segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

May be


Os fabulistas antigos
Usaram os animais
Como exemplos excepcionais
Dos desmandos dos humanos
Atribuindo-lhes sentimentos
E falas e actuações
Como se fôssemos nós próprios,
Nas nossas contradições.
Tais contos tão principescos,
Gratos à inocência da infância,
Formaram os fabulários,
- Ou até mesmo bestiários -
Por serem animalescos.
Florian, que é mais moderno,
E como fabulista,
Mais realista,
Perdida a crença primitiva,
Não se importou de utilizar
Na sua rábula,
O homem como exemplo de fábula:

«O Rei e os dois Pastores»

«Certo monarca deplorava um dia a sua miséria,
E lamentava-se de ser rei;
“Que penoso ofício! dizia; na terra
Existirá um único mortal contrariado como eu sou?
Eu queria viver em paz, forçam-me à guerra,
Com muita léria
Com muita treta:
Amo os meus vassalos, e carrego-os com impostos;
Amo a verdade, a cada passo sou enganado;
O meu povo é consumido de males,
De tristeza eu vivo acabrunhado;
Por toda a parte procuro pareceres,
Uso todas as tácticas, em esforço vão;
Quanto mais faço, mais me foge o êxito.”
O nosso monarca avista então
Um rebanho de magros carneiros
Tosquiados de fresco,
As ovelhas sem cordeiros, os cordeiros sem as mães,
Dispersos, balindo, desgarrados,
E uns carneiros sem força errando
Nos descampados.
O seu condutor Guillot ia, vinha, corria, procurava
Ora o carneiro que na mata se perdia,
Ora o cordeiro que para trás ficava,
Corre em seguida à sua mais querida ovelha;
E enquanto está a um lado,
Um lobo agarra no carneiro
Que leva a correr.
O pastor acorre, o cordeiro que deixou,
Uma loba o filou.
Guillot pára, sufocado,
Arranca os cabelos, não sabe aonde acudir,
E com os punhos batendo na cabeça,
Pede ao céu para morrer.
“Eis a fiel imagem da minha figura!
Exclama o monarca nessa altura;
E os pobres dos pastores,
Tal como nós, rei,
Rodeados de perigos, de desamor,
Não têm nada doce escravatura,
O que não deixa de ser consolador.
Dizia ele estas palavras sem grande lisura,
Descobre num prado o mais belo dos rebanhos,
Carneiros gordos, numerosos,
Mal podendo caminhar,
Tanto o seu rico velo lhes pesa.
Carneiros grandes e altivos,
Todos em ordem pastando,
Ovelhas ao peso da lã vergando,
E cuja teta cheia
Atrai de longe os cordeiros saltitando.
O pastor -  autor -
Fazia versos para a sua Iris,
Cantava-os docemente em ecos enternecidos,
E depois repetia a ária
No seu rústico oboé.
Espantado, o rei dizia: “ - Este belo gado
Em breve será destruído;
Os lobos não temem
Os pastores amorosos que cantam
A sua pastora, seja ela Iris, ou Fílis,
Ou lá como é;
Não será com uma cana que os afastam.
Ah! Como eu me riria se!...
No mesmo instante o lobo passa,
Como para lhe dar prazer,
Um cão, pronto a apanhá-lo,
Lança-se e vai expulsá-lo.
Ao barulho que fazem a combater,
Dois carneiros amedrontados fogem, pela planura:
Um outro cão parte, que os vai trazer,
E, para a ordem repor,
Um instante é bastante.
O pastor tudo isso via, deitado no relvado,
A gaita de foles, que não largava,
Ao seu lado.
Então o rei, bem irritado,
Disse-lhe: “- Como fazes tu isso?
Os bosques estão cheios de lobos,
Os teus carneiros, gordos e belos,
São para cima de mil,
Consegues mantê-los na maior das calmas,
Tu só, e ainda por cima
Cantando.”
“- Senhor, disse o pastor,
A coisa é mesmo fácil
E tem suas prescrições;
O meu segredo consiste
Em escolher bons cães.”»

E andamos nós nestes enganos
Sem perceber as razões
Por que há já tantos anos
Vivemos com tantos danos,
Tantas desmotivações
Que até são mais que as mães,
Ouvindo razões, sem-razões
Dos varões,
Decanos bem brincalhões
Nestas questões,
Quando o que era indispensável
- Incontornável -
É que houvesse cá bons cães,
Olhos e ouvidos do rei,
A aplicar a lei
Para nosso bem.
Eu sei.

Nenhum comentário: