quinta-feira, 12 de junho de 2014

Em corpo inteiro



«Dias Contados» mais uma vasta crónica no FORUM do DN, de 8/6 da autoria de Alberto Gonçalves, que abrange vários temas, com a graça habitual. Consta o 1º - «A Selecção Censurada» - da dimensão mediática em torno da “tendinose da patela”  no joelho de Cristiano Ronaldo, com as graves consequências de tal maleita sobre a Selecção, além de outros diversos interesses jornalísticos de uma “dimensão” risível ligados à problemática futebolística, que não resisto a transcrever:
«A Selecção Censurada»
«O Tribunal Constitucional continua a fazer política, sabotar a economia, irritar o senhor primeiro-ministro e desencadear trapalhadas que talvez terminem, sem terminarem, em eleições antecipadas e num segundo resgate? Pedimos desculpa, mas neste momento a atenção do povo volta-se para o joelho de Cristiano Ronaldo, que consta padecer de uma tendinose na patela. Ao longo dos últimos dias, os portugueses correram para o Google a procurar "tendinose" e "patela". Os portugueses menos letrados correram a procurar "joelho". Nenhum precisou de procurar "Cristiano Ronaldo".
Vale que as televisões se empenharam por tratar o assunto. Desgraçadamente, só conseguiram transmitir cerca de 471 reportagens e debates em volta da lesão e das eventuais consequências da lesão. E se Ronaldo, vulgo CR7, não puder jogar? E se Ronaldo não puder jogar contra a Alemanha? E se Ronaldo só puder jogar depois da fase de grupos? E se Ronaldo jogar, jogará a 100%, 70% ou apenas a 52,44%? Na falta de esclarecimentos cabais da FPF, médicos, curandeiros, xamãs e peritos avulsos aliviaram-se de opiniões sensatas. Esporadicamente, um comentador punha o dedo na ferida e lembrava que nem tudo se esgota em Ronaldo: ainda há Pepe, Coentrão, Moutinho, Meireles e os demais heróis, aliás recebidos pelo Prof. Cavaco antes do início da epopeia - em Belém, conforme é tradição das nossas gestas.
Também aqui valeu a ajuda das televisões, que contra ventos e marés e em prol do grande jornalismo escoltaram o autocarro da selecção entre um hotel e o palácio presidencial, e de seguida entre o palácio e a Portela, onde desfrutámos de magníficos planos dos jogadores às compras no duty free. Desde que Abraham Zapruder filmou a morte de J.F.K. que não via imagens tão dramáticas quanto as de Nani a apreçar barras de Toblerone. Porém, tamanho "furo" é raro.
A época vigente arrasta-se sob o signo do zelo dito "securitário". E não, não me refiro às cautelas alfandegárias dos EUA, lugar escolhido para a selecção estagiar antes do estágio final. Refiro-me ao abusivo sigilo praticado pela FPF, que não apenas impede às câmaras o acesso integral aos treinos como não permite a partilha das radiografias, ecografias e angiografias ao joelho de Ronaldo, deixando o povo a especular acerca da evolução da maleita e do estado do tendão patelar. E o tendão é mero exemplo: é igualmente inaceitável, por exemplo, a ausência de microfones nas palestras do treinador e a escassez de "apontamentos informativos" nos quartos e nos jacúzis ocupados pelos atletas, privando de dados vitais uma nação ávida dos mesmos. Já me aconteceu fazer zapping às três da manhã e não descobrir um único "directo" alusivo ao "mundial". Não havia sequer um Bruno Alves disponível para afiançar que o grupo está unido?
Ao contrário do que se usa dizer, a culpa não é dos jornalistas, em geral conscientes do seu papel na elucidação do público (quando a FPF lhes veda o acesso aos heróis, os intrépidos repórteres desatam a interrogar os transeuntes mais à mão e a obter momentos de enorme interesse noticioso). O problema são as condições de trabalho com que os jornalistas se deparam, a mentalidade tacanha que favorece a ocultação e o secretismo.
Esperemos que durante o campeonato as coisas mudem. Se a selecção é de todos nós, é natural desejarmos saber tudo o que ali se passa. O que não é natural é a censura, a explícita da Federação e a dissimulada de quem anseia por distrair as massas com criancices. Basta de encher "telejornais" com chouriços, "chumbos" do TC, "chicana" política. A política de um patriota é o trabalho: o trabalho de apurar em definitivo a situação de Ronaldo, de acompanhar a recuperação de Beto, de dissecar o plano B de Paulo Bento, de perceber se Nani já deglutiu os Toblerone. Um país que não define prioridades não vai a lado nenhum, excepto ao Brasil.»

É igualmente apelativo o 2º tema - «O fantasma de Louçã» - e a troça em torno de uma figura, que tendo já assumido preponderância oratória - de arreganho catilinário – em tempos passados, ao constatar o rombo que sofreu o seu BE nos resultados eleitorais, tenta manobras delatórias revanchistas – contraditórias e insensatas, que levam o articulista a outras hipóteses de propostas ainda mais absurdas, para constatar  a morte do BE:

O fantasma de Louçã
Depois de sempre se ter oposto à saída de Portugal do euro, cujas consequências considerava "terríveis", Francisco Louçã regressou do Além "trotskista" para ir à Mesa Nacional do Bloco de Esquerda colocar na dita mesa a hipótese de Portugal sair do euro. Além disso, ou também por causa disso, hoje defende a aproximação ao PCP.
O volte-face surge na sequência da derrota do BE na "europeias", por sua vez já uma sequência da derrota do BE nas "autárquicas" e uma presunção das derrotas que hão-de vir. Não é preciso ser profeta para prever que ao longo dos próximos actos eleitorais o BE reagirá a cada rombo na popularidade através de uma radicalização progressiva. Se nas legislativas voltar a perder 50% dos votos e dos deputados, o Dr. Louçã aparecerá a sugerir que o País abandone a União Europeia e assuma protocolos institucionais com o regime de Gaza. Quando um dia perder qualquer representação parlamentar, o Dr. Louçã aconselhará a luta armada e a reabilitação moral de Otelo. No momento em que o eleitorado do BE não ultrapassar em muito o número de membros da liderança bicéfala, o estado-maior do partido poderá ser encontrado no Parque de Monsanto, a cozinhar húmus e a revolução.
Ou é isso ou a possibilidade agora apresentada por Ana Drago - e logo rejeitada pelos seus pares: a abertura de um "diálogo à esquerda" (eles dizem "esquerdas") com o Livre, o movimento 3D e o PAN. Se levarmos em conta que o Livre é o pseudónimo de um ex-eurodeputado do BE, que o 3D representa dois ou três dissidentes do BE e que nem a internet imagina o que seja o PAN, é fácil concluir que o BE morreu. E, embora por razões mais ligadas ao humor do que à política, deixará saudades. »

O 3º tema - Um país à escala do Rato – sobre o medo que a direita tem da possível substituição de Seguro por Costa na direcção do PS - revela a inanidade de pensamento de uns e outros:
Um país à escala do Rato
Uma história engraçada a correr por aí é a do medo que António Costa suscita na direita. Em primeiro lugar, não sei o que se entende por "direita", se os partidos no Governo ou se as pessoas que não apreciam um Estado intrometido e salteador (ambas as instâncias parecem-me algo incompatíveis). Em segundo lugar, garantiram-me que uma sondagem "interna" coloca o portentoso "carisma" do Dr. Costa um ou dois pontos percentuais acima do pobre rival nos gostos do eleitorado em geral. Por conveniência, admitamos que PSD e CDS andam assustadíssimos e que as facções empenhadas em enxotar o Dr. Seguro têm razão.
Ainda assim, não é esse o ponto. O ponto é a tese que resume os apetites dos insurgentes no PS: trocar o líder A pelo líder B é vital na medida em que A não é capaz de devolver os socialistas ao poder (ou o poder ao partido) e B talvez o faça. Pelo menos a franqueza é louvável. Claro que todos os partidos actuam em benefício daquilo que os coloca próximos do mando, mas costumam disfarçar a cobiça sob o simulacro de um debate interno e vagamente ideológico. O PS do Dr. Costa, ou que se serve do Dr. Costa, não disfarça. Ali não existe a menor intenção de distinguir o pensamento do autarca lisboeta do pensamento do secretário-geral, tarefa de resto impossível na medida em que nunca qualquer deles revelou possuir semelhante excentricidade. B é preferível a A porque sim.
Marx, o bom e velho Groucho, esclarecia: estas são as minhas convicções; se não gostarem, arranjo outras. No PS não há convicções nenhumas, excepto a certeza de que se está mais confortável a decidir orçamentos do que a votar contra eles, a satisfazer clientelas do que a pedir-lhes paciência, a afundar a economia do que a acusar Pedro Passos Coelho do mesmo. Não ocorre aos socialistas que à margem das intrigas há alguns milhões de cidadãos, certamente cansados de austeridade e provavelmente abismados com o brutal egoísmo dos que lhe prometem o fim da austeridade. Em suma, discute-se o melhor para o PS como se se discutisse o melhor para o País. Por acaso, e por norma, costuma funcionar ao contrário. Nesse sentido, e só nesse, o Dr. Costa mete medo.

Termina a página com o retrato de António Costa em destaque, com direito a foto de punho erguido, a “MOBILIZAR PORTUGAL”, e um breve texto intitulado «O que ninguém tinha coragem de dizer”:

«Os que acusavam António Costa de vacuidade engolem em seco. No Porto, além da candidatura à chefia do PS, o homem apresentou a receita para salvar a pátria: Uma nova agenda para Portugal. Ingredientes: “sustentabilidade demográfica”, “sustentabilidade energética e ambiental”, “sustentabilidade financeira”, “sustentabilidade económica”, “sustentabilidade de modelo social”,. “sustentabilidade do Estado”. Modo de preparação: “reunir vontades”, “construir compromissos”, “mobilizar energias” e depois “levar ao forno”. Polvilhar com “europeísmo” que não seja “auto-ingénuo”(sic). Há quanto tempo o país não era sacudido por abalo filosófico tão profundo? Pelo menos desde os programas do chef Silva»




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