sábado, 1 de novembro de 2014

Tempo de Álvaro de Campos




Ode Triunfal

«À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.

Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria fora e dentro de mim,
Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
De vos ouvir demasiadamente de perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas! ….»

A única semelhança entre o que direi de mim e o que se lê no excerto da «Ode Triunfal» é a expressão “tenho febre e escrevo”. Álvaro de Campos, em propósito iconoclástico, grita-o, no entusiasmo da admiração pelos efeitos transformadores que a revolução industrial trouxe aos diversos países, em termos de desenvolvimento fabril, fazendo-o trocar a temática da poesia tradicional inspirada na Moral e no Belo segundo o conceito aristotélico de Arte, pelos temas grossos das coisas de utilidade, não passíveis, antes, de evocação lírica, ou outras temáticas de violência e força e brutalidade e desvio, causadores, todavia, de impacto psicológico no eu que reage ao mundo, como peça desse mundo. Estava-se em pleno Modernismo, era o Futurismo a designação dessa nova arte de desconstrução, que se reflectia na própria gramática do verso branco, impregnados das onomatopeias desses ruídos perturbadores naturalmente indiferentes à ordem e ao equilíbrio versificatórios.
Mas a minha febre era real, acabava de fazer as análises e o electrocardiograma receitados na véspera pelo médico, e no café por baixo do Centro de Enfermagem, li pacificamente jornais menos agressivos - uma revista com uma longa entrevista à filha de Agustina Bessa Luís, Mónica Baldaque, feita por Anabela Mota Ribeiro, em que ficamos a saber de uma inteligência superior e ironicamente desconcertante, que nos meus tempos de Coimbra provocou grande surpresa e admiração com o seu livro, logo premiado, “A Sibila”, e mais tarde usado como leitura integral, no Secundário, possibilitando referências estruturais e semânticas de grande riqueza analítica, na originalidade dos seus mundos independentes, face aos neo-realistas da época, domesticados segundo os seus ideais marxistas, que repetiam à exaustão os universos sociais contrastantes no nosso país.

Outra revista trazida pela mão fraterna - «Fugas» - entre outros temas, e logo na capa,  um padrão com um cesto de flores, numa álea parisiense, contendo a referência a Amália:  «19e arrondissement / PROMENADE AMÁLIA RODRIGUES - 1920-1999 – Chanteuse Portugaise»  e o dístico seguinte: Há muito Portugal pelas ruas de Paris. No interior, o título da reportagem - «PORTUGAL ESTÁ NA MODA EM PARIS?», com imagens e exemplos significativos, onde não falta o monumento a Camões, na avenida com o mesmo nome, nem a estátua com o busto  de Eça em Neuilly-sur-Seine, para não falar de tantas outras referências, e mais a imagem da LIBRAIRIE PORTUGAISE & BRÉSILIENNE, de fachada azul, os livros reluzindo dentro, «fundada em 1986  por Michel Chandeigne, um biólogo que no início dessa década viveu em Lisboa , onde se apaixonou pela literatura portuguesa, de quem se tornou um tradutor e editor prestigiado».
 Mas em casa, ouvindo os habituais comentários de esquerda na assembleia, ou a «Opinião Pública” da Sic, de impropérios de falsos saberes na arrogância maldosa popularucha, ou, em reposição, o estrondo verbal da descodificação dos comportamentos de Passos Coelho por Pacheco Pereira, na Quadratura do Círculo, para além do  «Tenho febre e escrevo», outra semelhança comigo poderei apontar do dito excerto: «Escrevo rangendo os dentes, fera” (não para a beleza disto) mas para a miséria e fealdade disto. São outros os tempos, as máquinas já não entusiasmam e a perversidade actual incomoda.
Mas sendo dia de febre, prefiro lembrar, enquanto escrevo, António Lobo Xavier, como elemento honrado de reconciliação desse programa “Quadratura…”. Além de um diaporama em imagens e discursos, que o Dr. Salles me mandou, baseado em muitas imagens e frases da filha, Clara Crabbé Rocha sobre seu pai – Miguel Torga  -  Diaporama sobre  «Concepção e pesquisa de Vitália Rodrigues e Luís Agilar, em Dez. 2007”, que tem por título «Um diamante que ninguém conseguiu lapidar». E é de lá que retiro versos da sua grandeza, lidos pela manhã. Com lágrimas. De encanto e tristeza.

Ter um destino
É não caber no berço
Onde o corpo nasceu.
É transpor as fronteiras uma a uma
E morrer sem nenhuma.

Finalmente, os dados preciosos sobre a Segunda Guerra, enviados por Paula Almeida, Técnica superior, que reescrevo, também rangendo os dentes:
1939, neste dia: 
Em Roma, Mussolini remodela o seu gabinete, substituindo os membros pró-nazis por membros neutros. Seis ministérios e várias secretarias mudaram. Grandi, simpatizante da causa britânica, continua a ser o chefe do Departamento da Justiça. Estas mudanças não são vistas como passíveis de trazer mudanças na política externa /    Numa reunião do Soviete Supremo da União Soviética, Molotov critica a Grã-Bretanha e França por continuarem a guerra, mas não dá mais do que apoio moral à Alemanha. Ele alega que o pacto germano-soviético prevê que a URSS deve manter a neutralidade em caso da Alemanha estar em guerra. / Enquanto isso, começa a primeira de três reuniões entre os soviéticos e os finlandeses sobre as recentes exigências dos primeiros para a revisão da fronteira entre os dois países. Os negociadores soviéticos reivindicam o território estratégico no Istmo da Carélia, a base naval de Hangö e o porto de Petsamo, no Ártico, em troca de território soviético ao longo da fronteira oriental. Não foi alcançado qualquer acordo/  Na Polónia ocupada, a pena de morte é ordenada para todos os polacos que desobedeçam à autoridade alemã, sendo os acusados julgados nos tribunais das SS/
1940
 Na Grã Bretanha, o 114ª dia da Batalha de Inglaterra assinala o fim dos raids aéreos contínuos da Luftwaffe/  Os britânicos executam uma aterragem forçada na ilha grega de Creta/
1944
 Na Dinamarca ocupada, a sede da Gestapo, a Casa Shell em Aarhus, é destruída por um bombardeamento levado a cabo pela RAF. O objetivo do ataque é destruir o maior número de registros quanto possível, para ajudar os membros da resistência/   - Na Grécia, as forças alemãs retiraram-se de Salónica. As guarnições alemãs que permaneceram na ilha encontram-se agora encurraladas. Durante as últimas semanas, inúmeras tropas alemãs foram evacuadas das ilhas do mar Egeu por pequenas embarcações, apesar das patrulhas aliadas
-   Na Alemanha ... É efetuado um bombardeamento em plena luz do dia na área industrial do Ruhr, sendo o principal alvo a fábrica de óleo Bottrop.

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