quarta-feira, 13 de novembro de 2013

“O que se leva desta vida…”


 
Um belo texto de José Tolentino Mendonça, do blog “A Bem da Nação”, que comento:

 «O PESSIMISMO É MAIS FÁCIL»

A tradição ocidental não deixa margens para dúvidas na ligação que faz entre sabedoria e pessimismo.

Bastaria um daqueles inesquecíveis retratos de Rembrandt para nos dizer tudo: sábio é aquele que se senta na penumbra, olhando com ponderada distância para as ilusões de transparência que a luz e a existência acendem. O que não é propriamente algo que tenha mudado. Veja-se como mais facilmente o taciturno passa por sábio do que o homem alegre. E um espírito torturado e reticente arranca maior alcance e aplauso do que todos os que se esforçam por manter activa a esperança.

Há, de facto, um erro de avaliação que leva a considerar a jovialidade do optimista como característica espontânea de carácter, que nada deve à decisão, à maturação da vontade ou à tenacidade. Aliás, o mais comum é arrumar o optimismo na ingénua estação dos verdes anos (mesmo se ele persiste fora de época) e reservar o fruto comprovado da argúcia apenas para o seu oposto.

Juventude ociosa
Por tudo iludida
Por delicadeza
Perdi minha vida – é aviso de Rimbaud, garantem-nos.

No pessimismo, pelo contrário, nada se perde, pois somos levados a adivinhar aí um coerente processo de consciência, uma abrangência de análise sobre todas as variantes, um metabolismo sagaz da pequena e da grande história.

Contudo, o que realmente experimentamos é o avesso desta experiência, já que o pessimismo é, em muitas circunstâncias, a resposta mais fácil às solicitações do tempo. Os que só vislumbram doses colossais de ciência e de humanidade no pessimismo, esquecem quanto ele pode ser conformista, parcial ou insensível.

Certamente que o pessimismo desempenha uma função purgatória face às derivas, mas um mundo gerido por pessimistas talvez não nos levasse sequer a levantar âncora do porto.

Importa sublinhar que optimismo não é fatalmente leviano ou infundado (e não deveria sê-lo nunca).

Os optimistas autênticos não são os que desconhecem as razões que levam outros ao seu inverso, mas aqueles que dominando objectivamente o quadro do real mesmo assim o integram num projecto maior e paciente, onde os obstáculos podem constituir oportunidades.»

É, realmente, mais fácil ser-se pessimista, pelo menos no sentido em que nós por aqui somos, no bota-abaixo com que diariamente nos confrontamos, de uma maioria palavrosa, quer no parlamento, nos media ou na rua, sem dar margem à confiança numa acção governativa que ao que parece, depois de atravessar – e fazer atravessar – o purgatório – (para ficarmos no meio termo das sondagens sociais, o inferno de alguns muitos contrabalançado pelo paraíso dos muitos mais, segundo nos prova a circulação automóvel e nos supermercados, e outros esbanjamentos comprovativos) – depois de atravessar, pois, o purgatório das tentativas de reconstrução do nosso mundo em frangalhos, vai obtendo, ao que afirmam estudos feitos sobre a evolução económica, alguns resultados positivos, embora em pequena escala, mas logo contestados – ou ignorados - pelo nosso pessimismo destrutivo, que nos enaltece intelectualmente, no pressuposto de que faríamos melhor.

É verdade que o mal que vai neste mundo, a que diariamente assistimos, a maioria das vezes de longe, mereceria a nossa rebelião contra a injustiça dele e a nossa visão pessimista sobre um mundo mal feito por um Deus castigador. Mas essas análises são pertença dos filósofos.

É que, por outro lado, é tanta a beleza da Criação, que temos que estar gratos por isso, nos filhos que geramos, na natureza tão extraordinariamente multifacetada, na obra que o homem vai criando com a sua inteligência, na beleza do progresso que vai construindo, na sua tentativa de debelar o mal com a ciência que desenvolve  – quando, é certo, não gera um mal maior que o poderá destruir. Tanta coisa mais ainda nos poderia ajudar a confiar numa bondade superior, que pode permitir o optimismo, ou, no caso de sermos castigados pela vida, uma resignação de crença de que o Bem existe também.

Lembremos, entretanto, o samba brasileiro, para disfarçar:
 
 «O que se leva desta vida é o que se come, o que se bebe, o que se brinca, ai ai
O que se leva desta vida é o que se come, o que se bebe, o que se brinca, ai ai»

 

 

 

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