domingo, 4 de novembro de 2012

“Arranca o estatuário”


Uma vez mais La Fontaine
Revela um saber de humanista

Ao interpretar como fabulista
Moralista,

Os mitos de antigamente
Como é exemplo a fábula seguinte
De escultor receoso
Da sua estátua de um deus tenebroso
Ou do próprio Pigmalião
Apaixonado pela sua Galateia
O que não nos devia espantar, todavia,
Pois o amor é quase sempre anomalia,
Como já aprendemos com Adão,
Que até sofreu amputação
Para amar a sua Eva em harmonia.
Todavia a fantasia
Que redunda em tragédia hoje em dia,
Não tem perdão.

«O estatuário e a estátua de Júpiter»

«Um bloco de mármore era tão belo
Que um estatuário
Não pôde deixar de comprá-lo.
“Que fará dele o meu cinzel? – disse ele,
Será um deus, uma mesa ou uma bacia
De uma fonte de água fria?
“Será um deus: eu mesmo quero
Que tenha na mão um trovão.
Humanos! Votos fazei:
Eis o senhor da terra! Tremei!”
O artífice tão bem exprimiu
O carácter do seu ídolo
Que toda a gente considerou
Que a Júpiter não faltava nada
A não ser a palavra articulada.
Até se disse que o operário
Mal a imagem concluiu,
Do seu imaginário,
Foi o primeiro a estremecer
E a própria obra temer.
À fraqueza do escultor
Em nada o poeta ficou a dever,
Receando a cólera e o ódio
Dos deuses, de que foi o inventor.
Ele era criança nisto assim:
As crianças têm a alma ocupada
Na cruel preocupação
De que a sua boneca não seja estragada
Para nenhum fim.
O coração segue o espírito facilmente:
Desta corrente é nado
O erro pagão que se vê
Em tantos povos espalhado.
Eles acalentavam violentamente
Os interesses da sua quimera.
Pigmalião tornou-se amante
Da Vénus de quem foi criador.
Cada um, cá da galera,
Vira o mais possível
Os seus sonhos em realidades
De forma terrível:
O homem é de gelo ante as verdades
É de fogo para as falsidades.»


E aqui estamos nós,
Parados no tempo, expectantes,
Ouvindo verdades de uns e de outros,
Pedantes, bem falantes, estridentes,
Talvez por mentiras mais que evidentes,
Relevantes,
Em ondas sucessivas de aldrabices
De sacanices,
Vindas de muito detrás,
De engravatados ou bem fardados,
Que assim vão passando aos vindoiros,
Sem desdoiros ,
A nossa falta de qualidade
Para a eternidade.

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