anti qualquer coisa, como as que temos ouvido muitas vezes nas reportagens de rua.
Fora uma jovem trabalhadora que, achando que o trabalho no exterior era incompatível com a educação que pretendia transmitir ao filhito, além de que não compensatório remuneratoriamente, mal dando para as despesas do infantário, decidira abandoná-lo pelo filho e a casa, acompanhando o filho (creio que lhe não chamou cria, como muitas vezes ouvi às felizes mães), lendo para ele, brincando com ele e para ele, tratando da casa, limitada, pois, ao vencimento do marido. Como dantes, só que com mais cultura do que dantes. E com mais saber pedagógico.
Até achei bonito, exemplo a seguir, caso o Estado providenciasse em termos de um só vencimento, como na minha infância – a mãe tratando dos filhos e da casa, o marido provendo ao sustento da família. Agora, com as mães de família mais cultas, até com cursos superiores, mas defraudadas nas suas legítimas ambições a um emprego compatível, a educação dos filhos seria em moldes de educação esmerada, como a que Sartre recebeu junto da mãe e dos avós, e que conta em , “Les Mots”, como a que muitas mães dão aos filhos na Europa e no Japão, e noutros sítios atentos, estimulando assim os saberes dos filhos para a competitividade posterior, caso os filhos evoluam dentro dos bons princípios incutidos.
Assim, acompanhei a mãe no jardim, com o filho no baloiço do jardim, a mãe de lado, pareceu-me triste, mas provavelmente era só pose para o sketch televisivo. Comedida, a mostrar como deve ser, sem o espalhafato que costumamos fazer em torno das nossas crianças mimadas. Dentro de casa, ocupando-se dele, a televisão não mostrou tudo. Mas via-se que era uma mãe ponderada e culta, como já o nosso Verney aconselhava as mulheres a serem, nos idos do século XVIII, embora sem grande efeito por cá, as reformas educativas do Pombal mais dirigidas ao elemento viril, como se sabe.
A sociedade evoluiu, vieram as guerras e as fábricas para os canhões e outros artefactos, as mulheres foram precisas fora de casa, vieram os liceus e as escolas para os filhos se instruírem, era um ver se te avias de mulheres na fábrica e posteriormente noutros cargos mais ou menos necessários, mas em subalternidade de espórtulas, em relação às dos homens já com mais experiência de finanças.
Chegámos, todavia, a esta época de trágica situação económica, o homem novo, nascido da revolução, tendo usado a sua destreza intelectual e prática governativa na formatação ruinosa de uma pátria de débito e desemprego, como se sabe, para omitir outros dados de melindre. Por isso esta jovem mulher trocou o seu emprego escasso em remuneração, que não lhe chegava para o infantário, pela situação de dona de casa e mãe de família, que, quando bem vivida pode ser muito enriquecedora, até mesmo do ponto de vista intelectual, mas sobretudo de segura orientação dos filhos, para a construção de uma sociedade nova.
Todavia, houve uma cena em casa, que me afectou negativamente: Mãe e filho, sentados a uma mesa baixa, o filho emperrando no seu brinquedo, sem conseguir pô-lo a funcionar, e logo a mãe estendendo a mão salvadora e perguntando atenciosamente: Posso ajudar?
Foi então que percebi o porquê de uma sociedade criada na sofisticação dos gestos e das falas, segundo uma pedagogia atenta à sensibilidade e personalidade infantis, segundo o conceito de igualdade que se tornou bandeira para uma sociedade buliçosa de arrogância e desrespeito.
Ao dar ao filho, de pequenino, o poder de decisão – apenas, é certo, aparente, porque a mãe estendeu logo a mão para o brinquedo, não lhe dando o poder real de decidir se queria ou não que a mãe o ajudasse, está apenas a contribuir para a deformação dessa personalidade, criada assim na falsidade e snobismo do diálogo só aparentemente construtivo, na suposição de uma igualdade só verdadeira na família – que acaba, quantas vezes, por desistir – e dos professores a quem instâncias superiores exigem que se submetam também ao mesmo critério igualitário. A vida futura se encarregará de mostrar ao menino, já então adulto, que o respeito pela sensibilidade ou pela personalidade própria não passa de mera utopia. A menos que essa sensibilidade venha escudada nas personalidades convincentes, para o seu emprego promissor.

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