quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Lição de economia


Mais uma “Conversa de Esplanada” de Henrique Salles da Fonseca, desta vez sobre prodigalidades, poupanças, formas de governar, expectativas de soluções para desgovernos, com o habitual sentido crítico e o pão-pão, queijo-queijo da simplicidade e da frontalidade sem ilusões:

A BOMBEIRA VOLUNTÁRIA
Ele – Bom dia! Também cheguei agora mesmo, há um ou dois minutos.
Eu – Bom dia! Rico dia, este. Os tipos da vela não devem achar graça à falta de vento mas a nós não faz falta nenhuma.
Ele – Fiquei a pensar naquilo que me disse ontem sobre a crise. De facto, com tantos barcos de recreio aqui no Tejo, há muito mais gente a viver confortavelmente do que os jornalistas dão a entender.
Eu – Nada melhor do que vermos por nós mesmos. E se for ao Douro, à Ria de Aveiro ou ao Guadiana há-de ver outros tantos ou mais. Fora os que já navegam a sério, no mar.
Ele – De qualquer modo, não podemos generalizar.
Eu – Claro que não! Sugiro-lhe que passe à noite pelo Bairro Alto para ver a facilidade com que os jovens gastam numa noite o equivalente às propinas que não querem pagar.
Ele – Mas esses são os «meninos ricos».
Eu – Então, feliz país que tem tantos ricos.
Ele – Então como se explicam as manifestações de protesto?
Eu – Manipulação pura. Veja como essas manifestações são sempre encabeçadas por membros do Comité Central do PCP ou por dirigentes do Bloco. Teatro puro e manipulação de telejornais. Mais uma vez, jornalismo do pior que se pode imaginar. A TVI deu há dias mais de meia hora de tempo de antena a um cantor de óculos escuros que só falou de política para dizer que isto está uma desgraça; um dia destes é o Dr. Mário Soares que também lá vai cantar uma modinha, das de protesto, claro! A comunicação social não perde uma oportunidade para dizer que tudo são desgraças. Concordo: a começar por eles próprios.
Ele – Mas por que é que os donos das televisões privadas deixam que isso aconteça?
Eu – Pergunte-lhes. Mas eu dou-lhe já duas pistas: têm medo de que se diga que há censura interna ou concordam com essa destabilização. Portanto, escolha entre considerá-los medrosos ou terroristas.
Ele – Não acha isso um pouco forte?
Eu – Procure outras hipóteses mais benignas e diga-mas se e quando as encontrar. Ficarei muito satisfeito se me convencer de algo mais favorável do que a alternativa que lhe sugiro.
Ele – O empregado de mesa deve estar esquecido desta zona da esplanada.
Eu – Oh Senhor empregado! Quando puder, passe aqui, por favor.
Empregado de mesa – Vou já, vou já!
...
Empregado de mesa – Peço desculpa pela demora mas estou sozinho para todas as mesas. Era para ter entrado hoje ao serviço mais um empregado mas parece que não há quem queira trabalhar.
Ele – É porque o patrão paga pouco.
Empregado de mesa – Para que é que eles hão-de querer trabalhar se é muito melhor estar em casa a receber o subsídio de desemprego ou o rendimento garantido?
Ele – Acha que é isso?
Empregado de mesa – Pode ter a certeza, Cavalheiro. Já me chamaram parvo por vir trabalhar em vez de estar no Desemprego. Mas então, o que vai ser hoje?
Eu – Para mim, um café normal, um queque e uma garrafinha de água lisa, fresca.
Ele – Hoje vou querer o Favaios porque o de ontem soube-me muito bem.
Empregado de mesa – Muito bem, volto já.
Ele – Ontem ficámos no Bill Clinton, o tal «mau da fita» que entornou o balde das finanças.
Eu – Exacto!
Ele – Porque é que atira as culpas para cima do Clinton e não da Merkel?
Eu – Lembra-se da presidência do Clinton?
Ele – Lembro-me da Mónica Lewinski.
Eu – Bem... sim! Mas acredite que houve outras «coisas» durante a presidência dele com mais interesse para a nossa conversa.
Ele – Quero acreditar que sim mas não me lembro de nada em especial.
Eu – O Clinton, democrata, tem mais preocupações sociais do que os republicanos e uma das iniciativas políticas que ele teve foi a de declarar que todos os americanos deviam passar a ter casa própria. E mexeu os cordelinhos de tal maneira que a banca não teve outro remédio se não avançar para o crédito à habitação com um ímpeto que nunca tivera na sua já longa vida.
Ele – Ah, sim, estou a lembrar-me disso.
Eu – Os bancos passaram a dar crédito à habitação de um modo muito liberal. Apetece dizer que todo o «bicho careta» comprou casa mesmo sem merecer crédito.
Ele – Mas as casas ficavam hipotecadas ao Banco.
Eu – Claro!
Ele – E há melhor garantia do que essa?
Eu – Há!
Ele – Qual?
Eu – Uma casa que valha efectivamente o valor por que foi financiada.
Ele – E não era esse o caso?
Eu – Quando os devedores começaram a faltar ao serviço da dívida revelando que não mereciam o crédito a que tinham tido acesso, os bancos começaram a ficar com montanhas de créditos mal parados e a receber as casas em pagamento. E quando já tinham ruas e bairros completos de volta, começaram a tentar vender. E o que sucede numa situação dessas?
Ele – Os preços vêm por aí a baixo.
Eu – E o que é que entretanto os bancos tinham feito?
Ele – Já não me lembro.
Eu – Tinham vendido esses créditos (tóxicos) como se fossem «filet mignon» a uns quantos papalvos que se esqueceram de verificar a qualidade do «produto». E Você não precisa que eu lhe recorde o que foi o efeito multiplicador da vigarice, pois não?
Ele – Estou a lembrar-me, sim: a Reserva Federal puxou os cordões à bolsa e injectou uma pipa de massa para safar aquelas empresas que tinham nomes de actores de cinema...
Eu – Sim, sim, a Fanny Mae e a Freddie Mac. Duas grandes emissoras de títulos tuteladas pelo Governo americano, o federal. Mas tudo isto aconteceu já em pleno reinado de Bush II se bem que a origem do problema tenha um nome.
Ele – Bill Clinton.
Eu – Não há dúvida, o crédito não é um direito. Merece-se e tem-se; não se merece e não se tem. Tê-lo por decisão política, dá asneira.
Ele – E por que é que não fazemos o mesmo que os americanos?
Eu – Para além de que as rotativas americanas são muito mais pródigas que as da Eurolândia, o Clinton pôs a banca a fazer a demagogia política dele enquanto os políticos europeus não tiveram pejo em a fazerem sem intermediários e foi com dinheiros públicos que compraram os votos que os poderiam eternizar no Poder. Mas Deus escreve direito por linhas tortas e quando Clinton chegou ao fim do segundo e último mandato foi substituído por um republicano e na Europa os gastadores também não têm tido grandes motivos para risotas.
Ele – Na Europa estamos em austeridade por causa da Merkel.
Eu – Estamos em austeridade por várias razões e não vale a pena chamar-lhes nomes diferentes dos que elas têm. Começamos por não ter um pacto que dê corpo ao Petro-Euro enquanto os americanos têm o Petro-Dólar muito bem oleado. Na sociedade da informação em que o grosso da população está sobre-informada, não faz sentido a política das desvalorizações monetárias, discretas ou constantes (lembra-se do crawling peg do Vítor Constâncio quando era Ministro das Finanças?) pois os preços adaptam-se instantaneamente ao novo valor da moeda anulando quaisquer efeitos sobre a competitividade que a diferença cambial pudesse proporcionar; eis por que a política da moeda fraca não passa hoje de um bluff total que traz muitos inconvenientes (inflação, perda de poder de compra) e nenhuma vantagem. É por este tipo de realidades que a Eurolândia não optou por uma moeda fraca e, pelo contrário, quer um Euro que se dê ao respeito e que possa servir o entesouramento, ou seja, os capitais de origem terceira têm que continuar a afluir à Europa porque o Euro inspira confiança, é fiável. Isto obsta ab initio a injecções monetárias como o Fed fez para salvar os falidos americanos. A procura permanente de Dólares para pagar o petróleo urbi et orbe salva-lhe o câmbio. Mas há mais: já reparou quem são os mercados que financiam os défices públicos e obtêm juros por esses empréstimos?
Ele – São os ricos, os banqueiros.
Eu – São os bancos, não necessariamente os banqueiros, mas são também os pequenos aforradores, são os fundos de pensões que pagam as pensões a tantos velhinhos por aí além, são milhares e milhares de pessoas perfeitamente anónimas que pouparam umas maçarocas e compram e vendem títulos da dívida dos países que pedem emprestado. Portanto, os mercados somos todos nós que temos as nossas poupanças num banco qualquer e que não queremos que dê com os burrinhos na água para que possamos continuar a dormir tranquilos, sem pesadelos e muito menos termos insónias de preocupações. E também lhe digo que mais vale que os bancos vão ganhando alguma coisa para que não se vejam obrigados a debitar-nos ainda mais taxas para nos guardarem o dinheiro que lá pusemos.
Ele – Então eu sou mercado?
Eu – Indirectamente, é! Você é credor do seu banco, o seu banco trabalha com o seu dinheiro. Mas se não quiser ser mercado, ponha o dinheiro no colchão, deite-se em cima dele e não saia de lá nem para ir à missa.
Ele – E a Merkel?
Eu – A Merkel é a bombeira voluntária que anda a apagar o fogo a que os demagogos chamam redistribuição. Redistribuição da riqueza que não produzem, que procuram nos mercados e que, quando estes se baldam por falta de confiança e não necessariamente por falta de liquidez, estendem a mão à troika de quem não cessam de maldizer. E dizem mal dos mercados e da troika porque alguém lhes disse que os ricos é que têm que pagar a crise. Afinal, esses ricalhaços são Você e eu.
Ele – Vou daqui mais satisfeito com essa do ricalhaço. Até amanhã.
Eu – Até amanhã, colega ricalhaço.
 
 

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