segunda-feira, 15 de abril de 2013

Amor, a quanto obrigas


Este ano a minha filha Paula frequentou um curso em Lisboa subordinado ao tema "Literatura-Mundo” como “Fundamentos e Práticas de Leitura". Gostou das aulas, apreciou as competências das professoras orientadoras, sentiu como um banho inovador complementando rotinas de ensino, ao aplicar nas suas aulas os princípios adquiridos, buscando bastos elementos enriquecedores que melhor esclarecessem o sentido e dilatassem os campos de entendimento dos seus alunos. A música, a pintura, a escultura, a literatura serviram de apoio aos seus propósitos, e o relatório final é revelador desse empenhamento.
Foi sobre o tema do Amor intenso, contrariado pelos agentes do fatum e deixando um rasto de sofrimento e vítimas à sua passagem, como é seu apanágio, já o dissera Camões – “Se dizem, fero Amor, que a sede tua / Nem com lágrimas tristes se mitiga, / É porque queres, áspero e tirano,/ Tuas aras banhar em sangue humano.” – que versou o seu trabalho, aplicado ao estudo do “Frei Luís de Sousa” e antecipando outros a fazer neste ano – “Os Maias” – servindo, simultaneamente de revisão de outros textos já estudados antes, e complementando com outros de escritores actuais.

Um trabalho bem organizado, que guardo no meu blog com tanto gosto, como exemplo de empenhamento.

 
«Relatório»

“Tout y parlerait
À l'âme en secret
Sa douce langue natale.

Là, tout n'est qu'ordre et beauté,
Luxe, calme et volupté.”

(Baudelaire, “l’Invitation au Voyage”)

 

«INTRODUÇÃO

«A ideia nasce luminosa e prazenteira, na figura de mulheres e mães que vivem literariamente, mas acaba por se apagar, dissolvida nos caminhos da frágil interpretação e expressão da tragédia vivida pelas personagens de Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett.
A mudança de rumo impõe-se. As dificuldades mostradas pelos alunos na apresentação oral e escrita dos aspetos trágicos da obra em causa, a sua incapacidade de distanciamento das histórias de ficção e de criação de uma linguagem pessoal que as reflita mais adequada e madura, as escassas leituras e pouco estudo agravando o quadro, apontam essa necessidade de um novo caminho.
Viajar, como diz Torga, é isso mesmo: “num sentido profundo é morrer. É deixar de ser o manjerico à janela do seu quarto e desfazer-se em espanto…”
Pretendi, assim, com este trabalho, encontrar uma constelação de textos que lhes fosse acessível e iluminasse a estrada que têm de percorrer, que os envolvesse e lhes desse alguma perspetiva de outros sentidos (contornando a pouca literatura que afinal ficam a conhecer com estes nossos programas atuais) e, finalmente, os sensibilizasse para uma leitura / interpretação menos ingénua da palavra escrita.
Partiu-se, então, para o tema do amor impossível, das relações amorosas contrariadas, com o que comportam de sofrimento nos que os experimentam na e pela literatura, exemplificado, no contexto da acção do drama “Frei Luís de Sousa”, sobretudo com o papel de Madalena, como mulher amante do segundo marido, como mulher amedrontada pela incerteza da morte do primeiro, pelo receio de doença da filha e, consequência do segundo parâmetro, receio pela ilegitimidade desta, certeza que recairá apenas sobre Manuel de Sousa Coutinho.
DESENVOLVIMENTO
Com a aplicação de teste sumativo em janeiro, e a constatação da fraca capacidade dos alunos em entender realmente o universo da antiga tragédia (mesmo após a leitura e análise da Memória ao Conservatório Real e dos dois primeiros atos do Frei Luís de Sousa, antecedida de uma reflexão sobre a história de Édipo, que servira de exemplo para as características (formais e semânticas) presentes neste género literário, resolvi inverter a orientação do trabalho nas aulas.
Tratando-se de alunos da área das artes; considerei a possibilidade de misturar outras linguagens e assistimos, então, aos últimos 30 minutos do filme de João Botelho “Quem és tu?”. Com o apoio dos textos do manual foi analisado o último ato da obra, a catástrofe (evolução e destino das personagens, conceito de amor e imposição das regras de moral sociais, os tipos de morte e o valor do sacrifício de Maria, vítima incontornável. A propósito desta última ideia, (não compreendida imediatamente pelos alunos) relacionada com a presença da cruz, elemento que avulta no cenário do filme, procedeu-se à audição do 1º andamento do Stabat Mater de Rheinberger, com a análise do poema correspondente (em tradução portuguesa) e de um quadro representando o Cristo crucificado e Maria, a mater dolorosa, aos pés da cruz. Aproveitei para os inquirir sobre a Pietà de Miguel Ângelo, que observámos também, articulando com os seus conhecimentos de História da Cultura e das Artes e estabelecendo as diferenças entre a atitude e expressão da mãe nas duas imagens (perceberam, aí sim, o verdadeiro valor simbólico de Maria – vítima? cordeiro?), no Frei Luís de Sousa, estabelecendo as associações e linhas de sentido em falta. …. Ainda a propósito do amor e morte recitei rapidamente o poema de Camões estudado no ano anterior “Alma minha gentil” do qual foi recordado o sentido global.
Ninguém, nesta turma sui generis, soube ou se lembrou de uma história de amor trágico bem portuguesa, que permanece na nossa memória coletiva. Distribuí o poema de Miguel Torga, “Antes do fim do mundo, despertar, sem D. Pedro sentir (…)”, em que a voz de Inês parece confundir-se, nas suas recomendações, com a do sujeito poético. Serviu este apenas, numa primeira fase, para pouco mais do que a identificação da história de amor pretendida.
Passámos, em seguida, à leitura de três textos relacionados com o mito de Inês de Castro, “Trovas à morte de Inês de Castro” de Garcia de Resende, a fala de Inês ao Rei, na tragédia “Castro” de António Ferreira e a mesma fala n’ “Os Lusíadas”. Embalaram-se ao som da primeira, rejeitaram a segunda pela sua linguagem difícil e recordaram com agrado e propriedade a terceira, refletindo sobre o peso da argumentação utilizada, mais uma vez considerando a oposição entre a lei do Estado e a lei do Amor, e o papel destrutivo desta última entidade face às condicionantes da razão ou dos interesses humanos.
Retomando o poema de Torga, puderam encontrar desta vez um sentido mais positivo para esta força da morte que, em vez de tudo relegar ao esquecimento, eleva as figuras à condição de mitos, canta-as na poesia e na literatura em geral. Voltámos à Proposição d’ “Os Lusíadas” e ao final do Canto V, concluindo que é este o papel da Literatura – dar voz – sendo o nosso de leitores, ouvi-la.
Dando por terminada a primeira parte deste trabalho, em jeito de intervalo, na nossa conversa sobre como a perda e a ausência dominam e podem revelar-se tão frutíferas, aproveitei para passar rapidamente duas cantigas de amigo (“Como vivo coitada, madre, por meu amigo” e “Mal me tragedes, ai filha”), explicando o contexto da sua produção – ausência do amigo, no primeiro caso, necessidades amorosas de uma mãe ainda viçosa e oposição da filha convencional. Também eu já sentia saudade de ler com os alunos estas produções retiradas do programa. Foi interessante a sua reação, estupefacta e moralista, perante o segundo poema.
Para a terceira aula, constituí um conjunto de textos românticos- “Outras histórias, outros amores, outras memórias” formado pelo poema “Cascais”, de Garrett, excertos da “Carta de Carlos a Joaninha”, e uma “Carta Teresa a Simão”, do “Amor de Perdição”. Aproveitámos ainda a leitura desta última obra, feita por uma aluna, no âmbito do contrato de leitura, que, a traços largos, a apresentou aos colegas.
O poema foi analisado com mais pormenor e as cartas apenas lidas, no sentido de salientar as diferentes manifestações do sofrimento que nelas perpassa.
Todo este trabalho desagua no estudo da obra “Os Maias” através da delimitação dos planos da ação, da análise do adultério (na crónica de costumes e na intriga secundária) e dos aspetos trágicos da história de Carlos, Maria Eduarda e de seus pais.
Os temas de trabalhos escritos propostos pelos alunos prenderam-se novamente com aspetos trágicos, no “Frei Luís de Sousa”, a partir de uma fala de cada um dos elementos da família, Madalena, Manuel e Maria: em jeito de dissertação foi pedido um comentário global às manifestações de impossibilidade de concretização do amor, criando um clima de tragédia na obra. Escreveram ainda um texto argumentativo sobre a forma como podemos tecer a nossa realização no amor, tendo como sugestão uma frase de Miguel Torga: “O destino destina, mas o resto é comigo”.
CONCLUSÃO
Chegámos ao fim da nossa passagem por esta Oficina. “Literatura Mundo” é um nome amplo que sugere abertura e luz para novos caminhos, daí o nosso desejo de que a sua marca fique impressa em nós para o futuro, como “um terraço sobre outra coisa ainda”.
Contribuiu, seguramente, para melhorar as nossas práticas, indicando pistas e levantando possibilidades. Constituiu-se como um banho de cultura de que nos vamos afastando na nossa corrida quotidiana e ajustamento às necessidades dos contextos em que operamos, mostrando-nos que é possível fazer mais e melhor, mesmo nesses contextos.
Deu, sobretudo, um grande prazer, obrigando-nos a estabelecer relações e a sair do espaço de conforto em que por vezes nos deixamos cair.
Com avanços e recuos (tal como em tudo, afinal), possamos continuar, vencendo medos e lendo sempre, a procurar novos sentidos para as estrelas de novas constelações.
“Que Amor não quer cordeiros nem bezerros…”, quer-nos, afinal, inteiros.»
 

Um comentário:

Anônimo disse...

Νot a problem, Frank glad you are enjoying all of them!



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