quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Pelo estômago lutar




Um título bem expressivo este de “As Flores do Mal”, com que Alberto Gonçalves no Fórum do Notícias de 7/9 nos ilustra, a divulgar um bando de arquitectos fabricantes de  um novo conceito de história pátria, como fizeram, aliás, os romanos quando invadiram a Lusitânia, matando Viriato e a seguir Sertório, que teimavam em não arredar pé dos seus conceitos provincianos de pertença, mas acabaram aniquilados. Também Baudelaire pôs de parte aqueles conceitos do belo aristotélico que não se demarcavam dos motivos convencionais da criatividade poética, a partir do Bem e do Belo, para criar o seu mundo próprio de beleza a partir do Feio, do Corruptível, da Doença, do Mal, que os nossos Cesário Verde, António Nobre, na poesia, tão criativamente seguiriam. É o caso entre tantos de “Les Fleurs du Mal”, do poema “Une Charogne”, que em discurso directo nos diz de um passeio matinal do poeta e da sua amada («mon âme»), em que encontraram uma carcaça de cheiro nauseabundo, que o sol ia cozendo e fazendo apodrecer, as moscas e larvas em corredor ininterrupto movimentando-se em zumbido contínuo de estranha musicalidade. E a bela prestes a desfalecer e o poeta de lhe lembrar:

 «Et pourtant vous serez semblable à cette ordure,
A cette horrible infection,
Etoile de mes yeux, soleil de ma nature,
Vous, mon ange et ma passion !
Oui ! telle vous serez, ô la reine des grâces,
Après les derniers sacrements,
Quand vous irez, sous l'herbe et les floraisons grasses,
Moisir parmi les ossements.
Alors, ô ma beauté ! dites à la vermine
Qui vous mangera de baisers,
Que j'ai gardé la forme et l'essence divine
De mes amours décomposés !»
 Curioso título, este de «As Flores do Mal» de Alberto Gonçalves! A propósito de uns brasões a destruir, num jardim público, por evocarem coisas definitivamente extintas, para serem substituídos, provavelmente, pelos bustos dos fabricantes de uma pátria de Abril – os egrégios socialistas apoiantes de António Costa, em almoços e discursos a condizer, conhecendo da carcaça a que reduziram a pátria e zumbindo em torno de seu esqueleto putrefacto:
As flores do Mal
por ALBERTO GONÇALVES 07 setembro 2014
«O episódio dos brasões das ex-colónias num canteiro lisboeta lançou por aí a ideia absurda de que António Costa pretende reescrever o passado e outras malfeitorias do género. Obviamente, é mentira: o Dr. Costa não se envergonha da história, pelo menos da história do PS, que de vez em quando faz questão de chamar à sua notável retórica.
Em retribuição, agora foi a história do PS a deslocar-se até ao Dr. Costa, nas estimáveis pessoas de Almeida Santos, Jorge Sampaio, Manuel Alegre e Vera Jardim. Enquanto tomava o pequeno-almoço com o candidato à liderança do partido, o vetusto grupo manifestou-lhe, talvez entre duas torradinhas, o seu decisivo apoio na contenda. Muito agradecido, o Dr. Costa confessou--se orgulhoso. Se isto não demonstra respeito pelos tempos de antanho, não sei o que demonstraria.
Comparadas com tamanha delegação (e que inclui, em espírito se não em matéria, Mário Soares e José Sócrates), as antigas províncias ultramarinas são um símbolo da modernidade, e a "brigada do reumático" uma aula de zumba. Sou, aliás, da opinião de que Portugal não deve desperdiçar a riquíssima memória que as referidas personalidades representam. O património acumulado no lastro público dessas personalidades devia estar disponível ao cidadão comum 24 horas por dia, ou no mínimo durante o horário de expediente. Espero por isso que, no tempo que lhe resta à frente da autarquia da capital, o Dr. Costa substitua os brasões florais pelos próprios "históricos" socialistas, que doravante enfeitariam com superior propriedade a Praça do Império (entretanto renomeada "da Canção", em homenagem ao poeta Alegre).
A troca dos manjericões inertes do Império pelos jarrões de carne e osso do regime teria inúmeras vantagens. Desde logo, a de ser um museu literalmente vivo, onde as famílias passeariam ao domingo e, através do convívio directo, os pais ensinariam à descendência o legado dos vultos do PS ao País. Não se pode dizer que lhes devemos muito, mas devemos muito por causa deles. E esta, sim, é a razão pela qual convém preservar a memória: se a perdermos, abrimos a porta à repetição de calamidades, atendam ou não pelo nome de António Costa. »

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