sábado, 22 de novembro de 2014

GUERRINHAS e GUERRAS




São de muito interesse as notas de Paula Almeida, traduzidas do inglês. Achei por bem referi-las em página própria, lembrando toda uma sociedade a desfazer-se, a instabilidade e o terror a apoderar-se gradualmente dos Judeus, segundo a carta transcrita de Georg Solmssen, num ano em que eu ainda não tinha nascido. Só mais tarde, por alturas da escola primária, numa aldeia da Beira – Pinheiro de Lafões – onde vivemos durante a Guerra, o meu Pai em Moçambique – sabíamos de algo que acontecia, que fazia racionar o açúcar e o arroz, entre outros produtos, a minha Mãe dando-nos horrível caldo de cebola ou leite adoçado a rebuçados, igualmente horrível, antes de partirmos para a escola. Nada de muito duro, embora assim nos parecesse, e quando a Sr.ª Palmira, nossa vizinha excelente, começou a trocar as senhas da nossa massa pelas do seu açúcar, o céu azulou até à nossa partida para junto do meu Pai, em finais de 44.
A carta de Georg Solmssen é assustadora, sobretudo conhecendo como se concretizaram as previsões do seu autor, anos depois, em horripilantes campos de concentração criados por um espírito maligno e maníaco, de uma ambição desmedida e cruel, como se não existisse humanidade para ele. Parece que havia um cão.
Mais tarde, quando aqui trabalhei, por um piparote revolucionário, pude, a certa altura, dar-me conta do clima de hostilidade entre colegas, surgido por competitividades e emulações que as políticas educativas fomentavam, e soube o que era a intranquilidade e o medo do futuro, sobretudo entre os colegas mais jovens, ultrapassados por colegas lestos e mais aproximados dos compartimentos directivos, por engenho e apetência pessoais, que admitia servilismos e denúncias. Mas  lá fomos vivendo, não no horror do clima vivido pelos Judeus na Alemanha e outros Estados, à medida das ocupações germânicas, e hoje gritam-nos que estamos falidos, apesar do Governo denunciar progressos económicos, no que ninguém quer acreditar. Mas as pessoas sem emprego devem ver o seu futuro negro, a acrescentar ao seu presente infernal. É a nossa Guerra, uma guerra feia, que nos deslustra. Porque em vez de nos respeitarmos e interapoiarmos numa base construtiva, digladiamo-nos sem educação nem vergonha.


NOTAS DA SEGUNDA GUERRA
Por Paula Almeida
1939                                                                                  
¾     Em Bratislava, é assinado um tratado entre a Alemanha e a Eslováquia, através do qual esta pode reaver 225 quilómetros quadrados do antigo território polaco, território da Checoslováquia que a Polónia tinha progressivamente anexado em 1920, 1924 e 1938.
1940
¾     Em Sydney, o governo australiano apresenta o seu orçamento de guerra para o ano seguinte. Vinte por cento da receita nacional será destinada a despesas com a guerra e financiada por aumentos consideráveis nos impostos.
1944
--- Na Albânia, os membros da resistência albanesa ocupam Tirana e Durazzo.


Trecho da carta escrita em 1933 por Georg Solmssen, porta-voz da administração do Deutsche Bank e filho de um judeu ortodoxo. Foi dirigida ao presidente do conselho do mesmo banco. (in Nazi Germany and the Jews: The Years of Persecution, 1933-1939, vol. 1, 1997, de Saul Friedländer):

Receio que estejamos apenas no início de um processo que visa, de forma deliberada e de acordo com um plano bem preparado, o aniquilamento económico e moral de todos os membros da raça judia que vivem na Alemanha, sem quaisquer distinções. A passividade total, e não só das classes da população que pertencem ao Partido Nacional Socialista, a ausência de quaisquer sentimentos de solidariedade que se começa a revelar entre aqueles que até agora trabalhavam lado-a-lado com colegas judeus, o desejo cada vez mais óbvio em tirar proveito pessoal relativamente aos cargos que vão vagando, o silenciamento sobre a desgraça e a vergonha desastrosamente infligida ás pessoas que, embora inocentes, testemunham a destruição da sua honra e da sua existência de um dia para o outro - tudo isto indica uma situação tão desesperante que seria errado não a enfrentar diretamente sem qualquer tentativa de embelezamento.

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