sábado, 12 de abril de 2014

“As vozes do arroído”





É sobre o artigo do Público, SINDICALISMO E CASAS DE BANHO, de João Miguel Tavares, que transcrevo do blog “A bem da Nação”:

Há realmente uma grande diferença no comportamento do povo português, o de agora e o de outrora, no que toca a dedicação pela causa política - entre o que alcandorou o Mestre de Avis ao posto de rei dos portugueses e o que forceja por destituir o rei posto, que é como quem diz o ministro lá posto por alguns, no anonimato dos votos, para se posicionar ele – o povo de agora - e os seus representantes, para as conquistas pessoais, e em conforto, que incluem os mictórios obrigatórios nos ministérios.´
São páginas admiráveis, as da Crónica de D. João I, de Fernão Lopes, referentes ao envolvimento do povo em defesa do Mestre de Avis, aquando do assassínio do conde Andeiro, em que, “soando as vozes do arroído pela cidade” de que matavam o “Mestre”, o povo, “assi como viúva que rei não tinha e como se lhe este ficara no lugar de marido, se moveram todos com mão armada, correndo a pressa pera u deziam que esto se fazia, por lhe darem vida e escusar morte…” “A gente começou de se juntar a ele (Álvaro Pais, o arauto da patranha urdida pelos do Mestre), e era tanta que era estranha cousa de veer. Nom cabiam pelas ruas principais, e atravessavam lugares escusos, desejando cada um ser o primeiro…”
O mesmo povo que toma resoluções para a escolha do Rei: “Que fazemos estando? (indecisos) Tomemos este homem por senhor e alcemo-lo por Rei!”
…“Com taes ditos e outros semelhantes se trabalhavam todos de mover o Meestre a se nom partir da cidade e ficar no reino por seu defensor; mas ele se escusava com boas e doces razões, esforçando-os quanto podia com palavras de conforto, que nenhuns deles receber podiam, nenhuma cousa lhes outorgando do que lhe em tal feito iam requerer; e eles, nom embargando esto, quantas vezes o Mestre cavalgava pela vila, era assim acompanhado pelo comum poboo, como se das mãos dele caísse tesouros que todos ouvesse d’apanhar.
E seguindo-o as gentes com grande prazer, uns lhe tratavam a rédea da besta, outros das fraldas da vestidura; e bradando todos, deziam altas vozes que os nom quisesse desemparar, mas ficasse no reino por senhor e regedor, prometendo-lhe cada um das riquezas e averes que tinham, oferecendo os corpos aa morte por seu serviço; e ele olhava-os rindo do que deziam; e assi chegavom com ele ataa onde o Mestre  pousava , e des i (em seguida) tornavom-se.”
Foi deste povo que defendeu o seu território, que partiram futuros heróis a desbravar outros mundos. Mas ao povo da Grândola tudo lhe foi dado de bandeja, ensinando-lhe que ele era rei, na exigência, apenas tinha que reclamar para si próprio.  Terra, pátria, história não interessavam, nem o respeito. Um “vamos a isto”, que isto é nosso. A educação não foi nunca prato forte entre nós. Mas havia amor pátrio. Agora há amor próprio, como “vozes de arroído” na cidade.


«SINDICALISMO E CASAS DE BANHO»
«Um dia ainda nascerá um sindicalista da CGTP capaz de distinguir um protesto justo e genuíno de um circo de lamentações.
A CGTP descobriu recentemente que a forma mais eficaz de marcar reuniões com secretários de Estado para discutir questões laborais é levar 200 trabalhadores para a recepção de um ministério e pedir para ser atendido no meio de muitos gritos, palavras de ordem, cartazes, reforços do contingente policial e câmaras de televisão.
É certo que, à primeira vista, a coisa pode parecer uma invasão e uma ocupação de um edifício estatal, mas quando a CGTP estreou esta nova "forma de luta", em Novembro passado, Arménio Carlos apressou-se a explicar que não era nada disso: "Não houve nenhuma invasão nem ocupação, houve uma intervenção dos sindicatos que reclamaram reuniões."
Ora, esta espécie de milícias do vade-mécum é uma daquelas originalidades que nos deixam indecisos sobre se devemos lamentar a falta de segurança e dignidade das instalações do Estado português, onde se permite alegremente a tomada do hall de entrada de ministérios por parte de sindicalistas aos gritos de "o povo não quer/ fascistas no poder!"; ou se devemos, por outro lado, celebrar a brandura única dos nossos costumes, na medida em que após a expensão de certos decibéis tudo acaba invariavelmente em bem, com intercâmbio de pancadinhas nas costas entre manifestantes (perdão, agendadores de reuniões) e polícias.
Eu, francamente, divirto-me a ver aquilo e no último agendamento de reunião em formato turba multa, ocorrido sexta-feira no Ministério da Educação sob a batuta da Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais, que inclui o Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Norte, o Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Centro, o Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Sul e Regiões Autónomas e o Sindicato dos Trabalhadores Consulares e em Missões Diplomáticas (que eu acho que deveria chamar-se, por razões óbvias de pendant federalista, Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais das Regiões Fora do País), houve alguns momentos facetos, com particular destaque para o escândalo em boa hora denunciado pela sindicalista Lurdes Ribeiro: os manifestantes, que ficaram cinco horas dentro do edifício da 5 de Outubro, foram – imagine-se – impedidos de usar o WC.
A sério. Eu vi na TV uma senhora dirigir-se para a câmara (desconheço se seria Lurdes Ribeiro) muito indignada, para denunciar o facto de não lhe deixarem – e cito – "fazer chichi". Se, por estritas razões escatológicas, não se pode considerar este um dos momentos mais altos do sindicalismo português, pode-se, pelo menos, transformá-lo em emblema de um tique: o perpétuo queixume, a eterna querela, a infindável caramunha. Lurdes Ribeiro e seus amigos decidiram ocupar a entrada do Ministério da Educação contra a vontade das autoridades, durante cinco horas permaneceram por lá, e no meio da invasão ainda protestaram por os invadidos não lhes permitirem o acesso aos sanitários.
Tivesse a senhora Lurdes acedido à casa de banho, e com certeza reclamaria contra as deficiências de limpeza das porcelanas ou acerca da inexistência de papel de dupla folha, derivado da entrada da troika em Portugal. Mas não percamos a esperança: um dia ainda nascerá um sindicalista da CGTP capaz de distinguir um protesto justo e genuíno de um circo de lamentações. E quando esse dia chegar, todos nós, trabalhadores portugueses, seremos muito mais felizes. Haja fé. E casas de banho, enquanto esperamos.» João Miguel Tavares, 10/04/2014



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