segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

“Ó glória de mandar”


De La Fontaine “Os dois galos”
São exemplo de feição
Para este ano começar
Em boa meditação
Após os apontados,
Como talismã,
No ano que terminou,
De Esopo e Florian

A toda uma grei irmã,
- Que assim o determinou
A lei cristã
Que homens e bichos irmana
Na reflexão humana:

«Dois galos viviam em paz; uma galinha apareceu,
Eis que a guerra começou.
Amor, tu perdeste Tróia; e foi dest’arte
Que se formou
A questão envenenada
Em que o próprio Xanto, rio troiano,
(Juntamente com o Escamandro)
 Foi tingido
Com o sangue dos deuses Vénus e Marte.
A notícia corre pela vizinhança.
A gente de crista ao espectáculo acorreu
Com prestança.
Mais de uma Helena da mais bela plumagem
Foi o prémio do vencedor; o vencido desapareceu
Falho de coragem.
Foi esconder-se no fundo do seu retiro,
Chorou, em fartas dores,
A sua glória e os seus amores.
Os  amores, que, ante a sua derrota,
O rival vaidoso
Exibia  à vista dele.
Cada dia ele mirava, furioso,
A venerada imagem
A reacender o seu ódio e a sua coragem.
Afiava o bico, batia o ar e os flancos,
E, exercitando-se contra todos os ventos,
Armava-se de uma ciumenta raiva.
Mas não precisava disso. O seu vencedor
Sobre o tecto se foi empoleirar; e cantar a sua vitória.
Um abutre ouviu a sua voz de estentor:
Adeus amores, adeus glória.
Todo esse orgulho pereceu sob a garra do abutre.
Enfim, por um fatal retorno,
O seu rival venturoso voltou
A coquetear-se em torno  daquela franga.
Deixo a pensar na sua lábia,
Porque houve damas aos montes.
A Fortuna entretém-se a pregar destes golpes:
Todo o vencedor insolente trabalha para sua perda.
Desconfiemos  da sorte de grande porte,
E tomemos cuidado connosco, sem falha,
Após o ganho de uma batalha.»

Por isso se fala em roda da fortuna
Ou nos alcatruzes da nora que ora
Estão no alto ora lá por baixo.
Ora dentro ora fora
Do poço de água clara.
Mas eu não acho
Que quando se obtém
O tacho de qualquer luxo
Seja necessária tanta prevenção
Contra o desvio provável
Verdadeiramente insuportável,
E de decepção
Dessa roda da sorte forte
Em azar de morte.
Aqui, pelo menos,
Não vemos disso, não.
Que abutres somos
Os que subimos.
Sempre isso vimos.
Sem excepção.

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