segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

“Cai neve na natureza”



Sempre estranhei a pena de morte como lei facinorosa de que o homem se arreigou como deus poderoso, sobretudo se praticada em países de grande tradição humanista e razoavelmente seguidora das práticas bíblicas inspiradas no Novo Testamento e já contidas no Velho, nos Mandamentos que Deus entregou a Moisés, em que o “Não Matarás” ocupa o 5º lugar (na sua feição final), a vida humana considerada no seu caráter de inviolabilidade, como algo sagrado, devido a um único criador, omnipotente, omnisciente, omnipresente.
É bem verdade que nunca esse facto incomodou grande coisa a criatura por Ele criada, pois sempre essa se entreteve a matar e a esfolar, a queimar, a crucificar, a fuzilar, a guilhotinar, a esfaquear…… E a instituir em lei a pena de morte. Entre nós também a houve, mas a nossa foi abolida no século XIX, o que não aconteceu noutros países mais poderosos, e os Estados Unidos não foram unânimes na sua abolição, por muito liberais que se mostrem, com uma bela estátua a demonstrá-lo.
Significa isso que também o homem se arma em omnipotente, emparelhando com o Deus que tudo criou, o Bem como o Mal.
Realmente, o homem cria vida, por meios artificiais, como um deus defeituoso, criando seres defeituosos, não naturais. Também descobre o remédio que cura e nisso é extremamente capaz, cada vez indo mais longe na descoberta científica.
E criou a sinistra eutanásia para extinguir o sofrimento, com a anuência do sofredor, embora poucos países sigam a prática criminosa.

Mas as crianças, Senhor?
Porque lhes dais tanta dor?
Porque padecem assim?

O facto é que padecem e isso choca muito, as crianças inocentes não devem sofrer. Talvez por isso alguns povos se arroguem do direito de praticar nelas a eutanásia, mesmo sem a sua anuência. É pôr os pais a assistir à morte e a consenti-la e a beijar o filho pequeno, que vai morrendo e deixando de sofrer. Mas os pais irão sentir-se para sempre criminosos. Filicidas. Prefeririam não intervir na morte do filho, e apenas minimizar-lhe o sofrimento. Mas há países civilizados que instituíram a eutanásia para adultos em lei e agora para crianças.
A eutanásia em crianças parece-me crime. O texto de António da Cunha Duarte Justo que segue, publicado no “A Bem da Nação” é bem explícito nisso, com os argumentos próprios. Eu só posso concluir com a “neve” que cai nos corações - da balada de Augusto Gil.

O texto de Duarte Justo:

«Eutanásia para Crianças na Bélgica – uma Ajuda que não ajuda»

«Acompanhar em vez de matar»

«A legislação belga permite matar crianças no caso de doença terminal. Pacientes menores, abaixo dos 18 anos, que não queiram sofrer mais, podem exigir aos médicos que os matem, tal como já é permitido aos adultos.

Na Bélgica a eutanásia para adultos é permitida desde 2012, tendo sido mortas 1.432 pessoas em 2012. Em toda a Europa, a eutanásia é considerada assassínio, com excepção da Bélgica, Holanda e Luxemburgo. Apoio ao suicídio assistido é legal na Suíça e na Suécia.

A decisão de morrer, para menores, tem de ser expressa e documentada pelo paciente, por escrito e oralmente em dias diferentes; a doença tem de ser diagnosticada por diferentes médicos como grave e de dores insuportáveis. O projecto-lei elaborado por Liberais, Socialistas e Verdes foi agora aprovado (13.02.2014). Para a morte ser legal precisa da aprovação do paciente, dos familiares e do médico.

Em geral a eutanásia activa é considerada crime; na Alemanha, por exemplo, se alguém matar, a pedido de alguém, tem cadeia até 5 anos: a eutanásia passiva (interrupção de medidas de prolongamento de vida) é permitida desde que conste na disposição escrita previamente pelo paciente.

Na ideologia do politicamente correcto, a sociedade fala, aqui, do direito a morrer com dignidade. Parlamentos fazem leis à margem do pensar da maioria do povo. Neste caso, um sistema democrático consciente, deveria submeter tal decisão a um plebiscito nacional.

Porque querer ajudar com a morte e não com a medicina paliativa. Esta lei vem aliviar os médicos que antes se viam sozinhos quando confrontados com o desejo do paciente e no caso de o fazerem seriam assassinos.

Até que ponto a criança é livre na sua decisão? A contradição de uma argumentação enganadora: uma criança é menor, e como tal, incapaz de decisão em casos normais do dia-a-dia, mas no caso de doença incurável já é considerada adulta! O desejo de morrer da criança também pode vir do ver o sofrimento dos pais. A impotência destes apressa-os na ilusão de ajudar a criança; esta ” ajuda” é mais uma ajuda a si mesmos e uma desculpa de outras ajudas; o facto de disporem da decisão de impedirem as dores, dá-lhes a impressão de cuidarem do doente, quando este, o que talvez precisasse seria de companhia e carinho.

A medicina paliativa tem demonstrado que o que os pacientes precisam é de acompanhamento e apoio. A lei vem desculpar e desobrigar o que não é desobrigável. Numa sociedade cada vez mais anónima tudo se torna legal e comprável; tudo lava as suas mãos como Pilatos. As forças políticas e sociais escondidas sob o capacete do pensar politicamente correcto avançam no sentido de dessacralizar o ser humano para o poder tornar disponível aos poderes do Estado. Com a eutanásia quer-se irradiar a morte da vida; indivíduo e acompanhantes desresponsabilizam-se.

Um mundo utilitarista, que não crê em Deus, não pode dar consolação à criança falando da outra vida, nem de Deus a quem o paciente poderia recorrer e não estar só. Os médicos teriam sempre a hipótese de receitar mórfium e em certos casos poderiam desligar as máquinas que prolongam a vida mas matar activamente é sobrepor-se à vida.

As várias confissões religiosas são contra a lei da eutanásia. 129 Pediatras belgas, numa carta ao Parlamento, afirmaram que a lei não era, medicamente, necessária já que "equipes de tratamento paliativo são perfeitamente capazes de alcançar o alívio da dor tanto no hospital como em casa". Parlamentares do Conselho da Europa são do parecer que a lei "trai algumas das crianças mais vulneráveis na Bélgica" e "promove a crença inaceitável de que uma vida pode ser indigna de ser vivida, algo que desafia o próprio fundamento de uma sociedade civilizada".

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