sábado, 13 de abril de 2013

As nossas são sem turbante


Encimado por um belo quadro de “Cassandra” por Evelyn De Morgan, no “A Bem da Nação”, o texto de Henrique Salles da Fonseca:
 
«AS CASSANDRAS QUE POR AÍ PULULAM»

«Sacerdotisa de Apolo, Cassandra era bela a ponto de o próprio deus por ela se apaixonar e de lhe conferir o dom da profecia. Mas recusando-se ela a ceder aos avanços do apaixonado, este lançou-lhe a maldição de ninguém acreditar nas profecias que fizesse.»

«Assim estão os econometristas que se entretêm a construir modelos matemáticos que supostamente representam a economia de um país e com base nos quais profetizam o que vai suceder no futuro económico. Só que a distância entre as previsões e a realidade medida quando o futuro se transforma em presente é vulgarmente tão grande que já pertence à gíria dizer-se que «os econometristas são muito bons a prever... o passado». Cassandras em toda a linha!

E para que servem então essas declarações tão solenes em periódicas conferências de imprensa de que o PIB de tal país vai crescer tantos por cento ou o emprego vai decrescer outros tantos pontos percentuais? A resposta só deveria ser uma: para nada! Mas infelizmente não é assim. Na realidade, servem para justificar a manipulação da informação e esta serve para provocar oscilações bolsistas tanto em títulos de rendimento variável ou fixo como nas taxas de juro dos mercados de capitais, etc. E se a especulação é a base natural do funcionamento bolsista, a manipulação da informação é uma infâmia.

E onde está a origem do mal? Nas profecias em que ninguém de boa-fé acredita: acabemos com a manipulação; acabemos com a má fortuna de Cassandra.

Sim, os modelos econométricos são muito interessantes como instrumentos académicos mas muito perniciosos cá fora das Universidades.»


          E o meu comentário, como sempre admirando a desenvoltura intelectual e moral do autor do texto, que, naturalmente, está do outro lado da paliçada, Deus o abençoe por isso:

Por conta dessa manipulação, para pré-aviso aos manipuláveis, estão também as sondagens de opinião, sobretudo em alturas de aparente sucesso governativo para mostrar a inanidade desse sucesso cá e assustar os governantes. Ou programas humorísticos como "O governo sombra", com um Pedro Mexia que já pareceu mais responsável quando saiu do “Eixo do Mal”, aparentemente por não acompanhar a pedalada verrinosa dos companheiros especuladores. Há, de facto, muitos que usam os cálculos ou a ironia para assustar os tímidos, ou os que acompanham facilmente os calculistas, sem parar para medir os prós e os contras, mais adeptos da anarquia que a democracia favorece.

Não valemos mais do que os africanos, aquando das descolonizações, facilmente impregnados das ilusões transmitidas pelos muitos candidatos a construtores dos seus novos países emancipados. Entre esses, uma tal Joana Simeão, que surgiu airosa e bela a dizer das suas razões sobre o colonizador português, e a quem fiz uns "versos" a condizer, num livro saído então em Lourenço Marques - "Pedras de Sal":

 
"Assim é Joana..."

«Itinerante. Revolucionária. Espaventosa e de gracioso turbante.
Cem por cento militante
- Ela o diz, a gente o crê, pelo que ouve e o que vê -
Vai em frente, sempre avante,
Cheia de força e de fé,
No ardor da sua palavra
Convincente e operante.
Gira que gira, torna que torna,
Põe, depõe, repõe, compõe,
Sempre com garra, sempre com alma.
Assim é Joana,
Itinerante e de gracioso turbante.
Espírito gritante, diz verdades convincentes,
Que andam na boca das gentes.
Insulta e recebe insultos,
Não se rala e vai avante
Devolvendo, veemente,
Olho por olho, dente por dente.
Assim é Joana.
Graciosa, em turbilhão,
Saltando ágil na ampla arena
Do terreno cobiçado
- Moçambique, sua terra -
Onde julga vir a ter
Papel preponderante.
Mas sempre na augusta cabeça
Um majestoso turbante.»

           São as nossas Cassandras. Quais Joanas, mesmo sem turbante.

 

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