terça-feira, 30 de julho de 2013

Mudanças

Estou a mudar de casa. E rasgo papéis, para na nova casa “do lar que sempre terei”- porque foi dos meus pais e a ela me prende tanta recordação de “como a família é verdade” - na nova casa conseguir enfiar tanto do que construí, a acrescentar aos objectos da vivência deles. “Estou só e sonho saudade” enquanto releio e rasgo, para poder caber. E reli este, escrito pelos anos oitenta que achei que caberia ainda na casa e neste nosso século, como reforço instigador do estudo da literatura em coesão interactiva com as demais disciplinas:
«REFLEXÃO SOBRE INTERDISCIPLINARIDADE E LITERATUEA»
«Ao pretender-se estabelecer coesão e afinidade entre as várias disciplinas do curriculum escolar em mira de uma mais perfeita integração do aluno na realidade da sua integração pedagógica, a linha orientadora do princípio não ignorou, certamente, quanto a literatura, como reflexo da vida, através da expressão escrita, acentua, mais sugestivamente que qualquer outra disciplina, os pontos de contacto com aquelas.
Daí que, na reforma do Ensino subsequente ao 25 de Abril, consideremos como factor positivo a imposição do estudo do Português no Curso Complementar, independentemente das opções seguidas pelos alunos.
Propusemo-nos, pois, verificar, superficialmente embora, alguns dos aspectos identificadores da literatura com as realidades social e cultural já que, como veículo depurado da palavra, ela pode, mais directamente que qualquer meio artístico ou científico, expressar o mundo exterior ou interior do homem, pela utilização sempre enriquecida de terminologia que lhe é conferida pela evolução cultural.
Como qualquer outra forma de arte, a literatura pretende concretizar uma reflexão do homem individual sobre a realidade exterior e a transcendente, daí que a sua afinidade primeira com a Filosofia, como ciência esta que melhor responde à inquietação existencial do Homem, se nos imponha, através das suas formas naturais – Lírica, Narrativa ou Dramática.
Assim, no longo percurso da Literatura Portuguesa, cada época literária embebe-se, naturalmente, de uma ideologia “sui generis” com os conceitos filosóficos em vigor.
À religiosidade medieval, de tipo teocêntrico e dogmático, apoiando-se na autoridade dos textos, segundo preceitos escolásticos, seguir-se-á, na época clássica, a exploração de um idealismo neoplatónico, de par com o criticismo reformista e posteriormente a atitude experimentalista e o racionalismo cartesiano favorecedores de uma visão objectiva e lúcida na caracterização do homem universal.
 Com o Romantismo, a inquietação religiosa, a busca do Absoluto, traduzem antes uma concepção pessimista do mundo e uma atitude polarizadora do “ego”, para se diversificarem em correntes cada vez mais variadas, que procuram essencialmente a solução para o problema social, já que o liberalismo defendido pelos filósofos da Revolução Francesa, juntamente com o progresso industrial do século XIX, conduzira, contrariamente às aspirações desses filósofos, ao desnivelamento social, pelo desenvolvimento do capitalismo e a consequente exploração do proletariado. No Realismo, não podemos alhear-nos, pois, da influência da doutrinação socialista sobre a temática dos escritores tal como, e correlativamente, da influência da doutrinação positivista bem como da importância do evolucionismo de Darwin ou do determinismo de Taine, de que os escritores naturalistas se inspiram para justificar a modificação dos comportamentos de acordo com o meio físico, a raça, as condições particulares do momento.
O século XX, ao caracterizar-se por uma cada vez maior desagregação trazida pela decomposição do átomo e da matéria, com reflexo sobre uma evolução tecnológica e científica cada vez mais alucinantes, sofrerá a influência de correntes de pensamento variadíssimas que naturalmente imprimirão a sua marca sobre a Literatura.
No início do século o Primeiro Modernismo ou da Geração da Revista “Orpheu” definir-se-á por um propósito desestabilizador de destruição dos valores tradicionais, ligados às correntes simbolista e saudosista, e de ataque ao conservadorismo burguês, aliados a um espírito inovador que, na esteira do futurista Marinetti, apregoa a máquina, o dinamismo, a velocidade, a simultaneidade, o progresso, o feio, num propósito dessacralizador da Arte.
O Surrealismo, surgido ainda no primeiro quartel do século, com André Breton, impregna-se dos conceitos da psicanálise, ao explorar literariamente o mundo fantasmagórico e incoerente do subconsciente.
O Segundo Modernismo, que vigorou em Portugal através da Geração da “Presença” , de que José Régio foi o expoente maior, além do mérito de destacar os poetas da “Orpheu”, nomeadamente Pessoa, retoma uma atitude mais tranquila de contemplação narcísica desligada do mundo exterior, e de inquietação metafísica.
Suceder-lhe-á em breve, e em consequência das graves convulsões sociais do segundo quartel do século XX, a escola neo-realista, apoiada na ideologia marxista, tendente a intervir na solução social, ao defender uma tomada de consciência das classes trabalhadoras exploradas.
A esta literatura de empenhamento social, opor-se-á um literatura de cunho existencialista, de que Vergílio Ferreira, que se iniciou como neo-realista, será talvez o escritor mais convicto, sempre maleável a novas experiências literárias, como demonstrará posteriormente com a técnica do “novo romance”, apoiado este em técnicas narrativas onde não cabem a ordem comum nem os esquemas tradicionais subentendendo acção, personagens, elementos espácio-temporais, despidos uns e outros de valor efectivo, em benefício de uma multiplicação de valores diversos que passariam despercebidos  na narrativa tradicional
Também o novo teatro ou “antiteatro”, no mesmo desígnio de subversão relativamente aos valores literários tradicionais, explorará a temática do absurdo, em que as personagens se comportam como “robots” grotescos, sem densidade psicológica, a acção inexistente ou circular, repetitiva, os elementos espaciotemporais destituídos de valor real, onde sobressaem figuras desarticuladas, sem vida interior, traduzindo, num universo de “non-sens”, o irrisório e cruel do destino humano.
A par da ideologia presidindo à expressão da obra literária, diversifica-se esta numa temática mais ou menos variada, de cariz as mais das vezes filosófico também. É por demais conhecido, por exemplo, o tema do devir, da mudança, repousando na fórmula heraclitiana – apesar da oposição dos eleatas, adeptos do estatismo, da unicidade – do homem banhando-se no rio, excluindo qualquer sentido de paragem ou repetição, e desde sempre poetas e prosadores exploraram o conceito:
- Num sentido mais objectivo, do desgaste físico que o tempo traz e a consequente instância epicurista ao gozo, formalizada no “carpe diem” horaciano, percorremo-lo desde os poetas clássicos, a Ricardo Reis, a António Gedeão…
- Num sentido mais pessimista ainda do fluir irreversível do tempo para a morte, encontramo-lo na angústia burilada e sintética dos poetas barrocos, na mais eloquente dos escritores românticos, em Cesário, António Nobre, Pessoa, que tão agudamente define o sentido do absurdo e do paradoxo, num existencialismo que reencontraremos nos escritores existencialistas do após-guerra, embebidos de Sartre, Camus e outros.
- Num sentido mais simbólico de um hegelianismo “avant la lettre”, a evolução espiritual da Alma no Auto do mesmo nome de Gil Vicente, segundo o conceito de tese, antítese e síntese, identificada a primeira com o Anjo e a segunda com o Diabo, sendo á Alma a síntese da luta antitética, síntese que inicialmente se processa num sentido descendente, de degradação materialista com a vitória do Diabo, e em seguida ascendente, de eleição espiritual, com a vitória do Anjo e o triunfo da Igreja.
O mesmo tema do devir, da mudança, que o romance português, desde a “Menina e Moça” a Garrett, aos romancistas contemporâneos, explora num sentido de inquietação espiritual ou psicológica, resultante de instabilidade temperamental, ou num sentido de continuidade temporal, apoiar-se-á, neste século XX, na corrente bergsoniana do fluir da memória e da consciência, de que é exemplo típico o romance de Agustina Bessa Luís, “A Sibila”, marco diferenciador de uma nova era literária, pela exploração alucinante de uma imagística e uma ironia riquíssimas, aliadas a um processo narrativo que, ao invés da linearidade, conjugada com frequentes analepses ou retrospectivas do romance estandardizado e pragmático do século XIX, feito para um público convencional, exigente de coerência e segurança, utiliza, pelo contrário, uma técnica exigente de constantes apelos e fugas, à maneira da rosácea gótica, em que as linhas de acção se movem num constante fluir e refluir de elementos trazidos por um processo evocativo, saltando constantemente no tempo e no espaço sem, todavia, quebrar a unidade e a progressão narrativas.
Se a Literatura se filia em correntes filosóficas, não é menos importante o contributo da Música para a compreensão do fenómeno literário, através dos recursos ligados à exploração do significante, especialmente a poesia que o Simbolismo identificará mesmo com a própria música, pela criação de uma arte de sugestão de estados de alma, mais do que expressão articulada de um pensamento coerente, através de um discurso essencialmente aliterativo, de repetição de sons.
De resto, tal como as demais Artes, também a Música sofre evolução concordante com os valores ideológicos dos períodos literários sucessivos, desde a música instrumental da Idade Média, intimamente ligada com a poesia quer profana quer religiosa, à música polifónica renascentista, à espectaculosidade da ópera e do ballet da época barroca, ao aperfeiçoamento da música instrumental e formação da orquestral com a criação sinfonia, do concerto, da música de câmara no século XVIII, em que se salientaram tantos virtuoses, à música liberta das regras clássicas e expressão de sentimentos da época romântica, à música verista concomitante com a escola realista, às variedades musicais do século xx, onde não faltam experiências no campo da música atonal, com a música concreta e a electrónica, analógicas da poesia concretista, que associa signo e forma, numa tentativa de recriar uma realidade mais próxima e mais ampla de ambiguidade.
Por esse facto, parece-nos necessária uma reestruturação pedagógica, no sentido da inclusão dessa disciplina ao longo do curriculum escolar, com vista a uma complementaridade cultural, indispensável na formação humanista do aluno, além de que é óbvio também, como nas demais disciplinas, o contributo linguístico do  campo musical, com expressões como “pôr a tónica”, “pôr o acento” ”sonante”, “tonalidade”, “timbre”, “contraponto”, ou a própria exploração imagística de que é exemplo típico, o soneto barroco “Ao cavalo do conde de Sabugal que fazia grandes curvetas”, de autor anónimo:
Galhardo bruto, teu bizarro alento
Musica é nova com que aos olhos cantas,
Pois na harmonia de cadências tantas
É clave o freio, é solfa o movimento.

Ao compasso da rédea, ao instrumento
Do chão que tocas, quando a vista encantas,
Já baixas grave, e agudo já levantas,
Onde o pisar é som e o andar concento.

Cantam teus pés, e teu meneio pronto,
Nas fugas, não nas cláusulas medido,
Mil consonâncias forma em cada ponto.

Pois em solfas airosas suspendido,
Ergues em cada quadro um contraponto,
Fazes em cada passo um sustenido.
Também o Desenho, as Artes Plásticas, são complementares do ensino da Literatura, quer através do conhecimento dos valores técnicos das escolas de pintura, escultura ou arquitectura, quer pela importância que o visualismo toma em determinadas escolas literárias, mais especificamente na realista e na escola parnasiana, com o seu vocabulário de cor, próprio da criação sensorialista, ou mesmo a identificação com a pintura, como exprime frequentemente Cesário Verde:
“Pinto quadros por letras, por sinais
Tão luminosos como os do Levante.”
            Como não reconhecer a necessidade de um estudo paralelo entre a Arte e a Literatura, quer no sentido de religiosidade do estilo gótico, ou no equilíbrio harmónico das linhas renascentistas, ou no dinamismo e angústia do transcendente dos excessos ornamentais barrocos, ou no transbordar de emoções da arte romântica, ou na luminosidade e realismo dos quadros impressionistas?
Se estas escolas dão relevo à forma, as escolas modernistas, como por exemplo o Cubismo, pretenderão recriar a ilusão do movimento e do fragmentário, tão expressivo neste século XX, pela multiplicidade de planos e ângulos nos quais as realidades dos mundos exterior e interior estão imbricados. Terão adeptos na Literatura, nomeadamente no Sensacionismo e Interseccionismo dos poetas da Orpheu, tal como o mundo dos sonhos ou do subconsciente da escola surrealista terá reflexos na pintura do mesmo nome, ou o Expressionismo se aparentará intimamente com a literatura de intervenção e revolta neo-realista. Por outro lado, também a língua se enriqueceu com o contributo das Artes Plásticas através de termos como “perfil” “caricatura”, “projecção”, “aguarela”, “escultural”, usados conotativamente.
Identidade com a Literatura e a Educação Física, vemo-la na expressão rítmica dos gestos e no desenvolvimento harmónico do corpo, dentro do conceito clássico do “corpus sanus”, além de que o estudo evolutivo das escolas de dança traria achegas valiosas ao estudo literário.
E a Matemática, e a Geometria, e a Física, com a sua terminologia de tão vasta aplicação linguística, como por exemplo “linear”, “linearidade”, “pontual”, “símbolo”, “operacional”, “hipérbole”, “limite”, “técnica circular”, “dinâmica”, “óptica”…., sem esquecer o uso poético que delas faz, por exemplo, Cesário Verde, ao definir os seus versos como “desenho de compasso e esquadro”, dado o seu carácter geométrico, rigoroso, exacto de observação e técnica analítica.
E a Geografia de Crónicas e relatos de viagens e aventuras exóticas, caso da “Peregrinação” de Fernão Mendes Pinto, e a Biologia, a Astronomia, etc., que inspiraram poetas como Gedeão, no uso de uma terminologia especializada de não pequeno valor poético, apesar da especificidade do termo denotativo. Aliás, tal especificidade encontramo-la ao longo da história literária, no concretismo das imagens, desde a “Fénix Renascida” a Tolentino, Cesário, Pessoa, Álvaro de Campos, Miguel Torga…
Também a História, não só transmite conhecimentos de épocas passadas, em íntima relação com os movimentos culturais, mas proporciona a identificação de mitos, contribuindo ainda para a formação de narrativas históricas com valor literário e para a criação da epopeia, onde não só a história mas um grande número de ciências perpassa.
Escusado será falarmos no contributo das línguas vivas, com o estudo comparativo no campo gramatical, linguístico e literário, ou das línguas clássicas, para o estudo aprofundado e etimológico da língua pátria, além de mergulhar no conhecimento literário dos clássicos, de tão extrema importância para a formação humanista.
Pressionados por horários inflexíveis e tarefas pesadas de realização e correcção de testes e outras actividades colaterais, isolamo-nos no nosso mundo de trabalho e premências, sem nos darmos conta de que uma interacção entre colegas de grupos diferentes poderia em parte enriquecer-nos mutuamente, suprindo dúvidas e respondendo a carências que procuramos as mais das vezes resolver isoladamente, com mais ou menos aplicação, maior ou menor interesse de actualização. Essa interacção resultaria, sem dúvida, em benefício do ensino relativamente à formação do estudante.
Este pequeno trabalho pretende apelar para uma junção de esforços num sentido, não só de enriquecimento mútuo pelo apontar de informações e soluções, como no objectivo de criar uma harmonia e unidade num ensino naturalmente diversificado pela especialização de matérias, mas que uma conjugação de valores interdisciplinares poderá ajudar a unificar e a enriquecer como meio, parcial embora, de obstar a uma progressiva degradação do nosso ensino, que originou a frequente análise do problema, subordinada ao tema do insucesso escolar no nosso país.»
 

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Faladura dura dura


Porque cá, na freguesia

Usamos como sistema

Atacar em discursatas

Com muita sabedoria,

A moral e os costumes

E hoje em dia a economia,

Sobretudo,

Do governo que está em palco,

Bem sortudo,

Procurei em Florian

Uma mensagem irmã

Disto que hoje encontramos

Por cá.

Senão, vejamos:

 

A raposa pregadora

«Uma raposa quebrada, gotosa, apoplética,

Mas instruída, eloquente, esperta,

Dominando a lógica

Pôs-se a pregar com acerto

No deserto.

O seu estilo era florido, a sua moral excelente

Segundo a ingénua gente.

Provava em três pontos que a simplicidade

Os bons costumes, a probidade,

Trazem, com pouco custo, essa felicidade

Que um mundo impostor nos apresenta

E nos faz pagar caro, sem a dar deveras,

Puras quimeras.

O nosso pregador nenhum êxito obtinha;

Ninguém aparecia excepto

Cinco ou seis marmotas,

Ou então umas corças devotas

Que viviam perto,

Longe do barulho, sem vizinhos, sem favor,

E não podiam pôr em dúvida o orador.

Ele tomou o bom partido de mudar de tema,

Pregou contra os ursos, os tigres, os leões,

Contra os seus apetites glutões,

A sua sede, a sua raiva sanguinária.

Toda a gente acorreu então aos seus sermões:

Veados, gazelas, cabritos monteses,

Neles achavam mil encantos;

O auditório saía sempre em copiosos prantos;

E o nome da raposa breve ficou famoso.

Um leão, rei do país,

Bom homem afinal e velho muito piedoso,

De a raposa ouvir ficou curioso.

A raposa mostrou-se encantada

Por poder, na corte, fazer a sua entrada:

Ela chega, ela prega, e, desta vez,

Ultrapassando-se a si própria,

Sem qualquer desfaçatez,

Ela espanta, ela aterra

Os ferozes tiranos do bosque,

Pinta a fraca inocência de ar tremente

Implorando, cada dia,

A justiça, lenta em excesso e de grave preço,

Do dono e do juiz dos reis.

Surpreendidos com tanta ousadia,

Os cortesãos olhavam-se sem nada dizer;

Porque o rei achava o discurso excelente.

A novidade por vezes faz-se amar sem rudeza

E mesmo em beleza.

Ao deixar o sermão, o monarca extasiado

Mandou chamar a raposa:

“Você soube agradar-me,

Disse-lhe ele, mostrou-me a verdade;

Eu devo-lhe um justo salário,

Uma boa recompensa:

Que me pede como preço

Das suas lições de truz?”

Respondeu a raposa, nada tensa:

“Senhor, alguns perus”.


Até dá a impressão

De que os que vão à televisão

Falar no seu conceito de justiça

Andam também à cata de perus

Quando criticam e condenam,

Segundo a sua visão

Sempre a mais conhecedora

Dos desconchavos da política

Dos governantes da nação.

É  do que todos gostamos:

Botar faladura,

Fura que fura.

Para isso não há preguiça,

Pese embora a muita asneira

Saída sem canseira

Da boca de cada um,

Que só não quer fazer nenhum,

Segundo o habitual

Neste nosso Portugal.

domingo, 21 de julho de 2013

A sementinha, tal qual a outra


Após o suspense vivido com a proposta de coligação pelo PR entre os principais partidos, que ninguém contava que fosse aceite, Cavaco Silva veio confirmar o que já se sabia, que só servira para atrasar e prejudicar mais a governação económica do país, mas o nosso Presidente estava contente com o interregno, que, ao que parece, lhe permitira lançar semeadura profícua criando colaboracionismo e paz entre todos os portugueses, após as palmatoadas daquele.
 Mas a questão das sementes citadas pelo Presidente como processo de frutificação, trouxe-me à mente a “sementinha” da "Toada de Portalegre" de José Régio, que essa, sim, frutificou em acácia ramosa, lá na casa tosca e bela e numa cepa da velha varanda, transplantada a seguir para junto dos ciprestes do cemitério
Eu não julgo que as sementes do nosso Presidente venham a ter o mesmo destino macabro da acaciazinha de José Régio, que, apesar de tudo, teve um efeito benéfico de apaziguadora espiritual. Só que não acredito nelas. Aqui o fruto das sementes é mesmo um paleio indestrutível. Estou a ouvi-los já, dentes arreganhados na ferocidade do saber que, acalmado o medo de perda da côdea, se prepara para continuar a derrubar.
 
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«Senão quando o amor de Deus
Ao vento que anda, desanda,
E sarabanda, e ciranda,
Confia uma sementinha
Perdida entre terra e céus,
E o vento a traz à varanda
Daquela
Minha
Janela
Da tal casa tosca e bela
À qual quis como se fora
Feita para eu morar nela!

Lá no craveiro que eu tinha,
Onde uma cepa cansada
Mal dava cravos sem vida,
Nasceu essa acaciazinha
Que depois foi transplantada
E cresceu; dom do meu Deus!,
Aos pés lá da estranha casa
Do largo do cemitério,
Frente aos ciprestes que em frente
Mostram os céus,
Como dedos apontados
De gigantes enterrados...
Quem desespera dos homens,
Se a alma lhe não secou,
A tudo transfere a esperança
Que a humanidade frustrou:
E é capaz de amar as plantas,
De esperar nos animais,
De humanizar coisas brutas,
E ter criancices tais,
Tais e tantas!,
Que será bom ter pudor
De as contar seja a quem for!

O amor, a amizade, e quantos
Mais sonhos de oiro eu sonhara,
Bens deste mundo!, que o mundo
Me levara,
De tal maneira me tinham,
Ao fugir-me,
Deixando só, nulo, vácuos,
A mim que tanto esperava
Ser fiel,
E forte,
E firme,
Que não era mais que morte
A vida que então vivia,
Autocadáver...

E era então que sucedia
Que em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros
Aos pés lá da casa velha
Cheia dos maus e bons cheiros
Das casas que têm história,
Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória
De antigas gentes e traças,
Cheia de sol nas vidraças
E de escuro nos recantos,
Cheia de medo e sossego,
De silêncios e de espantos,
- A minha acácia crescia.

Vento suão!, obrigado...
Pela doce companhia
Que em teu hálito empestado
Sem eu sonhar, me chegara!

E a cada raminho novo
Que a tenra acácia deitava,
Será loucura!..., mas era
Uma alegria
Na longa e negra apatia
Daquela miséria extrema
Em que vivia,
E vivera,
Como se fizera um poema,
Ou se um filho me nascera.»

As entranhas do medo neste enredo



Cada um bota o seu discurso, cada um sabe do seu, cada um depois de deitadas as mãos à cabeça, menos os da esquerda, que apontam mais o ventre e têm o mesmo medo que os outros, embora o não confessem, na sua exclusiva função de botar abaixo os governos, como botam os discursos, pois é seu privilégio, em nome dos bons costumes e por amor do ódio ferrenho aos eleitos para governar, cada um, digo, continua na mesma postura de botar faladura, geralmente de má catadura, mas sem grande amargura, pois felizmente não lhes falta ainda o pãozinho dos seus privilégios propícios à sua silhueta de exclusiva orientação destrutiva.

Por isso os da esquerda estão mesmo encarrapitados no seu bota-abaixo, na ânsia do penacho, a estender sofregamente o gancho para os actuais donos do tacho e do penacho, que por pouco tempo o serão, na feroz investida contra uma acção governativa de seriedade, embora de dureza imposta por conta da situação de dependência ao estrangeiro, como todos sabem e fingem ignorar, só condenando, sem querer saber das consequências. Pelo menos da boca para fora, que nas entranhas são outras as manhas.

E os Soares e companhia deliram, porque ordenaram ao Seguro que não atendesse à proposta da coligação e ele, mansinho, não atendeu, e todos lá fora uivaram de gosto que se fartaram, porque venceram e se danaram, inteligentes que foram, mau grado as entranhas de iguais manhas.

E Cavaco vai uma vez mais botar a sua faladura, segundo a sua postura de habitual envergadura, indiferente, sem ler jornais, nem querer enxergar as consequências nacionais, que o que é preciso é que o seu pãozinho continue quente nas torradinhas matinais para as suas entranhas habituais.

sábado, 20 de julho de 2013

Dansemux



Agora qe já asertamus
Com as previxtas intensoinx
Dus acordux de coligasoinx
Qe nunca estiveran ein sima da meza,
Lenbremux a fabula da furmiga
E du gafanhotu segundu Esopo
Da sigarra segundu La Fontaine
- Autorex qe naun meresain a deturpasaun
Prupoxta pur joze manuel fernandex
Para a ixtrita ubediensia
Au acordu urtugraficu

segundo u mudelo funeticu–
Us cuaix sigarra e gafanhotu
Se fartaraun de cantar
Durante o veraum,
I aux cuaix a furmiga rabiga
Aconselhou a dansar,
Pur falta de pruvizaun nu invernu.
Dansemux comu elex.
 
 



 

quinta-feira, 18 de julho de 2013

O guarda não sabe nadar, oi!


Eles foram a todas, eles vão a todas. Foi sempre um fartote e continua a ser. Foram o Soares, foi o Sampaio e hoje é o Cavaco que também foi. Mostraram os discursos dos outros, no seu tempo, ainda não saiu o de Cavaco. Mas todos têm a ver com o desenvolvimento das Selvagens, o pedaço mais ao sul do terreno nacional que antes da era gloriosa se limitava ao Algarve. Passada a era gloriosa, ainda temos as ilhas Selvagens, como ponto mais meridional a configurar o nosso espaço, habitado por uma ou duas pessoas, eremitas que se acompanham dos cantos das cagarras e do marulhar das ondas.

Mas o sujeito que toma conta das Selvagens não sabe nadar, Cavaco Silva trará esse dado como recordação das suas pequenas férias, que têm sido bastamente relatadas nos meios televisivos, como antecipação das curiosidades seguintes, que Cavaco Silva – como já os seus antecessores – não se importarão que seja o Estado a pagar, para a sua recreação espiritual, com deslocações de avião e em fragata ilustre, etc., etc.

            O nosso patriotismo se mostra assim sempre glorioso, protegendo actualmente as cagarras do nosso espaço de conquista.

Embora o guarda da reserva não saiba nadar, oi!

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Bom circo é Portugal


Os irmãos Grimm têm um conto – “O tocador maravilhoso” – sobre um jovem tocador de violino que atravessou uma floresta à procura de um companheiro que apreciasse a sua música. Mas aos três animais que o quiseram escutar – um lobo, uma raposa e uma lebre – e mesmo desejavam com ele aprender, como fazem, entre nós, os fãs e as fãs do nosso Tony Carreira e faziam outrora os fãs e as fãs do Marco Paulo, tal é o estranho efeito da música sobre a alma humana, sobretudo feminina entre nós, e mesmo sobre a alma dos bichos, de que os ratos de Hamelin são outro exemplo igualmente narrado pelos irmãos Grimm – aos três animais, repito, que quiseram aprender música com o tocador de violino, este, depois de os acolher com simpatia, passeando-se com eles, fez-lhes grandes patifarias prendendo-os às árvores da floresta, em requinte de selvajaria que não se julgaria possível num artista de tanto calibre musical. E o tocador continuou a tocar até que foi escutado por um lenhador embevecido, que o defendeu contra os três animais, entretanto libertos e enfurecidos, que correram a atacar o tocador mas foram expulsos pelo lenhador amante de violino, que teve direito a mais uma melodia de agradecimento, antes de o tocador se pôr a andar, em busca de outros alunos.

Nós por cá também vivemos em maré de música -  Ró, para sermos mais precisos, ao estilo de Tony Silva, um verdadeiro artista sempre em "perfeita diálise" com o seu "publicuzinho".

Temos muitos tocadores, para todos os gostos, e com base nas musiquinhas vamos esfrangalhando o país, a ponto de ninguém mais saber a quantas anda nem para onde vai. E cada tocador que vem, dá mais um safanão  na arquitectura do edifício cada vez mais desconjuntado deste país de bobos.

O último foi Cavaco Silva, o impassível sr. Silva – não o Tony - cuja passividade era apenas de aparência, um “silêncio do mar” só calmo à superfície, rugindo nas suas profundezas em vagalhões ameaçadores de vingança e mesquinhez, apenas preocupado com a honra ou os interesses pessoais, reduzida a pátria , como há muito tempo fora, a um circo onde as habilidades pessoais se praticam, desarticuladas e industriosas.

 

sábado, 13 de julho de 2013

“À sombra das meninas em flor”


Cavaco Silva não se conforma com a passagem do tempo, continua à procura do seu tempo perdido, tal como fez Proust, que o relembrou exaustivamente, em grandes memórias e muitos debates de consciência delicadamente e profusamente analisados. É claro que não há qualquer resquício de comparação entre um Proust relator dos comportamentos humanos, despoletando revivescência dos seus próprios num tempo que a memória aprimorou, e um Cavaco que chamou a si uma tarefa de pêndulo nacional, na sua pretensão de orquestrar os destinos do país, provavelmente rancoroso por não estar ele nesse lugar onde já esteve. É certo que o fez no tempo das vacas gordas, mas vacas alheias cujas tetas ele soube sugar e fazer sugar avidamente por tantos apaniguados, onde todos lamberam, embora com eficácias diferentes, sem criar meios para um progresso real, enxurrada dispendiosa que os sucessores não conseguiram estancar, fugindo a tempo, e pondo-se a salvo na hora aprazada. De resto, mais preocupados numa continuidade parasitária que os servisse e salvasse, no “salve-se quem puder” da sua filosofia por conta própria.

Cavaco Silva não foi dos que fugiu. Tinha as suas poupanças, que soube manter por cá, os seus queixumes em tempos o deram a entender, mas ao invés de aceitar com honestidade as reduções e cortes nos vários vencimentos de reformas obtidas nos vários postos, foi com dor alardeada que se julgou injustiçado, sabendo que não tínhamos o direito de usufruir de benesses provenientes de torrentes externas tão vorazmente absorvidas.

Chegara o tempo de pagar e Cavaco Silva pagou. Como os outros. Mas lamuriou, o que foi espectáculo indecoroso. Porque não pôs os vários pesos na balança, desaparecida a Justiça, ela própria afogada na trafulhice e no despesismo por conta das mesmas vacas.

Houve um governo que foi obrigado a recuar, que deitou mãos ao extraordinário encargo de suster tanto desvario parasita, e que seriamente forcejou por endireitar o país, pela via de uma honestidade que o tornasse mais credível. Logo o coro se ergueu dos semeadores do ódio, tarefa em que a má educação do povo colaborou com a parolice dos seus meios – interrupções, cantigas, impropérios, punhos erguidos, festa.

Entretanto, os golpes de teatro de Gaspar e Portas acentuaram as fragilidades de um Governo sério e isolado no seu cumprimento. Logo o monte dos “ventos uivantes” se desprendeu em esperanças de o derrotar de vez. É só vê-los e ouvi-los, os dentes arreganhados de fúria. Excepto Seguro, que mantém a mesma máscara de uma beleza parada, que não deseja criar rugas, no mesmo discurso sem ideias, futuro ministro de um país sem meios.

Mas Passos Coelho tem a coragem do lutador e tenta prosseguir, em novos acertos e consertos, que simultaneamente denunciam as maroscas de Portas para obter aquilo a que se julga com direito e que talvez obtivesse, caso o seu partido de “homens bons” tivesse maior relevância.

Admiro Passos Coelho e a sua luta titânica para prosseguir, creio que por real amor ao seu país.

Mas Cavaco interveio. Num golpe certeiro de vingador, contra quem lhe fora às poupanças. Hesitou, demorou, criou suspense, foi enxovalhado, hibernou. Como costuma fazer. Mas a machadada – seria demasiado pretensiosa a espada de Dâmocles – caiu enfim. Propondo soluções patuscas, por utópicas. Antes da empreitada do Governo terminar. Trazendo o caos, não a solução.

Cavaco, “menina em flor” originadora de paixões ainda, com vida própria, só na aparência hibernante, e pautando-se por recalcamentos de traição vingativa, indiferente ao seu país, numa aparência de meditação arrastada, criadora de suspense…

Na verdade, procurando não o tempo perdido, mas apenas o tempo em que ganhava mais. E sem debates de consciência.

Admiro Passos Coelho.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

quinta-feira, 11 de julho de 2013

“A Fortuna do Gaspar”


É a propósito de um artigo
De um professor de Economia
Da Universidade de Colúmbia,
- Ricardo Reis de sua bizarria –
Saído no “A Bem da Nação”
Com muita precisão,
Sobre Victor Gaspar e a sua acção governativa
 Como ministro das Finanças sem alternativa,
Na nação portuguesa endividada,
Que procurei em La Fontaine uma fábula
Justificadora do ponto de vista
Que o transforma de besta em bestial
Na opinião geral,
De gente muito assustada
Não fosse o FMI fazer-nos mal
E retirar-nos o capital,
Que uma política económica de dureza comprovada
Mas, ao que parece, única possível,
Tornou imprescindível.
Nós somos as moscas vaidosas e alardeantes,
Gaspar é a formiga trabalhadora e previdente
Que foi em frente
Abrindo os caminhos do bem-estar futuro
Mais modesto e seguro.
 
“A Mosca e a Formiga”,
Fábula de La Fontaine colhida em Fedro
E outros seguidores:

 A Mosca e a Formiga contestavam sobre o seu valor:
“Ó Júpiter, disse a primeira,
Admite-se que o amor próprio cegue de tal maneira as cabeças,
Que um vil e rastejante animal
À deusa do ar ouse chamar-se igual?
Eu frequento palácios, sento-me às suas mesas:
Se te imolarem um boi
Antes de ti o saborearei,
Enquanto que esta enfezada e miserável
Três dias se alimenta
De um qualquer grãozito imprestável
Que arrastou para o seu buraquito.”
“Mas, minha doçura, diz-me:
Tu instalas-te sobre a cabeça dum Rei,
Dum Imperador ou duma Bela?”
“Com certeza, e beijo um belo seio sempre que quero:
Brinco no seu cabelo,
Realço a brancura natural de uma tez
Com uma “mosca” que reforça a palidez
De uma dama partindo à conquista,
Que não há quem lhe resista.
Depois venha romper-me a cabeça falando em celeiro!”
“Já disse tudo? Replicou-lhe a previdente.
Você frequenta os palácios; mas é aí muito mal vista,
E quanto a saborear primeiro
O que servem perante os Deuses,
Julga que isso valha mais por isso?
Se você entra em toda a parte, o mesmo fazem os profanos.
Sobre a cabeça dos Reis como sobre a dos Asnos
Você vai-se plantar; não vou discordar;
E também sei que duma pronta morte
Esse atrevimento é muitas vezes punido
Sem arrependimento.
Certo sinal, diz você, dá mais beleza.
Não discordo: ele é negro
Como você ou eu.
Admito que se chame Mosca
É razão para que você se ponha
A alardear o seu mérito sem vergonha?
Não se chamam também Moscas aos parasitas?
Tretas!
Deixe pois de manter tão vã linguagem:
Não tenha mais tão altos pensamentos.
As Moscas da corte, vulgo espiões,
São expulsas sem constrangimentos;
Os Moscardos, ou seja “bufos” – da guerra ou da polícia –
São enforcados com perícia,
E você de fome morrerá,
De frio, de inércia, de miséria,
Quando Febo reinar sobre o outro hemisfério.
Então, eu, do fruto do meu trabalho viverei,
Por montes e vales não irei
Expor-me ao vento, à chuva;
Sem melancolia viverei.
Os cuidados que antes tomei
De cuidados me libertarão.
A si lhe ensinarão
O que é uma falsa e uma verdadeira glória.
Adeus, perco o meu tempo: deixe-me trabalhar.
Nem o meu celeiro, nem o meu armário,
Se enchem a palrar.”

 Também “A Cigarra e a Formiga”
Desenvolve este tema de gente inimiga.
A própria a Condessa de Ségur criou uma história
À volta dum Gaspar estudioso
Duro e trabalhador
Que, por ter casado com Mina,
- Rapariguinha com muitos predicados,
Que só se apreciam na infância,
 E mesmo só na de antigamente,
Que agora já ninguém de igual modo a lê ou sente –
Se tornou mais esmoler,
Por amor,
Ele que era tão inteligente
Mas pouco generoso.
O nosso Gaspar também foi isso
- Trabalhador e inteligente
Mas a necessidade tornou-o duro a valer,
Sendo por isso odiado,
Sempre troçado,
Osso duro de roer
Besta na opinião geral.
Mas a Fortuna tornou-o bestial
Espécie de herói,
Assim que se despediu e que se viu
Quanto seria bem pior
Para a nação,
Se ele fosse diferente do que foi
No capítulo da sua acção.

 

 

 

 

segunda-feira, 8 de julho de 2013

O rabecão do sapateiro


Quando vejo as nossas figuras
Discutindo na praça sem muito saber
As politiquices do nosso sofrer,
Conforme o partido do nosso querer,
Lembro-me da fábula de Florian
«O burro e a flauta»
Que no seu tempo também existia,
Pois, se não, ele não se lembraria
De explorar com alegria
A temática, tão nossa irmã,
Da parvoiçada rezingona
Da nossa sabedoria
Soprada com galhardia
Pelo café da manhã:
 
«Os parvos são um povo numeroso
- Virtuoso -
Achando todas as coisas fáceis.
Devemos aceitar, isso torna-os felizes,
Motivo para se julgarem muito hábeis.
Um burro, roendo os seus cardos,
Olhava para um pastor que tocava, sob os ramos,
Numa flauta, cujos sons amáveis
Atraíam e encantavam os pastores do bosquezinho.
O burro descontente dizia: Este mundo está louco
Contentando-se com tão pouco!
Ei-los, de boca aberta,
Admirando um grande parvo que sua e se atormenta
Soprando num buraquinho,
É com tais esforços que se chega a agradar-lhes
Enquanto que eu… basta… saiamos daqui
Pois estou mesmo danado
Com tanta injustiça! Chiça!.
O nosso burro, razoando assim,
Avança uns passos, quando, por entre os fetos
Uma flauta, esquecida nestes lugares campestres
Por algum pastor amoroso
- Mas distraído -
Se encontra aos seus pés. O nosso burro ergue-se,
Os seus gordos olhos fixa na flauta,
Com uma orelha para a frente
Abaixa-se lentamente,
Aplica a narina sobre o pobre instrumento
E sopra esforçadamente.
Oh! acaso inacreditável! 
Sai de lá um som bem agradável.
O asno julga-se um talento,
E todo contente
Em voz estridente,
Exclama dando cambalhota incauta:
Ei! Eu também toco flauta!

Mas não são só as amigas
Que dizem coisas sabidas
Aprendidas nas notícias,
Pois os meios de comunicação
Mostram bando de doutores
Denunciando à exaustão
As doutrinas dos senhores,
Com erros até mais não,
A que todos, bem sabedores,
Dariam outra solução.
Não há paciência, não,
Para tanto sapateiro
A tocar rabecão
Ou mesmo barbeiro
A discutir da nação,
Com tanta insinuação
De melhor resolução!
Veremos se com tanta empáfia
Não vamos todos à viola,
E já nem sequer para Angola,
Como o macaco aldrabão,
E sempre atribulado,
Do rabo cortado.