domingo, 26 de maio de 2013

«Há ou não há déficit de atenção?»


Foi com este título que me chegou por email o artigo seguinte, sobre diferentes conceitos de educação – na França e nos Estados Unidos - que originam diferentes procedimentos - pedagógicos ou medicinais - nos dois países, relativamente ao comportamento das respectivas crianças em idade escolar.

Já aqui tinha utilizado dois outros artigos alarmantes sobre os efeitos perversos da ritalina e outros fármacos que os pais portugueses com problemas educacionais dão aos filhos com déficit de atenção. Este artigo vem confirmar o que pensei sempre, seguindo, apenas, a norma do bom senso cobrindo um superávit de terror pessoal em face da manipulação da nossa educação, em muitos casos, por efeito de drogas, por incapacidade nossa de orientação dentro de parâmetros responsabilização e seriedade requeridos.

«Porque é que as crianças francesas não têm Déficit de Atenção?»  

Marilyn Wedge, Ph.D 

«Nos Estados Unidos, pelo menos 9% das crianças em idade escolar foram diagnosticadas com TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), e estão sendo tratadas com medicamentos. Na França, a percentagem de crianças diagnosticadas e medicadas para o TDAH é inferior a 0,5%. Como é que a epidemia de TDAH, que se tornou firmemente estabelecida nos Estados Unidos, foi quase completamente desconsiderada com relação a crianças na França?

TDAH é um transtorno biológico-neurológico? Surpreendentemente, a resposta a esta pergunta depende do facto de você morar na França ou nos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, os psiquiatras pediátricos consideram o TDAH como um distúrbio biológico, com causas biológicas. O tratamento de escolha também é biológico – medicamentos estimulantes psíquicos, tais como Ritalina e Adderall.

Os psiquiatras infantis franceses, por outro lado, vêem o TDAH como uma condição médica que tem causas psico-sociais e situacionais. Em vez de tratar os problemas de concentração e de comportamento com drogas, os médicos franceses preferem avaliar o problema subjacente que está causando o sofrimento da criança; não o cérebro da criança, mas o contexto social da criança. Eles, então, optam por tratar o problema do contexto social subjacente com psicoterapia ou aconselhamento familiar. Esta é uma maneira muito diferente de ver as coisas, comparada à tendência americana de atribuir todos os sintomas de uma disfunção biológica a um desequilíbrio químico no cérebro da criança.

Os psiquiatras infantis franceses não usam o mesmo sistema de classificação de problemas emocionais infantis utilizado pelos psiquiatras americanos. Eles não usam o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders ou DSM. De acordo com o sociólogo Manuel Vallee, a Federação Francesa de Psiquiatria desenvolveu um sistema de classificação alternativa, como uma resistência à influência do DSM-3. Esta alternativa foi a CFTMEA (Classification Française des Troubles Mentaux de L’Enfant et de L’Adolescent), lançado pela primeira vez em 1983, e atualizado em 1988 e 2000. O foco do CFTMEA está em identificar e tratar as causas psicossociais subjacentes aos sintomas das crianças, e não em encontrar os melhores bandaids farmacológicos para mascarar os sintomas.

Na medida em que os médicos franceses são bem sucedidos em encontrar e reparar o que estava errado no contexto social da criança, menos crianças se enquadram no diagnóstico de TDAH. Além disso, a definição de TDAH não é tão ampla quanto no sistema americano, que na minha opinião, tende a “patologizar” muito do que seria um comportamento normal da infância. O DSM não considera causas subjacentes. Dessa forma, leva os médicos a diagnosticarem como TDAH um número muito maior de crianças sintomáticas, e também os incentiva a tratar as crianças com produtos farmacêuticos.

A abordagem psico-social holística francesa também permite considerar causas nutricionais para sintomas do TDAH, especificamente o facto de o comportamento de algumas crianças se agravar após a ingestão de alimentos com corantes, certos conservantes, e / ou alérgenos. Os médicos que trabalham com crianças com problemas, para não mencionar os pais de muitas crianças com TDAH, estão bem conscientes de que as intervenções dietéticas às vezes podem ajudar. Nos Estados Unidos, o foco estrito no tratamento farmacológico do TDAH, no entanto, incentiva os médicos a ignorarem a influência dos factores dietéticos sobre o comportamento das crianças.

E depois, claro, há muitas diferentes filosofias de educação infantil nos Estados Unidos e na França. Estas filosofias divergentes poderiam explicar por que as crianças francesas são geralmente mais bem comportadas do que as americanas. Pamela Druckerman destaca os estilos parentais divergentes em seu recente livro, Bringing up Bébé. Acredito que suas ideias são relevantes para a discussão, por que o número de crianças francesas diagnosticadas com TDAH, em nada se parece com os números que estamos vendo nos Estados Unidos.

\           A partir do momento em que seus filhos nascem, os pais franceses oferecem um firme cadre – que significa “matriz” ou “estrutura”. Não é permitido, por exemplo, que as crianças tomem um lanche quando quiserem. As refeições são em quatro momentos específicos do dia. Crianças francesas aprendem a esperar pacientemente pelas refeições, em vez de comer salgadinhos, sempre que lhes apetecer. Os bebés franceses também se adequam aos limites estabelecidos pelos pais. Pais franceses deixam os seus bebés chorando se não dormirem durante a noite, com a idade de quatro meses.

Os pais franceses, destaca Druckerman, amam os seus filhos tanto quanto os pais americanos. Levam-nos às aulas de piano, à prática desportiva, e incentivam-nos a tirar o máximo dos seus talentos. Mas os pais franceses têm uma filosofia diferente de disciplina. Limites aplicados de forma coerente, na visão francesa, fazem as crianças sentirem-se seguras e protegidas. Limites claros, acreditam eles, fazem a criança sentir-se mais feliz e mais segura, algo que é congruente com a minha própria experiência, como terapeuta e como mãe. Finalmente, os pais franceses acreditam que ouvir a palavra “não” resgata as crianças da “tirania de seus próprios desejos”. E a palmada, quando usada criteriosamente, não é considerada abuso na França.

Como terapeuta que trabalha com as crianças, faz todo o sentido para mim que as crianças francesas não precisem de medicamentos para controlar o seu comportamento, porque aprendem o auto-controle no início das suas vidas. As crianças crescem em famílias em que as regras são bem compreendidas, e a hierarquia familiar é clara e firme. Em famílias francesas, como descreve Druckerman, os pais estão firmemente no comando de seus filhos, enquanto que no estilo de família americana, a situação é muitas vezes o inverso.»

«Texto original em Psychology Today»

            Naturalmente, defendo o ponto de vista da pedagogia francesa, certamente que não destituída dos afectos comuns às demais, mas centrada numa orientação com objectivos formativos que passam pela responsabilização e autonomia sem o excesso de pieguice deles desviante.

Não resisto a transcrever alguns passos de textos já antigos, como este, escrito em 1988, do livro “Anuário – Memórias Soltas”, publicado em 1999, pela Editora Minerva:

“Reflexão sobre Sistema de Ensino”: «…. Que o aluno hoje em dia dialoga mais facilmente com o professor, não ponho em dúvida, como também que o diálogo ultrapassa o mero circunstancialismo da matéria disciplinar para se circunscrever tantas vezes a um protesto oco perante a deficiência das notas ou a um falazar banal ou provocatório, originando a frequente intervenção do professor cônscio dos seus objectivos e das deficientes condições em que actua, perante uma indisciplina generalizada e insana.

Ideal seria, com efeito, que o ensino, centrado no aluno, funcionasse com a activa e real participação deste, mas ao pretender-se abolir a  técnica expositiva das metodologias centradas no professor ou na disciplina, está a falsear-se toda uma missão pedagógica de transmissão de conhecimento que não invalidaria a participação inteligente do aluno e que, pelo contrário, resultaria muito mais consistente e positiva.

Mas as novas metodologias, os novos conceitos de educação, como meio, esta, de descoberta do homem, acima de tudo valorizam, na esteira do disposto na Carta das Nações Unidas, a condição da criança como ser dotado de sensibilidade e de direitos humanos, parecendo-me, todavia, muito pouco defendê-la como homem futuro – o tal “homem de amanhã” - que se deveria pretender igualmente equipado de uma estrutura mental mais rica, aconselhável para a formação de uma sociedade racionalmente estruturada e racionalmente disciplinada, e não gradualmente mais indisciplinada e acéfala, como é aquela que preparamos, com o nosso pseudo-amor e a nossa pseudo-fraternidade, que tiram mais do que fornecem aos alunos que educamos.

E a imagem do adolescente tímido ante o autoritarismo do professor omnisciente, ou indefeso perante a desmotivação do saber, é substituída nos nossos tempos pela imagem do adolescente rebelde e auto-suficiente, ídolo de si próprio, incapaz de reconhecer outros valores que o de um egocentrismo ruidoso e estéril, porque falaciosamente se pretendeu chamá-lo à responsabilidade do seu estar no mundo, sem que o orientássemos por meio de um equipamento mental que o tornasse mais equilibradamente e mais racionalmente observador e crítico…»

Mas nesse tempo – há já 25 anos – a ritalina, se já era usada em casos pontuais, não tinha ainda provocado tal efeito devastador sobre uma juventude condenada, à la longue, a uma personalidade domada por efeito de ingestão de químicos, não tornada consciente, por educação e opção, sobre as suas responsabilidades graduais no mundo.
 
Parece assustador. Antes a indisciplina natural, proveniente da falta de orientação ou de crises familiares, responsável, é certo, pelas depressões docentes, mas que políticas de educação menos acéfalas ou mais sensatas poderão corrigir.




 

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