terça-feira, 5 de março de 2013

Na Lua


Nem só como fabulista ou contista
Foi La Fontaine considerado,
Pois que a fábula seguinte,
“Um animal na Lua”
Mostra que a sua sabedoria ia
Muito para além das Letras,
Que às vezes até são de tretas,
E metia uma sabedoria
De moderna filosofia
Ao mostrar que o conceito da relatividade
É uma já antiga teoria,
E que a trigonometria
Lhe serve de apoio com racionalidade:

«Enquanto um filósofo assegura
Que os homens são sempre enganados pelos sentidos
Um outro filósofo jura
Que os sentidos jamais nos enganam.
Ambos têm razão: e a filosofia diz a verdade,
Quando afirma que os sentidos enganarão
Enquanto os homens julgarem a partir da sua revelação;
Mas também,
Se rectificarem a imagem do objecto segundo o seu afastamento,
O meio que o rodeia,
O órgão e o instrumento,
Os sentidos não enganarão ninguém.
A natureza ordenou estas coisas sabiamente:
Direi um destes dias, amplamente,
As razões de tal bem.
Eu avisto o sol: Qual é a sua figura?
Cá de baixo esse grande corpo
Não tem mais que três pés de envergadura
Mas se eu o visse lá em cima frente à sua postura
Que seria aos olhos meus senão o olhar da mãe natura?

A sua distância faz-me julgar sobre a sua grandeza;
Sobre o ângulo e os lados a minha mão a determina,

Sem fantasia,
Em cálculo de trigonometria;

O ignorante julga-o plano, em esfera eu o avolumo;
Torno-o imóvel e a terra a andar;

Em suma, desminto o meu olhar em toda a sua estrutura.
Este sentido da visão não me prejudica contudo pela sua ilusão.
A minha alma em qualquer ocasião
Desenvolve o verdadeiro, oculto sob a aparência.
Eu não sigo sem inteligência,
Com o meu olhar talvez demasiado lesto,
Nem com o meu ouvido a reproduzir-me os sons, bem lento.
Quando a água curva um pau por refracção
A minha razão ergue-o:
A razão decide como mestra.
Os meus olhos, mediante este socorro da razão,
Jamais me enganam, mentindo-me sempre.
Se creio na sua referência, erro bastante vulgar,
Uma cabeça de mulher está no corpo da lua.
Poderá isso ser? Não. Donde vem, pois, este objecto?
Alguns sítios desiguais fazem de longe este efeito.
A lua em parte alguma tem uma superfície una:
A subir em alguns lados, em outros aplanada,
A sombra com a luz pode por vezes lá traçar
Um homem, um boi, um elefante.
Há pouco a Inglaterra, viu lá coisa semelhante,
- “O Elefante na Lua”, poema de Samuel Butler -.
Posicionada a luneta, um novo animal apareceu
Neste astro tão belo; e cada um se maravilhou:
Tinha chegado lá acima uma transformação
Que pressagiava sem dúvida um grande acontecimento.
Não seria que a guerra entre tantas potências
 – Holanda, França, o Império Germânico, a Suécia, a Espanha –
Não era o efeito disso? O monarca inglês, Carlos II, acorreu:
Como rei, favorece os altos conhecimentos.
O monstro na lua por sua vez lhe apareceu.
Era um rato escondido entre copos:
Na luneta era a fonte destas guerras.
Riram por isso. Povo feliz, quando poderão os Franceses
Entregar-se como vós a estes prazeres?
Marte faz-nos obter amplas colheitas de glória:
Aos inimigos pertence os combates temerem,
A nós o procurá-los, cientes de que a vitória,
Amante de Luís, de nós será,
Os seus passos por toda a parte seguirá,
Os seus loureiros tornar-nos-ão célebres na história.
Mesmo as filhas da Memória
Não nos abandonaram; nós saboreamos prazeres;
A paz é conforme aos nossos desejos, não nos dá suspiros.
Carlos sabe usufruir disso. Ele saberia na guerra
Assinalar o seu valor e conduzir a Inglaterra
A estes jogos que em paz ela hoje vê.
Todavia, se ele pudesse acalmar a discórdia
Quanto incenso! Há algo mais digno dele?
A carreira de Augusto foi menos bela
Que as famosas proezas do primeiro dos Césares?
Ó povo feliz, quando virá a paz clemente
Tornar-nos, como a vós, às belas-artes
Entregues inteiramente?»

 E, a partir, assim, de uma figura
Apercebida na lua,
Que serve de brincadeira
Mas também de reflexão,
Traça La Fontaine o itinerário
Dos reis amantes de guerra
Mas também das belas letras
A dar satisfação
A quem delas beneficiava.
Quem dera
Que entre nós também houvera,
A partir de antigamente,
Quem as belas letras defendesse,
Como condição imprescindível
Para o mundo tornar compreensível
A todo o homem, com mais ou menos filosofia.
Mas os nossos escritores dessa época,
Indispostos com a vida,
Só pediam
O retorno egoísta
A uma mediania letrada
- Dourada, como diziam -
E nem se apercebiam
De que o pobre povo
Ficava sempre para trás,
Povo bobo, sem visão
Nem orientação.
E hoje também se diz
Entre nós,
Que a protecção
Das belas letras e artes
Recebe muitos maus tratos.
Mecenas, só os têm,
Os partidos
Eos clubes de futebóis,
Não tenhamos ilusões.

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