sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Deserto para camelos



Tenho uma prima em Pinheiro de Lafões, do concelho de Oliveira de Frades, que, quando há dias lhe perguntei, preocupada, como corriam as labaredas na zona de Vouzela e arredores, que os incêndios devastavam em pujança, segundo as reportagens televisivas, e as condolências e o minuto de pesar, da competência do Governo e do Parlamento – única ocasião de consenso, feito, aliás, de silêncio - pelos bombeiros mortos e outros sofrendo queimaduras - ela considerou que havia grandes interesses nestes desacatos nacionais, inexistentes nos tempos de Salazar. Roçavam-se as matas então, para o estrume dos campos e a cama dos gados, eu lembrei a participação infantil, da minha irmã e minha, na limpeza do pinhal próximo da nossa casa, os chamiços e a caruma que íamos buscar na canastrinha, para acender o lume, e evoquei a canção que se cantava nas escolas:

«Ó meninos plantai árvores
Para engrandecer a Nação,
Vós dizeis que viva a Pátria,
A Pátria do coração!
A Escola que há-de erguer-vos
À vida, à glória imortal,
Nós somos
A carne, os nervos, o sangue de Portugal.»


A minha prima também se lembrava de a ter cantado. Mas considerámos a falsidade dos dizeres nos tempos de hoje, quer na questão do amor pátrio, quer na questão da arboricultura, um e outra desfeitos em fumo, em várias frentes.

No blog A Bem da Nação, acabo de ler o artigo de José Gomes FerreiraA INDÚSTRIA DOS INCÊNDIOS – que nos esclarece amplamente sobre os comos e os porquês de tal flagelo.

Gomes Ferreira começa por se pôr perguntas de arguta análise, a que dá cabal resposta, envolvendo o conceito sintetizado no título, sobre a indústria incendiária, abrangendo interesses muitos, e contestando as acusações oficiais de crime de fogo posto, irresponsabilidade, vingança ou tendências artísticas contemplativas. Um texto claro que conclui com sugestões para o que se deveria fazer e não se faz. E com a informação do possível desastre final, caso se não reverta a situação, das nossas futuras semelhanças com o terreno marroquino.

Talvez fosse esse, todavia, um bom motivo para passarmos a distribuir – e desta vez sem metáfora - a ofensiva designação por muitos, que António Silva, zeloso pai e cidadão irascível, dirigiu a um só: “Ó seu camelo!”

O texto de José Gomes Ferreira:

 A.INDÚSTRIA DOS INCÊNDIOS

A evidência salta aos olhos: o país está a arder porque alguém quer que ele arda. Ou melhor, porque muita gente quer que ele arda. Há uma verdadeira indústria dos incêndios em Portugal. Há muita gente a beneficiar, directa ou indirectamente, da terra queimada.

Oficialmente, continua a correr a versão de que não há motivações económicas para a maioria dos incêndios. Oficialmente continua a ser dito que as ocorrências se devem a negligência ou ao simples prazer de ver o fogo. A maioria dos incendiários seriam pessoas mentalmente diminuídas.

Mas a tragédia não acontece por acaso. Vejamos:

1 - Porque é que o combate aéreo aos incêndios em Portugal é TOTALMENTE concessionado a empresas privadas, ao contrário do que acontece noutros países europeus da orla mediterrânica? Porque é que os testemunhos populares sobre o início de incêndios em várias frentes imediatamente após a passagem de aeronaves continuam sem investigação após tantos anos de ocorrências? Porque é que o Estado tem 700 milhões de euros para comprar dois submarinos e não tem metade dessa verba para comprar uma dúzia de aviões Cannadair? Porque é que há pilotos da Força Aérea formados para combater incêndios e que passam o Verão desocupados nos quartéis? Porque é que as Forças Armadas encomendaram novos helicópteros sem estarem adaptados ao combate a incêndios? Pode o país dar-se a esse luxo?

2 - A maior parte da madeira usada pelas celuloses para produzir pasta de papel pode ser utilizada após a passagem do fogo sem grandes perdas de qualidade. No entanto, os madeireiros pagam um terço do valor aos produtores florestais. Quem ganha com o negócio? Há poucas semanas foi detido mais um madeireiro intermediário na Zona Centro, por suspeita de fogo posto. Estranhamente, as autoridades continuam a dizer que não há motivações económicas nos incêndios...

3 - Se as autoridades não conhecem casos, muitos jornalistas deste país, sobretudo os que se especializaram na área do ambiente, podem indicar terrenos onde se registaram incêndios há poucos anos e que já estão urbanizados ou em vias de o ser, contra o que diz a lei.

4 - À redacção da SIC e de outros órgãos de informação chegaram cartas e telefonemas anónimos do seguinte teor: "enquanto houver reservas de caça associativa e turística em Portugal, o país vai continuar a arder". Uma clara vingança de quem não quer pagar para caçar nestes espaços e pretende o regresso ao regime livre.

5 - Infelizmente, no Norte e Centro do país ainda continua a haver incêndios provocados para que nas primeiras chuvas os rebentos da vegetação sejam mais tenros e atractivos para os rebanhos. Os comandantes de bombeiros destas zonas conhecem bem esta realidade.

Há cerca de um ano e meio, o então ministro da Agricultura quis fazer um acordo com as direcções das três televisões generalistas em Portugal, no sentido de ser evitada a transmissão de muitas imagens de incêndios durante o Verão. O argumento era que, quanto mais fogo viam no ecrã, mais os incendiários se sentiam motivados a praticar o crime... Participei nessa reunião. Claro que o acordo não foi aceite, mas pessoalmente senti-me indignado. Como era possível que houvesse tantos cidadãos deste país a perder o rendimento da floresta – e até as habitações – e o poder político estivesse preocupado apenas com um aspecto perfeitamente marginal?

Estranhamente, voltamos a ser confrontados com sugestões de responsáveis da administração pública no sentido de se evitar a exibição de imagens de todos os incêndios que assolam o país.

 

Há uma indústria dos incêndios em Portugal, cujos agentes não obedecem a uma organização comum mas têm o mesmo objectivo - destruir floresta porque beneficiam com este tipo de crime.

Estranhamente, o Estado não faz o que poderia e deveria fazer:

1 - Assumir directamente o combate aéreo aos incêndios o mais rapidamente possível. Comprar os meios, suspendendo, se necessário, outros contratos de aquisição de equipamento militar.

2 - Distribuir as forças militares pela floresta, durante todo o Verão, em acções de vigilância permanente. (Pelo contrário, o que tem acontecido são acções pontuais de vigilância e combate às chamas).

3 - Alterar a moldura penal dos crimes de fogo posto, agravando substancialmente as penas, e investigar e punir efectivamente os infractores

4 - Proibir rigorosamente todas as construções em zona ardida durante os anos previstos na lei.

5 - Incentivar a limpeza de matas, promovendo o valor dos resíduos, mato e lenha, criando centrais térmicas adaptadas ao uso deste tipo de combustível.

6 - E, é claro, continuar a apoiar as corporações de bombeiros por todos os meios.

Com uma noção clara das causas da tragédia e com medidas simples mas eficazes, será possível acreditar que dentro de 20 anos a paisagem portuguesa ainda não será igual à do Norte de África. Se tudo continuar como está, as semelhanças físicas com o deserto marroquino serão inevitáveis a breve prazo.

 

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