sexta-feira, 28 de junho de 2013

Aberrações é connosco

 
É de Vasco Pulido Valente, o artigo «Uma aberração» saído no Público de 22 de Junho. Trata da formação “política” das juventudes partidárias, ao que parece, apenas instigadas a uma autopromoção futura que as catapulte ao poder, para isso enredadas na teia de ligações próprias de cada partido, venerando os chefes e limitando a sua visão do universo cultural à doutrinação fanática do seu partido:

«Um grupo de oito deputados, todos presumivelmente produto da JSD, resolveram perguntar ao ministro da Educação quanto custavam os sindicatos de professores, supondo que para demonstrar que o Estado não conseguia suportar essa tremenda despesa. O que tem feito este governo e esta maioria quase não merece comentário. Mas não deve haver um único Parlamento no mundo civilizado em que esta cena espontaneamente se passasse. Gente como os meninos da JSD não está na Assembleia da República, está num jardim infantil muito bem guardado à espera de chegar à idade adulta. Era possível escrever tratados sobre a ignorância, a inanidade e o ridículo dessas criancinhas, se o esforço aproveitasse alguma coisa aos pobres portugueses que as vão aturando e, já agora, a elas próprias.

De qualquer maneira, vale a pena investigar quem as preparou para as responsabilidades que hoje são as delas. A JSD (de resto como a JS e a JP) admite militantes desde os 14 aos 30 anos. Por outras palavras, pega num adolescente, ou num pré-adolescente, e daí em diante não o larga até ele se tornar num homem ou numa mulher. Isto lembra regimes de má memória que faziam o mesmo: a ditadura de Salazar, a de Mussolini e a de Hitler para já não falar dos “Pioneiros” da URSS e da Europa de Leste. “Juventudes” deste género sobrepõem à educação da família uma educação política forçosamente facciosa e com certeza não lhes custa formar segundo as suas conveniências criaturas que não chegaram ainda à maturidade fisiológica, intelectual, moral ou profissional. ´´E um exercício de abuso de menores, que a lei não condena.

Imersos na intriga perpétua da instituição pelo favor do “chefe” ou de alguma facção transitoriamente dissidente, adquirem depressa uma cultura muito próxima da cultura dos bas-fonds e um saudável desprezo pela realidade. Seria sem dúvida um serviço ao país proibir as “juventudes” dos partidos de receber membros de menos de 18 anos e de os conservar para além dos 25: como quem reprime uma tendência antidemocrática e deletéria numa sociedade equilibrada ou, pelo menos, que se esforça e gostava de ser melhor do que parece.»


Creio que tem razão na essência, Vasco Pulido Valente. Uma essência que nos define no oportunismo, na mediania intelectual, no empenho como meio ascensional, na tagarelice mexeriqueira tantas vezes malévola. Mas exagera, na referência a uma “sociedade equilibrada ou, pelo menos, que se esforça e gostava de ser melhor do que parece». Nem sei mesmo a quem, com essa frase, Pulido Valente pretende lisonjear, numa banal e irrisória - por inesperada, vista a sua férula afiada - demonstração de democratismo piedoso. E apiedado, de sensibilidade ao "coitadinho".
 
 


E quando Pulido Valente coloca no mesmo plano Passos Coelho juvenil, relembro outras figuras da nossa realidade política sénior que, quer se tenham formado nas universidades do país ou de outras formas menos escrupulosas de formação superior, se pautaram pela irrelevância ou inanidade de actuações, pela pura arrogância menosprezadora que nos apouca, ou pelo descaro de comportamentos de vigaristas condecorados.

Passos Coelho, diz-se, reduziu o povo à miséria, sendo culpado de todos os males do país. Eu vejo no seu trabalho, que conheço através das mensagens positivas dos seus discursos, a figura de um homem que se rodeou de gente com um objectivo comum – o de libertar o país da dívida monstruosa, impondo ao país oneração estridente, com aumento de desemprego, abaixamento de vencimentos, crescimento de impostos…

E é nisso que se fala, e nas promessas de uma melhoria sempre adiada, pois, ao contrário do que dizem os principais do governo que vai suceder, o que sucede mesmo é o aumento do défice, o que provoca manifestações, greves arregimentadas pela esquerda histérica e histriónica, e o PS - que também é esquerda quando convém, embora com mais gravidade na compostura - esquecido daquela época do Copcom, de ressaibos stalinistas, ou maoistas, ou de outros chefes mais próximos.

Tem razão, na apreciação que faz, Vasco Pulido Valente sobre a formação de Passos Coelho. Mas eu gosto de o ouvir, assim como a alguns parceiros seus tão alarvemente caricaturados. Acredito neles, nas suas boas intenções, nos seus parcos êxitos, que todos os outros se apressam açuladamente a contestar, desculpo a sua pouca prática política, por amor à seriedade de um objectivo honesto e corajoso que a todos devia mover. E não naquilo que fazemos – contribuir para a destruição, com a deseducação que fomentamos num povo já deseducado, contribuir para dificultar a acção económica governativa, travando o país. Mas acusando sempre, em raiva crescente, responsabilizando exclusivamente este governo, esquecidos dos precedentes.
 
Não me parece justo mas antes puro sofisma  de mistura com muito cinismo.
 

 



 

 

 

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Está-nos na massa do sangue

E foi por isso que de longa data nos habituámos a zarpar, arrostando contra ventos e marés. Mas alguns, longe da pátria, gemeram de saudade, como fez António Nobre, na autopiedade mórbida do seu destino de enfermo:

Ai do Lusíada, coitado,
Que vem de tão longe, coberto de pó.
Que não ama, nem é amado,
Lúgubre Outono, no mês de Abril!
Que triste foi o seu fado! Antes fosse pra soldado,
Antes fosse próprio Brasil...

Manuel Alegre, não em Paris como Nobre, mas na África nortenha do seu terreno de luta pela tal liberdade que acabou por obter, também chora pela sua pátria acorrentada na escuridão de um destino de fome e medo, reivindicando poeticamente a glória da sua resistência de traição à pátria, em que consistiu essencialmente a resistência ao “fascismo” salazarista:

Pergunto ao vento que passa
 notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz. o vento nada me diz. ….

Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio -- é tudo
o que tem quem vive na servidão. ….

Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados. ….

Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
  à beira de um rio triste. ….

E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz. …

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
  há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
  há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.

Esses nos ditaram o sestro de coitadinhos desterrados, num estrangeiro inicialmente de exclusão social, na época de Salazar, mas de progressivo enriquecimento cultural e económico, nos países da sua fixação, ao que se tem visto e se vira já nos tempos do “brasileiro de torna-viagem”, ou do “africano” do sul que os extensos territórios e a força económica e cultural tornaram menos mesquinhos. É o que afirma Isaías Afonso, na sua prosa cordata, do texto «HÁ EMIGRANTES E EMIGRANTES» defendendo o conselho objectivo de Passos Coelho de busca de novos horizontes no estrangeiro, na actual crise, como solução talvez provisória para as suas vidas. Os actuais patriotas, defendendo os coitadinhos da nossa baixa auto-estima, seguem as dolentes visões de poetas como os citados, excepto para o caso da emigração futebolística da nossa alta auto estima, segundo Isaías Afonso:

«HÁ EMIGRANTES E EMIGRANTES»

«Vi na televisão, nos vários noticiários, contra a auto-estima dos portugueses, em que a desgraça continua, com as culpas habituais para o actual governo, como se fosse ele o malvado do endividamento nacional.
Este já vem de longe, mas a face visível da crise são Passos Coelho em larga escala e Paulo Portas um pouco menos.
Parece ser a história daquele amigo que emprestava dinheiro a outro, até que este deixou de lhe pagar os sucessivos empréstimos porque o fruto do seu trabalho já não dava para satisfazer tanto empréstimo.
Acabou também este por se revoltar contra o prestamista, porque fechara a torneira das dádivas e então jurou não querer pagar o que devia.
Veio agora A TV anunciar que mais de uma centena e meia de crianças saíram das escolas do 1°Ciclo, na região de Viana do Castelo, a caminho da emigração, acompanhando os seus pais.
A noticia é apresentada como uma tristeza mórbida, como se a emigração não tivesse sempre feito parte da estrutura económico-social portuguesa.
Tenho sempre encarado este fenómeno como uma partida para a valorização pessoal e, nesse aspecto, eu sei do que falo. Com 12 anos de Angola e três dezenas e meia de França, deu-me a clara noção de que apenas a partida é dramática e depois a emoção vai-se esbatendo e tudo se torna normal no espaço que nos acolheu.
A saída das crianças e dos pais é relatada no âmbito da culpa atribuída à actualidade. Aqueles que saíram antes não fazem parte do nosso fado porque a memória é curta ou ela tem a enorme faculdade dum fenómeno a que se dá o nome de esquecimento.
Curiosamente, há uma emigração que eleva a nossa auto-estima e que a imprensa relata como uma valorização acrescida. Trata-se da "exportação de treinadores de futebol".
Estes não são os emigrantes da crise, do drama ou da tragédia nacional. Não são tão pouco culpa deste Governo. Esses são a nossa auto-estima! Louvados e adorados como resultado da nossa capacidade, do nosso "know how" em matéria futebolística.
Os outros são os nossos "coitadinhos"!
A nossa imprensa é que é formada por uma corja de malfeitores que habitam um espaço que se chama Portugal. Esses é que poderiam emigrar para os paraísos que andam a tentar vender barato.» 23 de Junho de 2013
Isaías Afonso
 
O que Isaías Afonso condena nos jornalistas arteiros, useiros e vezeiros na arte da insinuação ou mesmo de difamação para destruição do governo, videirinhos difamadores, poder-se-á atribuir a muitas outras figuras do vário tecido social.
Não resisto à tentação de transcrever, como sintomático da nossa idiossincrasia de povo trapaceiro, burlão, mexeriqueiro, mandrião e interesseiro, o retrato que Fialho de Almeida faz do povo alentejano em “O País das Uvas”, e que é extensível a tantos de nós, como povo de rancores e inércia invejosa:
 
A vila conta naqueles clubes o seu número de comensais invariáveis, que desde rapazes vão lá, e por fim envelheceram aferrados ao travo especial da má-língua que se permuta na locanda preferida. Estes conclaves são magníficos de carácter e cor local. Salários, negócios, estatística de colheitas e poucas-vergonhas, bofetadas, roubos de palha, cancãs de rua, tudo ali vai cancelar a sua bagagem, pagar imposto aduaneiro aos farricocos da moralidade montesa e tirar folha corrida para poder seguir roteiro através do mau hálito das bocas maldizentes. Todas as classes têm na vila o seu predilecto lugar de assembleia. Ao começar da manhã, a classe serva anda nos campos lidando. Os ricos dormem ainda nas suas casas. E o “propriatairo” que então reina, como déspota do burgo, gozando o ripanço dum mariola pela rua central da povoação. Lentamente, depois de “morto o bicho”, cada madraço vem-se arrastando de casa como pode, com os seus chatos fundilhos avergastados de nódoas, o colarinho sujo e sem gravata, as mãos vazias, a face oleosa, e o todo profundamente enfastiado. Nas caras trigueiras, mal barbeadas, balofas, uma expressão vegetal mascara a vida. Aos trinta anos a ociosidade tornou esses homens obesos, moles de músculos, apáticos e profundamente sonegados à função do trabalho activo. (…)
 
E o retrato do «propriatairo» alentejano prossegue, na pujança linguística atrabiliária de Fialho:
 
“Seu ódio contra os ricos é talvez mais torvo ainda do que a surda má vontade que já tinham mostrado aos inferiores. Desta maneira, colocado entre as duas classes que o detestam (a dos “nababos que vivem nos grandes centros, indiferentes ao cultivo e empenhados somente em perceber num prazo fixo o dinheiro das rendas , para sustentação das suas prodigalidades e magnificências”, e a dos “pobres diabos a trabalhar quarenta e cinquenta anos, vestindo saragoça, comendo chicharros, privando-se enfim, por amor do lucro, do estritamente necessário à existência, e que ao fim de velhos e cansados mal puderam juntar em vinhas podres e casebres de telha vã o capital de meia dúzia de contos”) o “propriatairo” vinga-se calcando nos que lhe ficam por baixo e pondo ratoeiras debaixo dos pés dos que lhe ficam por cima. É ele que nos anos de vinho barato vai pelas vindimas lançar à uva um preço caro, por que usufrua o encanto de assistir às percas dos grandes compradores. Ele quem no tempo das cavas incita o jornaleiro às jornas excessivas, tendo primeiro cavado as suas vinhas; e ainda ele que nas tabernas, chupando o cigarro, com um cinismo vesgo, se compraz em destruir a reputação dos ricos-homens da terra, incitando a canalha a arrancar-lhe de noite as plantações, a entrar-lhe com o rebanho nas searas e a deitar fogo ao trigo arroleirado por essas courelas afora. Este miserável ignorante, que ninguém consulta e toda a gente receia, é o invisível gnomo das patifarias aldeãs, o homenzinho das birras, das invejas, das perversidades, das calúnias, o terrível pulha gelatinoso que mesmo fugindo morde e que sob uma hipocrisia de Basílio, vive no ódio, como uma atmosfera propícia, com a cegueira despótica do mando, que ele exerce, em podendo, no sentido pior que lhe é possível!»
 
Eis um retrato do alentejano que podemos generalizar a todo um povo e uma época de ódios e sujeições, como são os de hoje. Mais engravatados, todavia. Se bem que os “fundilhos avergastados de nódoas” do “propriatairo” alentejano bem os podemos encontrar, de certo modo, nos fundilhos descidos de alguma da nossa rapaziada moderna de um desleixo propositadamente fabricado, não para inglês ver, mas para atrair olhares de doce concupiscência, mantenedora, essa, da nossa auto-estima, como Vénus defende, na interpretação de Camões:
 
Sustentava contra ele Vénus bela,
Afeiçoada à gente Lusitana
Por quantas qualidades via nela
Da antiga, tão amada, sua Romana;
Nos fortes corações, na grande estrela
Que mostraram na terra Tingitana,
E na língua, na qual quando imagina,
Com pouca corrupção crê que é a Latina.
Lus. I, 33

segunda-feira, 24 de junho de 2013

O tiro

Tinha visto na Internet a entrada sorridente de Passos Coelho e comitiva na escadaria do Mosteiro de Alcobaça e pensei logo que era um bom prenúncio para resoluções positivas do governo para o nosso país, e assim o disse à minha amiga, confiante na Janela Manuelina do dito Mosteiro, lembrando o nosso passado de glórias embarcadiças, tal como Camões também lembrou, pondo até o Vasco da Gama a arrostar com um Adamastor tenebroso augurando maus ventos e desastres aterradores, como fazem os adamastores de hoje, (embora no fim se tenha desfeito em lágrimas, por males de amor, que é a nossa pecha. Exemplifico os augúrios:
Lus., Canto V, ests. 43 e 44

«Sabe que quantas naus esta viagem
Que tu fazes, fizerem, de atrevidas,
Inimiga terão esta paragem,
Com ventos e tormentas desmedidas;
E da primeira armada que passagem
Fizer por estas ondas insofridas,
Eu farei de improviso tal castigo
Que seja mor o dano que o perigo!

«Aqui espero tomar, se não me engano,
De quem me descobriu suma vingança;
E não se acabará só nisto o dano
De vossa pertinace confiança:
Antes, em vossas naus vereis, cada ano,
Se é verdade o que meu juízo alcança,
Naufrágios, perdições de toda sorte,
Que o menor mal de todos seja a morte!

 

Mas a minha amiga não foi em poesias, nem sequer as de “tuba canora e belicosa”, lembrando os argumentos incisivos do Dr. Marcelo Rebelo de Sousa que ela supôs que eu não tinha ouvido, só porque às vezes lhe digo que adormeço a ouvir ou a ver os programas, sobretudo se “de agreste avena ou frauta ruda” em que somos peritos de longa data. Mas eu tinha ouvido muito bem ontem a entrevista do Dr. Marcelo, com este a falar belicosamente no “tiro no pé” do governo que constituiu mais aquela farsa de uma sessão vazia e inútil, pois nada adiantara ao que já se sabia, além do aparato governativo em se deslocar inexplicavelmente, a Alcobaça e o seu Mosteiro, com a frota automóvel - e policial, ao que parece - quando poderia tê-la realizado mais economicamente embora com os mesmos apupos e impropérios em S. Bento, “que o peito acendem e a cor ao gesto mudam”, nos costumes de hoje.
Isto frisou a minha amiga indignada, na esteira do que afirmou o Dr. Marcelo, com a sua fluência habitual, que o vazio da farsa – mas há quem lhe chame comédia, os mais roncadores preferindo a designação tragicomédia e os adamastores chorões e ramelosos assentando as suas injúrias numa definitiva designação de tragédia – de qualquer forma, o vazio definitivo –quanto a mim, inexplicável – constituía um tiro no pé de Passos Coelho e da comitiva que parece que não se rala, pois até o Dr. Portas, diz-se, comprou lá rebuçados, não sei se para a tosse, que não conheço as especialidades doces de Alcobaça.
 
O que eu respondi à minha amiga foi aquilo de que me lembrei, assim que ouvi a referência desgostosa do Dr. Marcelo ao autotiro, como ele classificou a ida do governo a Alcobaça para nada. Lembrei-me de que a culpada disso fora a Maria de Lurdes Resende que se fartou de explicar em tempos que quem passasse por Alcobaça havia de lá voltar, e isso fizeram os do governo que lá voltaram, embora eu julgue que alguns o fizeram pela primeira vez.
Que a isto de viajar para longe inutilmente, a maior parte das vezes pela primeira vez, por conta dos impostos plebeus, estão todos os governos habituados e este não ia ficar atrás deles, e até com mais economia. Até, se tivessem ido de autocarro de carreira, não deixariam de fazer a viagem a cantar a “Alcobaça” da Maria de Lurdes Resende, do Maestro Bello Marques e do Poeta Silva Tavares:
Quem passa por Alcobaça
Não passa sem lá voltar.
Por mais que tente e que faça,
É lembrança que não passa
Porque não pode passar.

 Não se esquece facilmente,
Dos seus mercados a graça.
E o seu Mosteiro imponente
Recorda constantemente,
É lembrança que não passa.
 
Por mais que tente e que faça
Ninguém se pode esquecer,
Das margens do Rio Baça,
Nem do Alcoa que passa
Por ser mais lindo de ver.

 Sua lembrança não passa,
Porque não pode passar
Por mais que tente e que faça,
Quem passa por Alcobaça
Tem que por força voltar.

 E foi assim que a minha amiga se reconciliou com a vida, pois com a sua linda voz reavivou recordações de épocas mais brandas, este último adjectivo trazendo-me  à ideia saudosista a ”Saudade dada“ de Fernando Pessoa. Que é o que se leva desta vida, “o que se brinca, ai, ai”, mesmo que seja aliterativamente falando, ou antes, poetando, como o fez Pessoa:
SAUDADE DADA

Em horas inda louras, lindas
Clorindas e Belindas, brandas,
Brincam no tempo das berlindas,
As vindas vendo das varandas.
De onde ouvem vir a rir as vindas
Fitam a fio as frias bandas.

Mas em torno à tarde se entorna
A atordoar o ar que arde
Que a eterna tarde já não torna!
E em tom de atoarda todo o alarde
Do adornado ardor transtorna
No ar de torpor da tarda tarde.

E há nevoentos desencantos
Dos encantos dos pensamentos
Nos santos lentos dos recantos
Dos bentos cantos dos conventos...
Prantos de intentos, lentos, tantos
Que encantam os atentos ventos.

 

sábado, 22 de junho de 2013

«Proh Pudor!»

Andava eu no meu primeiro ano do liceu, talvez em 46 ou já 47, quando os alunos mais velhos fizeram greve às aulas. Estávamos na Secção feminina do Liceu Salazar em Lourenço Marques - que posteriormente virou Escola Comercial, onde leccionei de 63 a 74 – e lembro o susto que apanhámos acompanhado do sentimento de admiração embasbacada pelas moças altas e arrojadas dos quartos e quintos anos que assim se rebelavam contra a autoridade docente que jamais nós, pequenitas, pensaríamos contestar. Recordo, sobretudo, o Dr. António Barradas, nosso excelso professor de Ciências Naturais, afadigando-se de umas turmas para outras, obrigando as faltosas a entrar nas suas salas, até que tudo ficou apaziguado e prosseguimos a nossa aula, donde ele saíra intempestivamente a pôr ordem no rebanho. Não me lembro se a imprensa escrita – em nossa casa não havia ainda rádio então, o primeiro e o segundo rádios que possuímos tendo sido ganhos em primeiro prémio pelo meu pai, em dois concursos de marcas de cigarros em épocas próximas, pelos meus treze e catorze anos – deu então grande relevo à greve dos alunos às aulas, mas julgo que não, o que confirma a argumentação de Isaías Afonso, do texto infra, contido no blog “A Bem da Nação”, sobre a discrição e mesmo secretismo relativamente às notícias sensacionalistas perturbadoras da paz pública a que posteriormente se apelidou de paz podre, desses tempos de uma ditadura que mal senti, bafejada por um governo que respeitou a minha infância de brincadeira e estudo em liberdade e posteriormente me ajudou em estudos superiores em Coimbra, com uma bolsa e isenção de propinas obtidas pelo mérito da média das notas superiores a 13 valores, além da deslocação gratuita por barco para a Metrópole.

Em Coimbra também soube de protestos de alunos da Associação Académica, mas era aluna cumpridora, e tinha sido educada na obediência às normas impostas por uma política resumível na frase de Salazar que encontrei mais tarde afixada num dos patamares da escadaria no liceu de Aveiro, onde leccionei pela primeira vez: “Se tu soubesses o que custa mandar gostarias de obedecer toda a vida” que na Internet leio como constituindo o Decreto nº 21.014 de 19 de Março de 1932.

Sim, as notícias de escândalo político ou outros mais eram abafadas nesses tempos, o povo trabalhava e obedecia, o governo governava e mandava, as denúncias sobre os vários desvios eram suficientemente discretas para evitar especulações e exaltações que pusessem em causa a ordem do sistema. Na sombra ou na clandestinidade, marulhavam os fautores das desordens, presentes e futuras, mais ou menos abafadas pela polícia política, mantenedora da paz.

            A reviravolta surgiu, caucionada pela força de um quarto poder mediático que rebentou com os três que mantinham a decência e a ordem, fossem estas ou não aparentes, subjugadas por uma hipocrisia danosa, ao que se dizia, em forma de ataque e desculpabilização do “nada na manga” igualmente fictício da transparência actual, que não evitou as desordens e corrupção em que vivemos hoje ancorados.

O texto de Isaías Afonso é suficientemente claro e decisivo sobre o estado de denúncia dos modernos tempos, sem que nos pesem na consciência “coisas que terei pudor de contar seja a quem for” que José Régio tão bem escreveu e Villaret tão bem declamou, que Cesário Verde não se importou já de traduzir, num sensacionalismo realista de deboche no seu “Proh Pudor”, denúncia fruto da inveja, segundo Isaías Afonso:

«A CRISE E A DENÚNCIA»

«No antigo regime quase tudo constituía segredo. Se havia um incêndio que provocasse um número elevado de mortes não era dada a noticia para não perturbar o sentimento das pessoas. Se acontecesse uma inundação por excesso de precipitação ou devido ao aumento do caudal dum rio e que desse origem a devastações, a noticia a transmitir à população era reservada e sem pormenores para não causar constrangimentos emocionais. Um atentado a um político, um movimento grevista, uma manifestação de rua, uma perseguição policial a amigos do alheio, uma opinião contra o Governo, eram objecto de censura para não alarmar o povo.

O antigo regime protegia a tranquilidade dos habitantes e protegia-se a si próprio, não fosse a opinião pública tornar-se uma realidade e exigisse a transparência dos seus actos. O sossego imposto era encarado como um atentado à liberdade, sempre apregoado pelos arautos da Democracia.
 
Implantada a Democracia, passou a usar-se a denúncia e a inveja com toda a "transparência".

Hoje, tudo se denuncia. A denúncia era um dos elementos característicos dos regimes comunistas como o foi nos regimes fascistas em que nenhum cidadão estaria ao abrigo desse acto cobarde. Contudo, a denúncia também hoje faz parte dos regimes democráticos como o português.

O meu vizinho tem um chorudo salário, contrário ao regime de crise e austeridade em que o país está mergulhado. Deve ser denunciado à opinião pública. O gestor dum banco intervencionado tem um salário escandaloso contrário ao discurso do PM que afirmou que tínhamos de empobrecer. Deve ser denunciado.
O deputado fugiu ao fisco, enviando capitais para "offshores". Deve ser denunciado. Aquela empresa teve lucros fabulosos tendo dividendos extraordinários para os seus accionistas. Deve ser denunciada porque é imoral tão avultada distribuição de lucros num momento de tamanha crise. Deve ser denunciado. E o que dizer daquele patrão que adquiriu um carro de grande cilindrada não se sabendo se foi com manigância ou por qualquer outra razão escondida. Deve ser denunciado.

Porém, no tempo em que não tínhamos esta actual taxa fiscal, no tempo em que não se verificava diminuição da massa salarial, no tempo em que não era preciso descontar taxas de solidariedade, no tempo em que se recebia 13°e 14° meses, no tempo em que tínhamos acesso a crédito e que até nos pediam para contrairmos empréstimos, no tempo em que passávamos férias no estrangeiro, que comprávamos casa, que a mobilávamos com todo o conforto e com toda a aparelhagem sofisticada de som e imagem, no tempo do bem-estar virtual, não era preciso praticar a denúncia nem tão pouco ter inveja dos luxos dos vizinhos. Ninguém pensava na denúncia.

Hoje a transparência dos actos exige a denúncia. Toda a comunicação social se regala com o processo das denúncias. A denúncia, com todos os adornos da democracia, faz vender e obter lucros.

Nos regimes comunistas eram heróis do regime os meninos que denunciavam os pais com ideias contra o Partido ou contra o Estado. Nos regimes democráticos a denúncia deve ser praticada com transparência para não se assemelhar à denúncia comunista.
Com crises não há acto que não seja objecto de denúncia.

O curioso é que A DENÚNCIA É DERIVADA DA INVEJA

20 de Maio de 2013

Isaías Afonso

 

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Revivescência

Um texto de Isaías Afonso do blog “A Bem da Nação” com cujos argumentos compactuo, na vil tristeza de um país apagado e conduzido pelos berros da anormalidade já vivida anteriormente e regressando na força da injúria , do desalinho, da reclamação, da deseducação, do desrespeito, da malquerença, da falsa solidariedade.

O povo em força reclama, esteja ou não a sofrer, a “maioria silenciosa” daqueles tempos revolucionários tendo-se extinguido, substituída pela maioria ululante, que quarenta anos de laxismo imposto e de fartura provinda do exterior transformaram irremediavelmente nisto a que assistimos, bem salvaguardado numa Constituição que todos os partidos reclamam, com receio de fazer explodir as conquistas libertárias de abril, o bom senso definitivamente extinto, de par com o bom gosto.

«TERRORISMO NA EDUCAÇÃO»

«A comunagem dos docentes anda em êxtase com a greve aos exames. Como não conseguem derrubar o governo através do Parlamento ou pela intervenção do Presidente da República, procuram pela via terrorista fazê-lo na rua em manifestações ou sabotando os exames dos alunos ou ainda pela organização de inquéritos em manobras que têm de merecer respostas adequadas pois, como redacção introdutória, definem a greve como acção de glória.
 
Há verdadeiros terroristas no ensino, os quais andam formatando o cérebro dos alunos para que estes se transformem também à sua imagem e semelhança. Torna-se, por isso, urgente e necessário levar a efeito acções de apoio ao Ministro Nuno Crato para que avance, o mais rapidamente possível, com as reformas adequadas de forma a limpar o sistema dos terroristas ali infiltrados pois, alinhando com as teses do PCP, através da FENPROF, não podem continuar a denegrir aqueles docentes que querem e procuram dar o seu melhor em prol da eficácia do ensino em Portugal.

Um país em crise necessita da conjunção de esforços de todos aqueles portugueses que colocam Portugal em primeiro lugar e só depois os seus interesses, ainda que eles se apresentem legítimos.

Há momentos adequados para a sua discussão com vista a encontrar-se soluções satisfatórias. É preciso, por conseguinte, levar a efeito manifestações e movimentações de forma a poder enfrentar-se a tentativa do derrube do Governo pela via revolucionária como desejam os terroristas que dizem ser professores.

E se se tornar imperativa a confrontação, esta é uma das acções como resposta necessária para pacificar a situação com vista à normalidade.»

 

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Abrangência

A minha admiração por Clara Ferreira Alves já a manifestei em livro, no Prefácio de “O Maravilhoso Mundo das Lendas de Santos de Eça de Queirós”, publicado em 2010 pela Chiado Editora, a propósito da teoria da imitação:

«No nosso século XX, de Fernando Pessoa e suas várias facetas, tão imbuídas de conceitos, alguns dos quais também contidos no “Fausto” de Goethe (cf. “Ode Triunfal” de Álvaro de Campos) às crónicas cheias de rigor, reflexão, subtileza crítica, riqueza humana e literária, de Clara Ferreira Alves, quem pode isolar-se de contágios literários, para mais numa época mediática em que a informação se impõe em níveis que reclamam dons extraordinários de absorção e análise, se escritores se concentram em torno de ideais e temáticas comuns, se se agrupam em torno de revistas que lhes condicionam o estro, de que terão que se furtar se pretenderem uma autonomia mais de acordo com as suas potencialidades? Miguel Torga assim o fez, Vergílio Ferreira, numa marcha constante de experimentalismo literário, foi sucessivamente tentando novas técnicas - de neo-realismo, de existencialismo, de “nouveau roman” - de acordo com as correntes nacionais ou estrangeiras. E se é certo que Agustina Bessa Luís parece isolada num universo romanesco muito pessoal, construído laboriosamente e requintadamente, com certeza não é estranho ao seu processo diegético o desfiar arrastado da narrativa de precisão realista de Flaubert, a de Proust e o seu “tempo da memória” ou “durée” de Bergson, as narrativas rurais que a motivaram, de Camilo, de George Sand, e tantos mais… »

            O texto de Clara Ferreira Alves, que segue, extraído da Revista “Única” do “Expresso” desta semana é bem exemplo de outros muitos que a sua “Pluma Caprichosa” ali tem publicado, revelador de autêntico domínio na arte da sátira, da retórica e da prosódia, unido a informação livresca e viageira que a sua inteligência acutilante alia a uma sensibilidade crítica admiravelmente atenta ao mundo.

Leio-a desde que a conheço, ouço-a – agora menos, pelo atropelo pretensioso e ruidoso de alguns dos parceiros do programa “Eixo do Mal” no exibicionismo de uma orientação viperina a que falta o reconhecimento da tarefa exaustiva de um Governo que parece querer reatar uma tradição de comedimento económico mais virtuoso, princípio que nenhum dos parceiros do programa reconhece, por necessário que pareça ser a um recomeço menos enredado.

Trata-se de um texto literariamente argumentativo, de técnica circular, o fim retomando o princípio, em que o “nós” dos enunciados negativos paralelos representam a multiplicidade de pontos de vista da “gente” portuguesa mais ou menos tratada com a altivez doutoral do seu saber imodesto, mas que a inclui também, necessariamente, em tantas das razões apresentadas, e o enunciado positivo do início e do fim do texto, apresenta o retrato irónico de todo um povo imaturo, preguiçoso e confiante, construindo a vida à base da fé e da esperança na manhã de nevoeiro salvadora.

O texto:

«O Veneno»

«Confiamos na meteorologia e no futebol. Na astrologia e no Euromilhões. Na sorte e no azar. Confiamos em tudo o que está longe.

Em quem confiamos? Não confiamos nas instituições democráticas porque estão desvirtuadas; não confiamos nos tribunais porque achamos que a justiça não é distribuída, existe a dos ricos e a dos pobres (que faz com que Duarte Lima e Oliveira Costa estejam no conforto das casas e os condenados por pequenas fraudes e burlas estejam em prisões nacionais); não confiamos na banca que está cheia de bonificações e vazia de consciência; não confiamos nos jornalistas porque estão corrompidos pelo poder ou coagidos pelas administrações que exercem a autocensura e a punição administrativa e pecuniária; não confiamos na lei porque se a desobediência é recompensada no topo, a ilegalidade de base deve ser praticada como medida de compensação; não confiamos no emprego porque corremos todo o tempo o risco de ficar sem o emprego que temos e porque a intuição e o credo dominante nos dizem que todo o emprego que temos pode ser convertido num desemprego (para nos manter ágeis e activos e seguros pelas pontas); não confiamos nas poupanças porque a União Europeia pode decretar a todo o tempo que as nossas poupanças são as poupanças deles e usá-las para pagar resgates e afins; não confiamos nos professores porque o sistema está viciado e porque fazem greves; não confiamos nos estudantes porque não querem estudar; não confiamos nos velhos porque consomem o futuro dos novos; não confiamos nos novos porque consomem o presente dos futuros velhos; não confiamos nos desempregados porque não têm poder e não servem para nada; não confiamos nos jovens porque não se esforçam o suficiente e não são empreendedores (e não montam indústrias entre os 15 anos e os 20 anoa); não confiamos nos transportes públicos porque estão sempre em greve; não confiamos nos gestores públicos porque fazem swaps e levam as empresas públicas à falência, que por sua vez causam diminuição de salários e despedimentos que por sua vez causam greves; não confiamos no casamento porque sem dinheiro os divórcios aumentam; não confiamos na maternidade (nem na paternidade) porque sem dinheiro os filhos pesam; não confiamos no fisco porque é como a justiça, existe um para os ricos e outro para os pobres (existe um para os assalariados e outro para os banqueiros (e mais ricos de Portugal); não confiamos nos políticos porque nos mentem e nos roubam; não confiamos nos governos nem nas oposições porque só querem poleiro; não confiamos nos filhos porque quando têm 20 anos (e não estão a criar empresas) também nos mentem mas em pequeníssimas quantidades e com o nosso consentimento (quase sempre às quintas-feiras à noite); não confiamos nos patrões porque nos querem despedir; não confiamos nos chefes porque nos querem torturar; não confiamos nos colegas porque nos querem ultrapassar; não confiamos nos artistas porque gastam o dinheiro dos nossos impostos; não confiamos nos governos porque dão o dinheiro dos nossos impostos a gente em quem não confiamos; não confiamos no clima porque acabaram as estações do ano e o planeta está a aquecer e sufocar-nos; não confiamos na comida porque está cheia de pesticidas; não confiamos nos médicos públicos porque se fossem bons estavam no privado; não confiamos nos médicos privados porque se fossem bons trabalhavam no sistema público; não confiamos nos hospitais porque nos tratam mal; não confiamos nos empreiteiros porque corrompem os presidentes de câmaras; não confiamos nos presidentes de câmaras porque fazem negócios escuros com os empreiteiros; não confiamos em obras públicas porque são derrapagens; não confiamos em obras privadas porque são sempre e também públicas (e nós é que pagamos); não confiamos na polícia porque não (excepto um e demorou) prende os empreiteiros nem os presidentes das câmaras; não confiamos nas privatizações nem nas reestruturações; não confiamos no sol porque faz cancro; não confiamos no mar porque está poluído; não confiamos nos medicamentos porque a indústria farmacêutica é uma máfia; não confiamos nos antibióticos porque deixaram de fazer efeito (tal como os sedativos e antidepressivos); não confiamos no ar porque faz alergias; não confiamos nos ricos porque nos querem oprimir; não confiamos nos pobres porque nos querem pedir; não confiamos no Acordo Ortográfico nem em nenhum acordo; não confiamos em pactos, contratos, orçamentos, previsões; não confiamos em ninguém porque desconfiamos uns dos outros. Confiamos no que dizem as televisões e os telemóveis. Nos carros e nos computadores. Nos actores. No Google e no YouTube. Nos mil amigos Facebook. No Justin Bieber e na Rihanna. No nosso cão. E gato (nem sempre). Confiamos na meteorologia e no futebol. Na astrologia e no Euromilhões. Na sorte e azar. Confiamos em tudo o que está longe e não depende de nós.»

           

domingo, 16 de junho de 2013

Uma questão de ratio

Um texto – de Henrique Raposo - que denuncia claramente quanto há décadas vivemos num mundo de patranha, criado por uma Constituição orientada segundo os princípios de um socialismo palreiro e castrador, obstáculo a uma orientação política mais cordata que reponha os princípios do respeito pelo indivíduo e simultaneamente por normas de ética orientada por um ideal de justiça que parece terem desaparecido sob a revoada de abutres em torno do cadáver da pátria e dos que forcejam ainda por a manter dentro de normas de decência criadora de confiança.

            Todos falam em direitos adquiridos sem terem em conta as verdades citadas no texto de Henrique Raposo sobre uma enorme desproporção entre os dinheiros despendidos em pensões de Reforma e o angariado pelos trabalhadores no activo, sujeitos a cortes excessivos para os impostos onerantes, ou com pensões de miséria inibidoras de um desenvolvimento social equilibrado.

            Vivemos em estado de uma cada vez maior catalepsia, de olhos fechados a uma realidade incómoda para a qual todos contribuímos e não nos esforçamos por resolver, em interapoio necessário, mas que vamos agravando com os nossos brados de exigências e as nossas provocações denunciadoras de uma miséria espiritual maior que a própria miséria económica:

«A FARSA DO SOCIALISMO»

«A REALIDADE É INCONSTITUCIONAL»
«Para os nossos diferentes socialistas, do BE ao PS, não é o socialismo que está em causa. A realidade é que está errada. A realidade que mostra os efeitos do socialismo só pode ser um erro, não é verdade? Não por acaso, esta boa gente vê "neoliberalismo" onde só existe a falência do socialismo que nos apascenta há décadas. E qual vai ser o resultado final deste estado de negação narcótica?

Decreta-se que a realidade é inconstitucional. Não, não senhor, o sistema de pensões está bom, dizer o contrário é cair no "neoliberalismo"; não, não é preciso cortar as reformas, os mais novos que sustentem as pensões dos mais velhos através das contribuições pornograficamente altas. Sim, têm de pagar, seja qual for a vitalidade demográfica da sociedade. O rácio reformado/trabalhador está em 1 para 1,57 mas não faz mal. Paguem e acabou.

 Esta posição intelectualmente insustentável resulta de um equívoco progressista que está no centro do regime: o "princípio da proibição do retrocesso social", um princípio que tem o efeito perverso de equipar os direitos constitucionais do Estado de Direito ao dinheiro distribuído pelo Estado Social. Porque é que é perverso? Porque o Estado Social depende da riqueza produzida pela sociedade e não de leis que procuram garantir juridicamente aquilo que não tem garantia jurídica possível. Seja qual for a sua Constituição, uma sociedade só pode criar e manter um Estado Social se gerar riqueza e renovação geracional. As liberdades políticas, civis e religiosas, sim, podem ser defendidas juridicamente, porque não dependem de qualquer condição material. Mas os direitos sociais só podem ser defendidos através da criação de riqueza e da revitalização demográfica. Isto não é matéria de opinião.

 As Constituições não criam riqueza, só criam liberdades. Dizer o contrário é entrar em falácias que não levam a lado nenhum, ou melhor, levam à bancarrota. Três vezes em menos de 40 anos, para sermos exactos. Mas, como é óbvio, este baixo mundo da matéria não interessa à nação constitucionalíssima.

4 de Abril de 2013

Henrique Raposo

 

sábado, 15 de junho de 2013

O "fulgor baço" histórico em síntese


São de  Isaías Afonso as excelentes páginas de síntese crítica da nossa história nacional, publicadas no blog “A Bem da Nação”. Sobre a formação e vicissitudes de um império marítimo que se desmoronou, trazendo, em consequência, a nossa redução pecuniária com, portuguesinhos resistentes, uma ampliação de ambições e corrupções à medida não das nossas reduzidas posses mas de uma alargada e progressiva dimensão na enxurrada da perda de escrúpulos engravatada, em clima de impunidade.

Páginas da nossa história, páginas da nossa desesperança, do nosso medo, da nossa poltronaria contra os actuais líderes dos movimentos de revolta em peso, que se saracoteiam rosnando em pujança, vaidosos dos rebanhos que angariaram para mais depressa liquidarem a nação:

 «A HISTORIA DO DESIGNIO NACIONAL»

«Portugal começou a ter a "noção de império" com o nosso monarca D. João II, quando adoptou a "Doutrina do Mare Clausum", isto é, ninguém podia navegar nos mares descobertos pelos portugueses, sem autorização do rei de Portugal, e a "Politica de Sigilo",em que ninguém podia divulgar os mares onde Portugal navegava nem dar a conhecer a cartografia portuguesa.

O próprio Tratado de Tordesilhas só foi possível alargar o espaço a nosso favor, contrariamente ao que pretendiam os Reis Católicos de Espanha, pelo conhecimento que possuímos das regiões onde as nossas naus sulcavam os mares.

Esta noção ou a "questão colonial" nunca esteve ausente das nossas revoluções e o titulo atribuído a D. Manuel I apenas consolida essa noção, alargando o titulo simples de D. Afonso III, Rei de Portugal e dos Algarves, até ao de Senhor do Comércio e da Navegação, da Guiné, da Arábia, da Pérsia e da Índia.

Vejamos as nossas revoluções principais e acontecimentos históricos sempre ligados ao problema colonial.
 

Comecemos por 1640 que levou à expulsão de Filipe III de Portugal e IV de Espanha. A governação filipina tinha abandonado a defesa das nossas colónias e uma parte do Brasil, de Angola e de S. Tomé já se encontravam na posse dos holandeses. Assim, fez-se a revolução não só para expulsar o Filipe, mas também para recuperar esses territórios. Os próprios " colonos brasileiros" libertam o Brasil e pagam as despesas da armada de Salvador Correia de Sá e Benevides que vai libertar Angola. Os holandeses abandonam S. Tomé, quando têm conhecimento da queda de Angola. Voltava, deste modo, à posse portuguesa o "Triângulo da Escravatura".

Vejamos a Revolução de 1820 dirigida pelo Juiz Desembargador do Tribunal da Relação do Porto, Manuel Fernandes Tomás, com o apoio da Loja Maçónica Sinédrio. A intenção da revolução não era apenas expulsar o inglês William Beresford, substituir a Monarquia Absoluta pela Monarquia Constitucional, mas havia igualmente subjacente uma "questão colonial".Estamos convencidos que já em 1817,com a tentativa do General Gomes Freire de Andrade, enforcado nos Campos Mártires da Pátria, havia as mesmas intenções. A Família Real abandonara Portugal, quando das Invasões Napoleónicas, a caminho do Brasil. A longa permanência neste território levou à elevação do Brasil à categoria de Reino. As transacções comerciais já se faziam directamente com a Europa sem passar por Portugal, o que prejudicou claramente os interesses burgueses do nosso país. A Família Real foi obrigada a regressar a Portugal e o Brasil voltou a ser colónia, sendo restabelecido o anterior circuito comercial. É verdade que foi de curta duração, pois o Grito do Ipiranga levou à Independência do Brasil em 1822 e ao seu reconhecimento em 1825.

Analisemos a implantação da República em 5 de Outubro de 1910.Ela resultou das dificuldades de governação da Monarquia Constitucional, mas igualmente derivou dum "problema colonial", relacionado com o Ultimatum Inglês de 1890 ou com a "Questão do Mapa Cor de Rosa". O território entre Angola e Moçambique era pertença de Portugal, onde tínhamos uma pequena presença militar. O território era conhecido pelo Chire, nome do rio, e que dava acesso ao Chinde. A Inglaterra pretendeu construir uma linha de caminho de ferro, desde o Cabo até ao Cairo, a qual atravessaria a região citada. Deu 48 horas ao nosso Rei D. Carlos para abandonarmos aquela região, pois ser-nos-ia declarada guerra, se o não fizéssemos. O monarca cedeu, mandando retirar a força militar. Os partidários da República aproveitaram a fraqueza do monarca e armaram a mão do Buiça, que assassinou o Rei e o filho mais velho Luis Filipe, ferindo também D. Manuel, no Terreiro do Paço, quando o monarca regressava duma caçada em Vila Viçosa. O novo Rei não resistiu à Revolta de 5 de Outubro de 1910,onde a Loja Maçónica Carbonária teve real influência.

Aproveitemos também o caso da Primeira Guerra Mundial relacionada com as colónias portuguesas. A Primeira República, durante o conflito, sempre defendeu os nossos territórios de África duma possível investida alemã. Por esse motivo, Afonso Costa foi à Conferência de Versailles, depois do final da guerra, exigir o pagamento de indemnizações de guerra à Alemanha, citando a nossa presença em La Lys e a defesa das colónias portuguesas. Na primeira República apenas um deputado fez uma proposta da venda de Angola, que foi rejeitada.

 Passemos à Segunda Guerra Mundial. Salazar adoptou a "neutralidade colaborante" no conflito, que os portugueses aplaudiram e agradeceram. Procurou, desta forma, em caso de vitória ou dos Aliados ou do Eixo poder preservar o "império colonial". Vislumbrando a vitória aliada, cedo influenciou favoravelmente os Aliados para a questão da preservação do império e a concessão da base dos Açores aos americanos insere-se na ideia da defesa e da preservação do império português.

As promessas dos aliados aos povos que ajudaram no conflito foram as independências das colónias. Chamaram a esse facto os "Ventos da História". O termo "colonização", de forte conotação cultural e civilizacional, foi substituído por "colonialismo", com implicações "imperialistas" de domínio e exploração. A colonização é posta em causa precisamente pelos países, de grande potência militar, nomeadamente a ex-URSS, os USA, a China e vários países europeus. Duma forma geral, todos possuíam colónias, a que chamavam zonas de influência estratégica. Sobressaíam a URSS com os países satélites sob o seu domínio e os USA também com "la main mise" sobre países tutelados politica e economicamente.

Fazem-se descolonizações apressadas, a chamada segunda vaga de descolonizações, depois de alguns conflitos com os descolonizados e a normalidade nunca mais voltou aos novos independentes, onde predominaram ditaduras cada vez mais sanguinárias.

Portugal recusou a independência das suas colónias ou das suas Províncias Ultramarinas ou Estados, dentro do princípio do seu "DESIGNIO NACIONAL" que já vinha desde D. João II.

O Estado da Índia é invadido pelas tropas do Pandit Nehru e Goa, Damão, Diu, Dadrá e Nagar Aveli são ocupados pela força, apesar da heroicidade dum Aniceto do Rosário ou de termos ganho a questão da Índia no Tribunal da Haia. O direito da força sobrepôs-se à força do direito.

 Em 4 de Fevereiro de 1961 e 15 de Março do mesmo ano, Angola sofre o ataque à esquadra da policia da Estrada de Catete por elementos afectos ao MPLA e ao ataque terrorista da UPA, mais tarde FNLA, no norte de Angola, onde foram chacinados barbaramente cerca de cinco mil portugueses, desde brancos, mulatos e negros, o que levou ao primeiro êxodo de Angola para Portugal. Seguiu-se depois Moçambique e Guiné-Bissau. Tudo isto aliado à "pirataria" do navio Santa Maria, com Henrique Galvão.

 Salazar, dentro do princípio do "DESIGNIO NACIONAL" recusou ceder às pretensões do General Botelho Moniz, em 1961, para o demitir e entrar em negociações com os terroristas. Dá-se o ataque ao Quartel de Beja por elementos da oposição em nome da luta contra o fascismo. Juguladas as intentonas, Salazar assume o "rapidamente e em força para Angola".

 Começa a Guerra Colonial ou do Ultramar. Em Abril de 74 a revolução é anti-colonial e a guerra de 13 anos termina. Adopta-se um processo de descolonização que configura traição à Pátria e aos povos descolonizados. Os seus autores chamaram-lhe "descolonização exemplar". Como não tivesse sido passaram a denominá-la como "descolonização possível" para finalmente ter sido uma "tragédia" como a definiu Melo Antunes, quase à hora da morte.
 
O processo de descolonização cingiu-se a passar o poder de Portugal para movimentos comunistas, como o PAIGC, o MDLSTP, o MPLA, a FRELIMO e a FRETILIN, desprezando-se outros movimentos como a UNITA e FNLA, a RENAMO ou a UDT e APODETI.A guerra continuou em Angola, em Moçambique e em Timor e na  

Amputar o espaço geográfico e económico num ano criou a indigência de Portugal e situações ditatoriais nos descolonizados.

 Terminou, da pior maneira, o DESIGNIO NACIONAL" e a guerra de 13 anos não estava de molde a fazer-se o entreguismo miserável que se praticou. Havia dificuldades ainda na Guiné, porque perdêramos o controlo do ar, mas em Angola a guerra estava ganha e Moçambique para lá se caminhava.

 O DESIGNIO NACIONAL hoje é a UE. Enquanto foi fornecedora de dinheiro a UE foi o tesouro de Ali Babá. Hoje apenas restam os ladrões e os portugueses que aplaudiram o fim da Guerra do Ultramar atiram-se ferozmente a quem nos quer impor uma disciplina orçamental para evitar que continuemos a ser apenas dissipadores.

Mas quem é que quer fazer sacrifícios nos tempos que decorrem, quando habituaram os portugueses à riqueza virtual???