sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

As armas das nossas penas

Eis uma história da nossa memória
Que La Fontaine a Esopo foi buscar
De uma águia que as penas perdeu
E o caçador aproveitou
Para com elas armar
A seta com que a matou.
Da história se retirou a sentença vulgar
De que o aguilhão da dor é mais pungente
Quando pelas nossas próprias armas somos batidos,
O que é acidente
Muito frequente,
E La Fontaine não deixou de apontar
Com a referência a Prometeu, filho de Japeto,
Que a sua estátua de barro animou
Com o fogo que do Céu roubou,
E a raça humana assim criou
E condenou.
Mas também foi castigado,
No Cáucaso, agrilhoado,
E com uma águia a roer-lhe os fígados,
Coitado!

«O pássaro ferido com uma flecha»
«Mortalmente atingido por uma flecha emplumada,
Extraídas as plumas de aves de formosura,
Um pássaro deplorava a sua triste sina
E dizia, num acréscimo de amargura:
“E contribuímos nós para a nossa infelicidade!
Cruéis humanos! Vós disparais
Contra as nossas asas fulgurantes
Para fazerdes voar sobre nós
Essas máquinas perfurantes
E letais.
Mas não troceis, vilões sem piedade:
Muitas vezes vos acontece a vós
Sorte semelhante à nossa sorte.
Dos filhos de Japeto,
Sempre uma metade, à outra
Fornecerá armas mortais.»

 Na verdade, o fogo que Prometeu roubou
A Júpiter, que disso o puniu,
Fogo da inteligência e da humana razão,
Já Camões o exprobou
Pela boca do Velho do Restelo
Que, segundo as suas sentenças,
Não aceitava tamanhas mudanças
De desperdício infindo
Para conquista do mundo.

 «Trouxe o filho de Jápeto do Céu
O fogo que ajuntou ao peito humano,
Fogo que o mundo em armas acendeu,
Em mortes, em desonras (grande engano!).
Quanto melhor nos fora, Prometeu,
E quanto pera o mundo menos dano,
Que a tua estátua ilustre não tivera
Fogo de altos desejos, que a movera!»

 De facto, assim sucederia
E assim sempre sucedeu.
É o que se vê hoje em dia,
O inferno das armas, da destruição,
Armas nucleares, químicas, ameaçadoras,
Além da fome e das drogas da sujeição.
Por toda a parte se vai fazendo guerra
Se ameaça a Terra nos jogos da ambição.
É o que se vê no Médio Oriente,
Foi o que se viu antigamente,
O que corrói a Ocidente,
Com as armas que se vão fabricando
Que se vendem sorrateiramente
Que se compram sofregamente,
Uns aos outros enganando…

 Não por aqui, todavia.
As nossas armas são outras.
Armas da hipocrisia,
Da adulação ou da condenação
Ao sabor da fantasia.
Mas ,no final das nossas traças
E trapaças,
Espera-nos um Panteão
Como galardão,
Segundo sugestão
Dos mentores mores.

 

Nenhum comentário: