domingo, 8 de fevereiro de 2015

Último a rir?



Um artigo simples, claro, de um jovem que sabe pensar. Na realidade, foi tanta a arrogância do Syrisa, feita de promessas sorridentemente absurdas ao povo grego, libertando-o dos encargos contraídos, e anunciando uma nova era de abundância, que mais parecia o José bíblico interpretando o sonho do Faraó das vacas e das espigas gordas, anunciando os sete anos de prosperidade, embora precedidos de sete anos de vacas magras. Como suponho que os Gregos já passaram os tempos da magreza, veremos se Alexis Tsipras acertou na previsão, aliado ao poderoso faraó russo que não terá tantos escrúpulos para lhe perdoar a dívida com ele contraída, como já o fez a Europa à Grécia, e como as esquerdas dos povos devedores entendem que também devia fazer com eles, num regabofe pegado, em macarrónico preceito de “ridendo, praemiat mores debitores” .
 Eis o artigo de Alexandre Homem Cristo, publicado no “A Bem da Nação”:


TSIPRAS, UM INIMIGO DA LIBERDADE?
Muitos esperam que do Syriza nasça uma alternativa de política económica, mas aquilo que o Governo grego se propôs executar é bem diferente – a ruptura profunda com os alicerces do liberalismo europeu
A esquerda europeia andou anos à deriva. Compreende-se, portanto, a sua euforia (nomeadamente em Portugal) face à vitória do Syriza, normal em quem acredita estar perante algo que nunca teve – uma alternativa às políticas de austeridade. Mas passada uma semana da eleição do novo governo grego, vai-se tornando incompreensível a aceitação acrítica das suas primeiras decisões que noutras circunstâncias fariam soar os alarmes.
Existe, logo à partida, um problema de expectativas. Muitos esperam que do Syriza nasça uma alternativa de política económica (sobre a gestão das dívidas dos países europeus e sobre o cumprimento das metas orçamentais). Mas aquilo que o Governo grego se propôs executar esta semana é bem diferente – uma ruptura profunda com os alicerces do liberalismo europeu. Aos microfones, Tsipras apresenta-se como salvador da democracia. Mas, na verdade, fez muito mais para nos convencer de que é um inimigo da liberdade. Isto porque, em apenas sete dias, sobressaíram dois inquietantes sinais de que o seu projecto político implica a fragilização das instituições europeias.
Comecemos pelo início: a coligação. Em menos de uma hora de conversações, Tsipras chegou a acordo para a constituição do Governo com o partido dos Gregos Independentes (Anel), oriundos da direita populista. À primeira vista, estranha-se a facilidade de entendimento entre dois partidos que se posicionam em polos ideológicos opostos. Depois, percebe-se. Tal como todos os partidos populistas europeus são anti-troika e anti-austeridade, Syriza e Anel estão unidos por essa causa. E não é porque consultaram os mesmos economistas: é porque o combate à austeridade é hoje a forma mais popular de abanar os alicerces das instituições europeias. O alvo do Syriza, do Anel ou, por exemplo, do Front National francês sempre foi este: romper com os princípios fundamentais (e forçosamente liberais) da União Europeia. Por isso, nada mais irrelevante que Syrizae Anel discordem sobre o resto. Já se sabe: o que une os revolucionários é a revolução, não o que se lhe segue.
O segundo sinal desta ruptura com os princípios europeus ficou concretizado com a espontânea aproximação de Atenas a Moscovo. No dia em que tomou posse como primeiro-ministro, Tsipras reuniu com o embaixador russo. Três dias depois, a Grécia opôs-se a novas sanções europeias à Rússia em reacção ao ataque das forças pró-russas em Mariupol. No dia seguinte, o ministro das finanças russo é entrevistado pela CNBC, afirmando a disponibilidade dos russos para financiar os gregos. A sequência de eventos fala por si.
Do ponto de vista táctico, a aproximação de Tsipras a Putin é um erro evidente, do qual cedo se arrependerá – tanto porque a Europa lida mal com as chantagens de Moscovo como porque a economia russa, à beira de uma recessão grave e a olhar com terror para a queda do preço do petróleo, mal se consegue financiar a si própria, quanto mais aos outros.
Mas maior erro é analisar-se a questão do ponto de vista da táctica. É que o que separa Bruxelas e Moscovo não cabe numa folha de excel – é todo um conjunto de valores, liberdades e princípios democráticos que está em causa. Muito do que nos define como sociedades livres (liberdade de expressão, de imprensa, de associação política) é uma miragem na Rússia de Putin. E se Tsipras concretizar essa aproximação à Rússia, estará inevitavelmente a afastar-se desses valores liberais.
Nesta fase, não é certo o que será mais inquietante. Se os sinais que vêm da Grécia. Se a cegueira eufórica com que têm sido recebidos, na esperança de que a onda alastre a Espanha por via do Podemos (que este fim-de-semana fez uma manifestação de força). Por enquanto, são apenas isso, sinais. E daí a interrogação que consta do título. Mas será bom para todos (gregos, espanhóis e europeus) que não se convertam em certezas.
Não é aceitável um governo cuja identidade se afirma pela recusa dos princípios da liberdade. Nem é aceitável que tal política tenha espaço no coração da nossa Europa.
2/2/2015 
Alexandre Homem Cristo

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