quarta-feira, 2 de julho de 2014

Viver é preciso



Já Esopo tinha focado,
Na fábula que La Fontaine glosou
- De forma muito mais divertida
E movimentada -
A história do Morcego “vira-lata”
Que muito bem se desenrasca
Quando cai nas armadilhas da vida,
- No seu caso, da Doninha -
Mudando de condição
Conforme a ocasião.
Dele retiro apenas a moral
Que é tão real,
Tão actual,
Que não necessita de nenhuma explicitação
Formal:
«Esta fábula mostra, disse Esopo,
No século sexto ou sétimo antes de Cristo,
Que não devemos utilizar sempre os mesmos meios,
Mas pensarmos que se às circunstâncias nos adaptarmos,
Aos perigos muitas vezes escaparemos».
Eu só acrescentaria
Que não só podemos escapar aos perigos
Como podemos aceder a honras, a riquezas, a esplendores
E a outros valores,
Se soubermos adaptar-nos às circunstâncias,
Mudando de condição
Conforme a ocasião.
Aliás, a questão do mimetismo
Já foi tratado por outros autores,
Entre os quais o nosso Vieira
Que no seu Polvo traçou
Impiedoso retrato potente e sombrio
Que não se equipara nem de longe nem de perto
À leveza
De um Morcego de pouca destreza
Mas muito esperto.

De La Fontaine vejamos
«O Morcego e as duas doninhas »:

«Um morcego, que ia a voar, de cabeça baixada,
Contra a toca duma doninha embateu;
Logo que ali chegou , desastrado,
A outra, para o devorar, acorreu,
Há muito contra os ratos
Formalizada.
“O quê? Você ousa diante dos meus olhos aparecer
Quando a sua raça nunca parou de me molestar?
Você não é um rato? Confesse, sinceramente.
Sim, é, ou não serei eu Doninha.”
”Perdoe-me, disse o pobre,  com muita manha,
Não é esse o meu natural!
Rato, eu? Isso são balelas
De quem me deseja mal!
Graças ao Autor do Universo,
Eu sou um Pássaro, veja as minhas asas!
Vivam as gentes que os ares fendem,
Com as suas asas, como eu!”
A razão bastou, que boa pareceu.
De tal maneira, que a liberdade lhe foi dada
Para se ir embora, sem mais zaragata.
Dois dias depois o nosso desastrado,
Foi cair cegamente
Na toca de outra Doninha,
Dos pássaros inimiga.
Ei-lo, novamente, em perigo de vida.
A Dona da casa, com o seu longo focinho,
Ia engoli-lo julgando-o ave,
Quando aquele protestou contra o ultraje:
“Eu? Passar por isto? Você não está a ver!
O que distingue o pássaro? É a plumagem.
Eu sou um Rato! Vivam os Ratos!
Zeus confunda os Gatos!
Com esta hábil saída,
O Morcego salvou por duas vezes a vida.

Muitos se acharam
Que de echarpe mudaram
Perante os perigos, e assim se safaram,
Tal como o Morcego cego.
O sábio diz, segundo a circunstância da vida:
Viva o Rei! Viva a Liga!»

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