quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Arrumações



Dois artigos de Vasco Pulido Valente que não quero perder:  «A III Guerra Mundial» de 21/9/2014  e “Presidentes”?  de 5/10/14, para os arrumar no meu blog, que outras prioridades me fizeram abandonar temporariamente, mas que publico finalmente, por representarem pontos de vista de um equilíbrio e saber que admiro.
            O primeiro, sobre as tentativas do Ocidente de conter o avanço das guerrilhas islâmicas, que as intervenções de Bush mais intensificaram, ao invés de as eliminar, e o Ocidente vê-se a braços com as provocações dos criminosos terroristas islâmicos, espalhados na multidão que ninguém mais  conseguirá eliminar, sem o sacrifício dos inocentes. E Vasco Pulido Valente, nas suas ironias ferozes, não acredita na tal III Guerra Mundial, preconizada pelo próprio Papa Francisco e receada por todos os que se interrogam sobre a solução  para os fanatismos hediondos alastrando pelo mundo, como vagas lamacentas de um tsunami  que tudo arrasa na Terra. É o fim do Ocidente, explica Vasco Pulido Valente. Esperemos que não seja. Mas que esses fanáticos merecem a decapitação, não tenho dúvidas.

O texto de Vasco Pulido Valente, do Público de 21/9/14:
A III Guerra Mundial
O Ocidente, desde a América a Portugal (que descobriu um “suspeito” no Algarve), passando pela Austrália e pela França resolveu liquidar, ou pelo menos conter, a guerrilha do Estado Islâmico. Como? Com aviões, drones, helicópteros, satélites de alta resolução; e com a ajuda humanitária e diplomática disponível, incluindo a de países muçulmanos. No meio disto, o que toda a gente se recusa a fazer é usar forças no terreno, como se diz, “de botas no chão”. Mais milhares de mortos em guerras que Bush provocou já não são toleráveis para ninguém, excepto para um Hollande em vias de extinção que resolveu agora fabricar uma popularidade napoleónica. Infelizmente, neste aperto, Obama resolveu seguir o exemplo de Kennedy no Vietname: não mandará “soldados com missões de combate”, longe dele, mas mandará “conselheiros” para treinar o indigenato local.
Claro que este esforço americano e europeu tem três defeitos sem remédio. Em primeiro lugar, não há uma língua comum de comando. Em segundo lugar, os “conselheiros” não tardarão a pedir reforços. E, em terceiro lugar, a barbaridade das seitas da região impedirá ainda por muito tempo que se chegue a uma situação estável e consolidada. Os xiitas nunca deixarão que se reconstitua o Iraque e os sunitas nunca viverão em paz sob os xiitas. Nem as dezenas de seitas das várias persuasões do sítio aceitarão o governo de qualquer dos lados. Em pouco tempo, a América estará envolvida no caos que Bush criou, lutando com amigos, protegendo inimigos, misturada em conflitos de tribos e de religiões, de que só um exército a sério a poderá extrair.
Mesmo na América o público não consegue perceber o que está a acontecer. O EI decapita jornalistas na internet e na televisão e parece que um caça-bombardeiro trataria expeditivamente do assunto. Nada mais falso. Com boas fotografias de satélite, um caça-bombardeiro é capaz de arrasar uma coluna em marcha durante o dia, mas não é capaz de eliminar uma guerrilha de milhares de homens que não se distinguem da população e que muitas vezes, como na Síria, se refugiam entre cidades, que mudam de mão de hora para hora. O Papa Francisco disse que isto talvez fosse o princípio da III Guerra Mundial. Não acredito. Acredito, com mais frieza, que isto talvez seja o princípio do fim do Ocidente. Portugal, entregue às suas pequenas vaidades, nem sabe que o EI existe.

Quanto ao texto «Presidentes?» sobre a exposição dos bustos de duvidoso valor artístico, na opinião de V.P.V., é um texto histórico que percorre os presidentes de uma República tripartida, que alguém pretendeu homenagear com bustos do nosso pseudo patriotismo ternurento e glorificador, o que, naturalmente o monárquico Vasco Pulido Valente condena, como mais um caso da nossa banalidade tosca de quem, não tendo mais que fazer, faz alarde pomposo de exaltações patrióticas vãs. Mas recolhamos o texto de VPV, que esse, sim, é peça de arte:

«Presidentes?»
«Em 1911, a Assembleia Constituinte da República resolveu que iria passar a ser a primeira assembleia legislativa do regime. Nada a autorizava a isso, mas ninguém se importou. Afonso Costa não tinha ainda tomado conta do partido “histórico”, que fizera o 5 de Outubro, e meia dúzia de facções andavam em guerra para eleger – no Parlamento e no Senado – o seu Presidente.
Escolheram Arriaga, um velho meio senil e pouco esperto, supondo que ele não incomodaria ninguém. Coisa em que, de resto, se enganaram. Antes de se demitir, à força claro, andou aos trambolhões de uma ilegalidade para a outra e acabou por estabelecer uma ditadura militar, depressa varrida pela Carbonária e pelos bombistas de Afonso Costa. Bernardino Machado substituiu Arriaga, com a duvidosa legitimidade dessa zaragata.
Depois de Bernardino, veio Sidónio Paes (em 1917) também trazido por uma insurreição da tropa. Sidónio revogou a constituição de 1911, inventou outra mais conveniente à sua situação e à sua política, e convocou eleições directas para a Presidência da República. Ganhou por à volta de 500 000 votos, num clima que roçava o terror. Não lhe serviu de muito. Em 1918 foi morto na estação do Rossio por um admirador de Afonso Costa. Por uns tempos, durante a guerra civil de 1919, Canto e Castro, um monárquico convicto, designado pelo governo, conseguiu manter a ficção de que a República existia. Mas quando se restaurou um mínimo de ordem, e prudentemente mudada a constituição, o Parlamento e o Senado alçaram António José de Almeida, um demagogo de feira, à Presidência para acalmar a balbúrdia e conciliar a direita. O “António José”, como lhe chamavam, assistiu à tortura e ao assassinato do seu primeiro-ministro e cumpriu o seu mandato até ao fim, uma façanha de que se gabou muito.
Para substituir esta personagem, o estado-maior do partido Democrático (palavra de honra!) chamou Manuel Teixeira Gomes, pedófilo, diplomata e escritor, que não aguentou os sobressaltos de Lisboa e se refugiou nos costumes mais brandos da Argélia francesa. No lugar dele, reapareceu o indestrutível Bernardino, de que o 28 de Maio em definitivo livrou a Pátria. Os sucessivos chefes da Ditadura não tinham nem de facto, nem de direito a menor semelhança com um presidente da República. Como a não tiveram os protegidos de Salazar (Carmona, Craveiro Lopes, Tomás). Só Eanes, Soares, Sampaio e Cavaco merecem o nome. E, a propósito, não se percebe o que sucedeu à nossa tresloucada Assembleia da República para lhe sair do crânio a ideia eminentemente imbecil de uma exposição de bustos (dizem que horríveis) dos nossos “Presidentes”. Inconsciência? Ignorância? Ou simples prazer de gastar o dinheiro do Estado?

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