quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Um retrato a corpo inteiro



De um país que não produz. Que prefere atacar o capitalismo na sua habitual manipulação dos capitais em proveito próprio, explorando os trabalhadores como roldanas indistintas que estão ali para produzir, sem horários justos, sem vida própria. É muito verdade isso por cá, e tudo isso por não funcionarem os sistemas de distribuição de princípios básicos, como sejam os da Justiça, do Civismo e da Educação. Daí que seja um país que se define pela desordem, ninguém pretendendo trabalhar  em prol do outro, “pela grei e pela lei”, como propunha D. João II, no seu pelicano, símbolo que adoptou no seu governo de realizações, o pelicano como ave que alimentava as crias com a carne que arrancava do seu peito. Sá de Miranda faz referência a isso, na carta conselheiral ao “rei de muitos reis”, D. João III:

Do vosso nome um grão rei
Neste reino lusitano,
 Se pôs essa mesma lei,
Que diz o seu Pelicano:
Pela lei e pela Grei.

D. João II trouxe grandes riquezas a Portugal, chegando longe, nos seus desígnios de aquisição de terras, que atingiram o oceano Índico. Príncipe Perfeito se lhe chamou, mas usando princípios de absolutismo que hoje se desprezam, embora saibamos quanto de absolutismo domina em regimes de capitalismo onde não existe rei nem roque e o monopólio dos lucros vai apenas num sentido. Juntamente com o compadrio, que gera a corrupção. E é por isso que não descola aqui, porque não se respeitam os direitos das pessoas, o cinismo sendo a mola principal nas relações entre o patronato e o trabalhador.
Entretanto, todos falam, falam, falam…

É um comentário ao excelente análise de João César das Neves “O Mistério do Crescimento”, publicado no blog “A Bem da Nação”

O MISTÉRIO DO CRESCIMENTO
Por que motivo a economia não cresce? A recessão acabou no início de 2013, perdendo 8,7% desde 2008, 5,2% com a troika. Ao fim de ano e meio, o PIB sobe 0,9%, quase estagnação. Porque não descola?
Não há aqui qualquer mistério. As várias causas podem resumir-se numa só: não existe crescimento em Portugal porque essa parece ser a última preocupação do país. Andamos demasiado ocupados com outras coisas. Claro que centenas de milhares de empresários e trabalhadores estão empenhadíssimos em aumentar a produção e relançar a economia. Mas a dívida nacional é enorme, as empresas estão descapitalizadas, o crédito cai e as elites, debate político e cultura mediática, falam de crescimento apenas como voto piedoso enquanto tratam de o contrariar.
A atitude de fundo é hostil ao progresso. Exigem-se subidas de salários e criação de emprego, mas desprezam-se lucros, investimentos e empresários, combate-se comércio e crédito, sem perceber que estão ligados. Por desagradável que seja, o único meio que até hoje criou crescimento passa por empresas e negócios, algo que os intelectuais vêem com supino asco.
Por baixo de leve crosta retórica, a finalidade nunca é promover desenvolvimento. Fala-se muito de progresso e tecnologia, mas aquilo que realmente ocupa os debates são cargos e dirigentes, regalias, benesses e direitos adquiridos. Propósitos meritórios são ambiente e consumidores, cultura, ordenamento urbano e outros desígnios abstractos que acabam sempre por criar obstáculos à produção. É que, se nada se vender, não existem consumidores ofendidos e a forma mais segura de salvar a ecologia é acabar com as empresas.
Portugal, que não gosta de empresários e negócios, vive fascinado com o Estado. Só se fala em eleições e postos, despesa e dívida públicas, serviços, garantias, políticas, pensões e organismos. Estas coisas são indiscutivelmente importantes, mas só existem se alimentadas pela produção das empresas, as quais são sempre as más da fita. Na cultura oficial não existe publicação, espectáculo ou exposição que não desdenhe, despreze e zurza o capitalismo e a actividade empresarial. Que aliás a amamenta, com impostos ou mecenas. Depois não há crescimento. Que pena! Mas exigem-se os subsídios.
Entretanto, o omnipresente Estado insiste em promover o desenvolvimento, enquanto multiplica desperdícios. Todos conhecemos múltiplos projectos feitos em nome do progresso que em nada beneficiaram o país: auto-estradas sem tráfego, complexos industriais e pavilhões polidesportivos às moscas, enchendo os bolsos a certos grupos. A isto se juntam miríades de regulamentações e exigências, regras e imposições que aumentam custos e sustentam funcionários. Coletes reflectores e inspecções periódicas, medicina no trabalho e portarias regulamentares são caras e pesadas. Será que promovem mesmo o bem--estar?

 Coletes reflectores, muito provavelmente «made in China»
Todos os anos no Outono vivemos um exemplo clamoroso de crescimento sem benefício social. Os livros escolares geram lucros, produção e postos de trabalho, mas implicam a destruição de montanhas de volumes excelentes que, usados no ano passado, serviriam bem as novas turmas. As editoras, com a conivência tácita das autoridades, conseguem desqualificar os exemplares usados, lucrando à custa de pais e alunos, ricos e pobres.
A questão não é ideológica. Líderes de esquerda, como Bill Clinton, Barack Obama e Gerhard Schröder, souberam apoiar o crescimento. No Portugal de Guterres a Sócrates, Durão a Passos, domina o "capitalismo de compadres", copiado de Sarkozy ou Hollande, Zapatero ou Berlusconi, também em estagnação. Este governo diz-se amigo de mercados e iniciativa privada, enquanto a oposição prepara novo estatismo supostamente produtivo. O resultado será parecido, porque nem a troika reformou os interesses.
A falta de crescimento é fácil de explicar. Esta recuperação, sem ainda ter saído da cratera pública, parece um campo minado, com os grupos de compadres a explodir sucessivamente.

Mistério é, apesar de tudo, existirem empresas capazes de se afirmar e prosperar.


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