terça-feira, 4 de junho de 2013

A Isenção na base da lucidez

          Eis o comentário que me mereceu o longo texto do jornalista africano, Isomar Pedro Gomes, saído no blog “A Bem da Nação”, na admiração por um atrevido “Salman Rushdie” da nossa roda, que se arrisca a perder a cabeça com as análises do seu “saber de experiências feito” e provavelmente também do sentimento de amizade - que foi o que mais se definiu entre os povos africanos e europeus com, todavia, o ferrete de exploradores recaindo sobre os últimos, por todos os que tinham conveniência em assim os marcarem:

«Textos de um africano que, reconhecendo embora os defeitos inerentes aos homens, independentemente da cor, tem a honestidade de declarar que as consequências das descolonizações sobre os povos de África foram terríficas de sofrimentos e misérias várias, resultado, em grande parte, da absoluta libertinagem e ausência de escrúpulos dos chefes africanos sucedâneos aos colonialistas, na criação das suas próprias leis de selvajaria e autocracia impunes, a que as gentes dos outros continentes fecham democraticamente os olhos da muita virtude, preferindo resgatar alguns desses atribulados sofredores das selvajarias governativas com esmolas e cânticos favorecedores de esmolas, a impor regras de boa governação, provavelmente até fazendo distribuir simultaneamente pelos das ricas e poderosas chefias as armas desse poder criminoso que destroçou milhões dos povos que abandonámos a esses abutres, a pretexto de generosas intenções de libertação.»
 

Ei-los:

«A Isenção na base da lucidez»
 
 
 
 
I
 
«Há dias, a caminho do Hojy-yá-Henda, a bordo (como habitual) de um dos machimbombos da TCUL Viana vila – Cuca, (privilégio, este meio de transporte por ser o mais barato e acessível aos pobres para rotas longas, mau grado a 'sardinhada e a catingada'), um dos vários azulinhos que 'palmilham' as nossas estradas (os nossos emblemáticos táxis colectivos), chamou a atenção do público exibindo no seu 'traseiro' o seguinte dístico:

 "DEUS É BRANCO, MULATO É ANJO, PRETO É DIABO"

Tal dístico, é obvio, levantou as mais diversas celeumas entre os passageiros do machimbombo e creio entre todos os observadores e transeuntes por onde o dito azulinho (mini mbombó) 'rasgava' o seu 'popó-show'.
Raciocinei com os meus botões e os meus botões comigo, as causas que levaram o proprietário do 'popó' ou do 'chauffeur de praça' a mencionar e exibir tal desgraçado ou ditoso (?!) rótulo. Na busca mental das causas, não pude deixar de comparar o modo de vida de hoje e o da administração colonial, quando o País e a grossa maioria dos países do continente Africano, era administrado por indivíduos maioritariamente de raça branca, provenientes da Europa, "os tais colonos", poderia África ser comparada a um paraíso? Há quem diga que sim, e eu não discordo deles.

"Colonialismo caiu na lama!" Lembram-se deste célebre estribilho 1974-1977.

 AS JÓIAS COLONIAIS

Angola, era mundialmente conhecida como a Jóia do Império Português e exibia, majestosa, todos os pergaminhos de tal título, o Quénia a par da África do Sul, a jóia Africana do Império Britânico, Argélia a jóia Africana do Império Francês e o antigo Congo-Belga a jóia do mini-imperio Belga. Tais países Africanos – no contexto do outrora – prosperavam a olhos vistos (a maioria deles encontrava-se ainda na idade da pedra), as respectivas comunidades autóctones idem aspas, mas os índices de desenvolvimento humano dos autóctones inegavelmente estavam lenta e seguramente subindo, as obras dos colonialistas ainda perduram pela África adentro.

Verdade seja dita, o esclavagismo e as guerras de "kwata-kwata" fizeram irremediáveis estragos em África. Mas também não é menos verdade, que a falta de unidade, ambição, irresponsável individualismo e a sempre necessidade de estúpida e insanamente guerrearem, fazerem verter sangue (entre nós, africanos), tornaram bem-vinda "la pax romana" isto é promulgado à força do chicote e da bala, pelos Europeus.

As então gerações de jovens africanos instruídos (pelas respectivas franjas ou instituições da administração colonial) organizaram-se politicamente e fizeram soar a acusação de que os Europeus estavam a sugar as riquezas do solo pátrio em benefício exclusivo das nações colonizadoras, desconsiderando totalmente os interesses dos nativos e das colónias, transformando os autóctones em miseráveis na sua própria terra; "eles vieram com a Bíblia, nós tínhamos as terras, no fim eles ficaram com as terras e nós com a Bíblia" disse Robert Mugabe, nacionalista e guia da libertação do Zimbabwe.

Organizaram-se contra o invasor, protestos, revoltas, guerras, chacinas, a História regista que o movimento e actuação dos 'mau-mau' liderado pelo indomável Jomo Keniata, foi um dos mais cruéis de África e o que chamou a atenção da comunidade internacional, para a necessidade da urgente descolonização de África. Claro, a violência gera violência, os resultados hoje fazem parte da história.»

 II 

 “LEIA MAIS”

A resposta colonial à violência nacionalista africana sempre foi comedida, por exemplo, se a força policial portuguesa no 4 de Fevereiro e posteriormente no 12 de Março de 1961, respondesse com o mesmo demonismo com que o MPLA respondeu ao chamado fraccionismo do 27 de Maio 1977, muitos dos actuais dirigentes não existiriam e provavelmente não haveria movimentos de libertação durante muito tempo.

Passado cerca de meio século que a maioria dos países africanos arrancaram na ponta da espingarda a independência das potências colonizadoras (seguindo a lição do camarada Mao Tsé-Tung), se fizermos o balanço, quais foram os ganhos que os respectivos países e povos obtiveram. Poucos são os países africanos que, diremos, saíram indiscutivelmente a ganhar.

"Quando é que a independência afinal vai acabar?"- Indagou desesperado ou desapontado um septuagenário angolano nos idos anos 78-80, fatigadérrimo da guerra estúpida, de tanta crueldade e injustiça praticada pelos seus patrícios (do regime e da oposição), denominados de nacionalistas de primeira água.

 Poderia África ser hoje comparada ao Inferno ou ao Purgatório? Qualquer um deles serve, Paraíso: NUNCA. Pouquíssimos países africanos (menos do que os dedos de uma mão) podem aproximar-se a tal eleição.

  O ZIMBABWE

 "HOJE até a Bíblia nos tiraram e as terras continuam a não pertencer ao povo" - sintetizou Morgan Tchavingirai, descrevendo a desgraçada e extrema penúria do povo zimbabweano, respondendo ao guia imortal ainda vivo, que diz ter ressuscitado mais vezes que o próprio Jesus Cristo. Zimbabwe no período citado por Bob Mugabe, era o celeiro de África, o povo era detentor de um dos mais elevados IDH do Continente.

  ANGOLA

 Por exemplo em Angola. Por vezes, quando nas datas históricas, oiço e vejo pela TV, indivíduos a mencionarem o que os colonos nos faziam, sinceramente não sei se choro de raiva ou se me mato de risada, "porque o colono fazia blá-blá-blá" – dizem eles – hoje faz-se bem pior. O colono se fez, quase que o desculpo, é ou foi colono, é branco não é meu irmão de raça, etc., agora quando o meu irmão angolano, preto como eu, (ex-companheiro da miséria e das ruas da amargura) faz o que viva e denodadamente repudiávamos ao colono, esta ultima acção dói muitíssimo mais do que a acção anterior, dilacera e mutila impiedosamente a alma.

 O ÊXODO
Por isso, logo após as independências africanas, verificou-se o segundo êxodo – o primeiro foi dos brancos a abandonarem África - milhões de africanos abandonaram com angústia na alma e os olhos arrebitados de descrença a África, a maioria arriscando literalmente as suas vidas (o filme continua até aos nossos dias), seguindo os outrora colonos, porque chegaram à conclusão que afinal não é verdade o que apregoa o político africano: "eles prometeram-nos o paraíso e dão-nos o inferno a dobrar" - disse um jovem africano em Lisboa nos anos 78-80 num programa da RTP.

Há mais africanos hoje na Europa do que Europeus em Africa, porquê?
 
III

A JUSTIÇA EUROPEIA

Os europeus, de regresso aos respectivos países embora destroçados de dor e amargura, receberam de braços abertos muitos dos antigos carrascos dando-lhes um lar e emprego decente e uma vida digna que jamais tiveram nos países de origem: paz e sossego duradouros.

O contrário era possível? Se ainda hoje, 37 anos depois do fim da colonização, os dirigentes angolanos (por exemplo) ainda se desculpam com a presença colonial portuguesa em Angola para justificar a pobreza e outros pesares (que eles não são, nunca serão culpados) mas o colono (37 anos depois), SIM, estou seguro que, quando Angola festejar o 50º aniversário, os dirigentes angolanos ainda estarão a rogar pragas ao colono português.

Hoje, ouvimos falar de relatos arrepiantes de governação de 'preto-para-preto' em muitos países africanos; Incompetência criminosa, bajulação estúpida como doutrina, ganância e egoísmo exacerbado (primeiro eu - sempre), mentira como regra, assassinatos indiscriminados, prisões em massa, inexistência de liberdade de expressão – a 'Bíblia' citado pelo Morgan Tchavingirai. Inclusive, gritar "estou com fome" é crime passível de perder a vida.

Kamulingue e Kassule, são a prova viva do facto: vida miserável, falta de empregos, corrupção endémica, justiça injusta e totalmente parcial, cadeias horrorosamente infernais a abarrotar de jovens provenientes das classes desfavorecidas, hospitais que mais parecem hospícios, escolas que mais parecem pocilgas etc. etc.»

IV

  AFRICA DO SUL

«Fiquei arrepiado com as imagens da actuação da polícia sul-africana em Dobsonville que vitimou o jovem moçambicano Mido Macia (MM) na flor da sua juventude (27 anos). Imagens próprias de uma cena do faroeste no século XIX ou da era do Drácula.

Quando vivi na Africa do Sul, tinha um medo atroz e justificado da polícia sul africana, principalmente dos pretos. A maioria do polícia sul-africano preto chega a ser muito mais impiedoso e selvático que o mais impiedoso policia sul-africano branco. O polícia preto (na sua maioria) é absolutamente xenófobo, perverso, contra a lei, corrupto e desalmado.

O policia branco, estou certo, não faria tal coisa e muito menos os tais policiais pretos fariam isso se MM fosse branco.

A xenofobia na Africa do Sul é extremamente incentivada e alimentada pela polícia sul-africana e é planificada nas esquadras de Polícia; um dia hei-de descrever as minhas experiências com a corporação policial daquele país que, apesar dos pesares, amo muito sinceramente.

Fizeram certamente Nelson Mandela banhar-se em lágrimas. O único Preto que chegou aos patamares dos 'deuses'.

 AFINAL QUEM CAIU NA LAMA?

Há em algum país da Europa a amálgama descriminada e promíscua, esgoto a céu aberto, suja e podre de 'bairros' que vimos e vemos principalmente nas periferias das capitais africanas (quase todas elas) principalmente dos chamados Países Especiais?

Os dirigentes africanos nem conseguem combater eficazmente o mosquito, causa do paludismo e malária que dizima há meio século, diariamente, milhares de almas (principalmente crianças) pelo Continente adentro; as doenças diarreicas (produto da falta de sanidade básica) faz de igual modo uma 'ceifa' aterradora. Doenças que o colono quase já tinha debelado como a mosca do sono, ameaçam 'engolir' povos inteiros.

Tudo isso acontece perante a pecaminosa insensibilidade de um grupinho de "iluminados africanos" (abençoados pelas Igrejas) que preferem comprar castelos de milhões de Euros na Europa e em orgias depravadas, preferem dar de comer aos cães do que ajudar os seus irmãos que não lhes pedem mais do que apenas BOA GOVERNAÇÃO. Gerirem o erário público para o bem de TODOS e da Nação.

E há quem tenha o desplante de vir a público protagonizar uma perversa peça teatral, choramingando "O colono blá-blá-blá".

 Quanto ao anjo, prefiro não comentar. Deus é Branco?.. Até posso aceitar; porém de uma coisa estou certo: preto é que não é de certeza ABSOLUTA!» 

 
Em complemento das extraordinárias declarações de Isomar Pedro Gomes, e como homenagem à sua lúcida isenção, transcrevo o passo seguinte de um dos textos da minha jamais apaziguada desilusão (entenda-se “indignação”)– extraído do texto “Somos bons”, escrito em 1983, do livro “Anuário / Memórias Soltas” (Ed. Minerva, 1999):
 
«… Em boa verdade, não nos interessam os problemas sociais dos povos, por muito cruéis e injustos que sejam, desde que o sejam apenas por conta própria.  Não nos importa que os povos trabalhem ou vegetem, que progridam ou parasitem à sombra das nossas dádivas generosas. Admitimos como idiossincrasia civilizacional a exploração do homem aborígene, sanguessuga da mulher, mandrião e vil. Não nos incomoda esse, porque podemos sempre arvorar, perante ele e perante o mundo, a nossa comiseração paternalista. ….»
«Passamos a África e o quadro pouco diverge nas consequências. Em África há a seca, há atraso, há o batuque e a inapetência para o trabalho, há o tribalismo feroz e sobretudo há, nestes últimos anos, a luta pela liberdade, a ideia fixa dos direitos próprios contra a exploração colonialista, a convicção de que mais vale morrer sem pão mas livre do que sob o jugo alheio, por muito pão que forneça.»
«Claro que todas estas ideias de liberdade são relativas, como todas as ideias, e em nome delas se cometem crimes e vilezas que deixam os ex-colonos vexados pela inferioridade dos seus. Mas como se passam a nível interno, com o apoio, é certo, de colaboradores externos potentes, fechamos piedosamente os nossos olhos democráticos. …..»
 
 
 

 

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