quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Na província neva


Falou-se nas festas e a minha amiga frisou a bolarada que se come nestas alturas, eu nas despesas que se praticam e no cansaço dos cozinhados. Concluímos sobre o rolar rápido do tempo, os natais tão repetitivos, mas as nossas imagens de ternura foram de facto as crianças e a sua felicidade momentânea, que os nossos filhos já viveram, e que agora revivem como pais de meninos pequenos com os quais enfeitam a árvore, esperando o Pai Natal que eles próprios se prontificam a protagonizar.
Mas outras imagens nos passaram pela lembrança, a das nossas proezas nacionais, de safadezas muitas, de esperanças poucas, de gente de opinião opinando, de gente de acção obedecendo às ordens dos promotores dela, que instigam à greve para destruição ainda maior do país, porque para esses é esse o caminho certo, no objectivo de serem eles a endireitar o país, começando por deitar abaixo o governo, embora sabendo que nenhuns outros possuem a varinha transformadora a não ser para arrebanhar o resto dos trocos na manjedoura desfalcada e carcomida no muito que serviu de pasto ao longo dos séculos da sua história, a quem o conquistou pelo esforço da sua grei, a quem ultimamente o recebeu de mão beijada e o disseminou sem prestar contas, no atordoamento deslumbrado de uma manjedoura subitamente rica e disponível como nunca se vira antes.
E as cenas caricatas na nossa palhaçada, a que a minha amiga dá especial destaque como aquela de Relvas defendendo a candidatura de Fernando Seara à Câmara de Lisboa, pelo PSD, o que provoca a pronta conclusão de Rebelo de Sousa sobre o proveito que disso colhe António Costa, e fez a minha amiga concluir:
- Seara devia tê-lo mandado calar: “O Senhor cale-se, não fale em mim”.
Também a minha filha Paula se saiu com observações sobre as trocas camarárias presidenciais, necessárias, ao que parece, para evitar as tais redes de subsídio dependência angariadora de votos e empregadora de amigos:
- Ao menos ficassem lá no curral deles! Seara sai de Sintra para concorrer a Lisboa, Moita Flores, da câmara de Santarém, vai concorrer a Oeiras…
- Então e o Isaltino coitado?
Solidárias, lembrámos vários destinos camarários para o Isaltino, Fundão pareceu-nos o curral mais de acordo com os fundos da sua escola transformadora de espaços físicos e simultaneamente enriquecedora do seu alforge pessoal de fundura acentuada, ao que se diz.
E voltámos ao caso de Ana Leal e às escolas GPS que, segundo a Paula, começaram com cooperativas de ensino onde não havia escolas, o que fora uma coisa útil. Mas, aos meus elogios à coragem de Ana Leal nas suas entrevistas de denúncia, a minha filha concluiu que ela só entrevistara a arraia miúda, os responsáveis mantendo-se encolhidos nos seus currais de importâncias ganhas na impunidade de uma democracia que os catapultou para a ribalta do poder económico e outros poderes disso consequentes, como significado ao nosso nível do termo “democracia”.
Mas é tempo de fazer compras de Natal. É tempo de lembrar Fernando Pessoa, nas suas contradições e paradoxos de solitário triste e simultaneamente contente do seu distanciamento desse mundo aconchegado, onde ele não quer ter lugar .
Natal... Na província neva.
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.

Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo,
Stou só e sonho saudade.

E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei!

Tempo da tristeza de Pessoa, tempo da nossa tristeza, de motivos menos artistas, porque apenas temerosos das consequências da nossa neve de provincianos.

 

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