sábado, 6 de abril de 2013

Norma


Eu não tenho nada contra as exigências
Que impõem as precedências.
Só que não concordo
Com toda a gente atiçada contra um Relvas
Que, ao que consta, obteve um curso de cartola
Um pouco por esmola,
Quando até estamos habituados a estas heresias
Desde que uma revolução de abril
Estabeleceu
Nesse primeiro ano e não sei se nos seguintes,
Que as passagens dos alunos universitários
Eram simplesmente administrativas,
Quer os alunos fossem bons, maus ou assim-assim,
Na igualdade da democracia
Que Abril estabelecia,
O que fez que muitos cidadãos
Passassem ao ano seguinte da sua vida estudantil
Munidos dum diploma que os não envergonhava
Mas que irritava
Os do diploma ganho pelo estudo.
Mas não é isso tudo.
A progressiva bandalheira em que mergulhámos
Proporcionou-nos casos desses vários
Extraordinários
E outros com que nos preocupámos
Num país a saque,
Que uns mais decentes quiseram defender,
Os quais
Todos os mais decidem atacar
Por gosto também das cortesias
Nesta coisa das precedências
E doutras excelências
Que todos desejam, afinal,
Como na fábula louçã
«O boi o cavalo e o burro»
De Florian:

 «Um boi, um burro e um cavalo
Disputavam sobre as respectivas excelências
Para as necessárias precedências.
Um burro! Direis vós,
Tanto orgulho fica-lhe mal!
A quem deve o orgulho pertencer?
Não fica tal!
Qual de nós não pensa valer
O mesmo que aqueles a quem os talentos, a posição,
Elevam acima de nós?
O boi, num tom doce e modesto, ar pesadão,
Alegava os seus serviços numerosos,
A sua força e docilidade,
O corcel a sua nobreza, os seus exercícios valorosos,
E o asno a sua utilidade.
“Tomemos, disse o cavalo, os homens como árbitros:
Vêm aí três, exponhamos-lhes os nossos títulos.
Se houver dois com a mesma opinião,
O processo fica concluído, sem mais altercação.
Vindos os três homens, o nosso boi é encarregado
De ser o relator; ele explica a questão
E pede o julgamento.
Um dos juízes convocados, alquilador normando,
Grita imediatamente: a coisa é clara e de estalo:
Ganha o cavalo.
“Não, caro confrade
Disse o segundo julgador, um gordo moleiro,
O asno deve ser primeiro,
Qualquer outra opinião será de uma injustiça extrema.”
“Oh! nada disso, disse o terceiro,
Feitor da freguesia e rico lavrador,
Ao boi pertence essa honra suprema.”
“O quê! - retoma, espumando de cólera, o corcel;
“A vossa opinião só é ditada pelo interesse pessoal!”
“Pois! Disse o normando, por quem então, se faz favor?
Não é essa a norma habitual?»

 

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