segunda-feira, 17 de março de 2014

Claro como água



É o artigo de Vasco Pulido Valente A força das coisas do PÚBLICO DE 14/3 sobre o conflito que separa – ou une – a Rússia e a Ucrânia e a Crimeia, que tanto perturba os noticiários ultimamente, opondo os chefes em ameaças mútuas, mas que, pelas razões a que Pulido Valente alude – fragilidades e dependências do Ocidente europeu, ambições hegemónicas e expansivas russas – putinianas – desinteresse dos Estados Unidos já bastante escaldados em questões de apoio solidário - real ou fictício – e, em definitivo, o reconhecimento de quea Rússia, excepto por meia dúzia de “oligarcas”, não precisa tão desesperadamente da Europa”, vão permitir mais um atropelo aos direitos de povos que uma DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, ditada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, tão empoladamente defendeu não só no seu “Preâmbulo” cujos considerandos transcrevo da Internet,

- « - Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,
«- Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em actos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum,
«- Considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão,
«- Considerando essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações,
«- Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, a sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla,
«- Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a desenvolver, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e liberdades fundamentais e a observância desses direitos e liberdades,
«- Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso» ,
como nos seus artigos de que transcrevo o 28ºToda a pessoa tem direito a que reine, no plano social e no plano internacional, uma ordem capaz de tornar plenamente efectivos os direitos e as liberdades enunciados na presente Declaração”.
Direitos criados em resultado de acontecimentos conhecidos e que transcrevo igualmente da Internet, ao acaso da curiosidade:
«Durante a Segunda Guerra Mundial, os aliados adoptaram as Quatro Liberdades: liberdade da palavra e da livre expressão, liberdade de religião, liberdade por necessidades e liberdade de viver livre do medo. A Carta das Nações Unidas reafirmou a fé nos direitos humanos, na dignidade e nos valores humanos das pessoas e convocou a todos os seus estados-membros a promover respeito universal e observância dos direitos humanos e liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião3 .
Quando as atrocidades cometidas pela Alemanha nazista se tornaram conhecidas depois da Segunda Guerra, o consenso entre a comunidade mundial era de que a Carta das Nações Unidas não tinha definido suficientemente os direitos a que se referia,. uma declaração universal que especificasse os direitos individuais era necessária para dar efeito aos direitos humanos. »….
São registos que deviam permanecer na lembrança de todos e sobretudo dos responsáveis pelos governos das suas nações.
Mas a febre do poder mundial preside ainda, não vale a pena “esclarecer”, como faz o Agildo trapalhão, como faria eu se o tentasse, e daí a pertinência do texto de Pulido Valente “A força das coisas”. Sim, não há fuga possível para a febre imperialista de Putin, idêntica à de tantos seus antecessores, afinal. Só que os ucranianos têm direito à sua independência, têm direito a serem respeitados. O problema é que não existe unanimidade de parecer entre os próprios ucranianos, grande parte apoiante de políticas pró-russas. Entre nós também os houve, apoiantes dos que podiam ajudar mais à sua sobrevivência, e Camões o esclarece, esse sim, na estrofe 33 do Canto IV dos Lusíadas
«Ó tu, Sertório, ó nobre Coriolano,
Catilina, e vós outros dos antigos
Que contra vossas pátrias com profano
Coração vos fizestes inimigos:
Se lá no reino escuro de Sumano
Receberdes gravíssimos castigos,
Dizei-lhe que também dos Portugueses
Alguns traidores houve algumas vezes.

 
O texto de Vasco Pulido Valente:

 A força das coisas”.
«Desfazer um império, e um império do tamanho da URSS, não é uma operação fácil. Sobretudo quando se trata de redefinir fronteiras e a Federação Russa, ao contrário, por exemplo, da Áustria, continua a ser uma grande potência.
Na Ucrânia, o caso ainda se torna mais difícil. Na II Guerra Mundial, a Alemanha só invadiu entre cinco e dez por cento do território da Rússia propriamente dita, mas conseguiu ocupar a Ucrânia inteira. Em 1945, o Exército Vermelho tinha proporcionalmente mais gente da Ucrânia do que de qualquer outra República da União; e hoje, da Polónia à Crimeia, a esmagadora maioria da população indígena é bilingue. Separar o que esteve tão junto traz necessariamente complicações. Putin quer a reconstituição, pelo menos parcial, do império. A Europa e a América não querem.
Não se percebe porquê. Em primeiro lugar, depois do Iraque e do Afeganistão, a opinião americana não consentiria uma nova guerra e, principalmente, uma guerra que ao menor incidente poderia degenerar numa catástrofe nuclear. A Europa que durante 60 anos viveu para o consumo e para o Estado social está desarmada. Não vê bem um conflito em que um dos lados se recusa a participar. Restam as sanções (evidentemente, económicas). Só que as sanções prejudicariam muito mais a Europa (embora não a América) do que a Rússia. A Alemanha precisa como de pão para a boca do gás russo. E a Alemanha e a Inglaterra dependem do mercado interno e dos capitais russos para saírem da crise e crescer a um ritmo razoável. A Rússia, excepto por meia dúzia de “oligarcas”, não precisa tão desesperadamente da Europa.
O problema começou, de resto, porque a Ucrânia se preparava para assinar um acordo com a UE e a Rússia resolveu impedir essa inclinação para o Ocidente, porque pretende que a Ucrânia venha a aderir a uma futura união euro-asiática, que eventualmente servirá para opor à Europa uma esfera de influência, económica e ideológica, sob o domínio de Moscovo. A ideologia “euro-asiática”, como se calcula, não é democrática, nem adepta do liberalismo ou do Estado de direito. É autoritária, discriminatória, racista e manifestamente “fascizante”. Não parece que seja no imediato uma terrível ameaça para a América ou para a Europa. Como não parece que o Ocidente, apesar das suas piedosas declarações, fosse capaz de sustentar uma Ucrânia falida, com uma economia arcaica e uma quase total dependência energética da Rússia. Era com certeza melhor que, nesta altura, se reconhecesse a realidade.»

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