quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Três tristes tigres


Hoje levei à minha amiga vários artigos que me deram no goto, por concordar, na sua essência, com as opiniões dos respectivos autores a respeito das figuras que descreveram.

Um deles, do “Comendador Marques de Correia”, não o da Revista mas do Primeiro Caderno do Expresso de 20 de Outubro, sobre Basílio Horta, em quem em tempos desancáramos, quando se passou para o PS e o ouvimos vomitar as grosserias habituais dos adeptos dos partidos contrários ao do Governo, mas nele acentuados com um calor de especial iracúndia, mais interessado em exibir os espasmos da sua demagogia altissonante do que em ponderar sobre a salvação do seu país.

Afinal, há quem o conheça melhor ainda do que nós, que o escutámos em diferentes posicionamentos discursivos, mais cordatos os primeiros, de uma exaltação disparatada e inesperada, os segundos.

Não resisto a transcrever-lhe o retrato, feito com a habitual ironia do “Comendador”, Henrique Monteiro de sua graça, que o intitula “Ditosos filhos que tal pátria têm”. Sim, a pátria somos nós todos, os da nação alfobre e jardim de tantos destes.

«Declinamos hoje um nome que, em coerência sempre serviu as mesmas ideias: as suas! Nunca se desviou da rota, e ainda que a outros o seu rumo pareça errante, tal deve-se ao facto de a linha mais curta entre dois pontos ser em ziguezague.

Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca  é um jurista e político que nasceu em Lisboa a 16 de Novembro de 1943. Como político, foi sempre justo e como jurista foi sempre polido. Estão-lhe no sangue todas essas qualidades, embora seja um homem sem interesse nenhum, como se pode constatar no seu registo de interesses na Assembleia da República.

No entanto, o jovem Basílio foi reacionário até aos 62 anos, uma vez que até 2005 foi deputado eleito nas listas do CDS/PP. Desde 1976, foi eleito pelo mesmo partido sete vezes (quatro por Braga, duas pelo Porto e uma por Viseu, demonstrando predilecção por círculos à esquerda. Foi ainda quatro vezes ministro do Comércio e embaixador da OCDE.

Foi também do directório do CDS, em conjunto com Adriano Moreira e Manuel Monteiro, numa troika que ficaria imortalizada (embora de forma muito irreverente e pela qual, desde já, pedimos desculpa), com o epíteto da troika do velho, do rapaz e do… Basílio! Foi, ainda em tempos de juventude, candidato da direita às eleições presidenciais, em 1991, contra Mário Soares, de quem disse o que Maomé não disse do toucinho (e vice-versa), embora o tempo entretanto decorrido, esse malandro, faça com que ambos os socialistas estejam hoje de acordo na necessidade para superar as contradições e os males do mundo.

A sua adesão ao espírito do PS foi, mais ou menos, coetânea com a sua nomeação para o AICEP, agência de que foi presidente. Daí transitou para deputado socialista, desta vez pelo círculo de Leiria, aproximando-se finalmente do Sul e da sua terra, sendo agora, e depois de anos no engano da direita, o mais encarniçado defensor do socialismo democrático.

Homens como ele, fortes entroncados e seguros, dados à ondulação, já Camões cantou:

Daqui fomos cortando muitos dias,/ Entre tormentas tristes e bonanças,
No largo mar fazendo novas vias, / Só conduzidos de árduas esperanças.
Co mar um tempo andámos em porfias, / Que, como tudo nele são mudanças,
Corrente nele achámos tão possante, / Que passar não deixava por diante».

Outro artigo foi o intitulado “História de uma pequena igreja” de Vasco Pulido Valente, do “Público” de 14/10. Foi sobre Jorge Sampaio, cuja aparência de rectidão e nobreza nos discursos de seriedade sempre me pareceram mistificatórios, o que comprovei com a deslealdade interesseira na deposição de Santana Lopes do cargo de primeiro ministro, em 2005, mas a minha amiga já sabia da sua presunção por intermédio de amigas suas que o conheciam, e frequentemente falávamos dele sem simpatia.

 Este retrato de Pulido Valente prova que não nos enganávamos, descontada a subjectividade do seu autor em favor da análise de rigor histórico: mais um “ditoso filho de uma pátria” alfobre destes “talentos” já consignados na literatura queirosiana.

É sobre uma pesada biografia de 1007 páginas sobre Jorge Sampaio até ao momento da sua candidatura a presidente da Câmara de Lisboa, escrita por José Pedro Castanheira:

«… Mas, no fundo, José Pedro Castanheira acaba por fazer a história da geração de 62, mais precisamente da dúzia e meia de pessoas que se distinguiram na primeira grande guerra estudantil contra a Ditadura. E só por isso o esforço (da leitura) se recomenda, embora essa história seja desoladora e triste, sobretudo para mim, que assisti a parte dela e conheci quase toda a gente que nela entrou.

O grupo, muito “revolucionário”, que depressa se juntou à volta de Jorge Sampaio acreditou piamente em cada baboseira ideológica, que lhe vinha da França e também de Itália. Isto assentava, como se calculará, numa ignorância abissal – de história, de filosofia, de economia e do próprio Marx, que nunca se deram ao trabalho de atenuar. Iam saltando de um erro para o próximo, com a mesma convicção e o mesmo deleite. Hoje, Sampaio sacode essa persistente peregrinação pela asneira e pela pura idiotia (que durou quase vinte anos) como um efeito inócuo da imaturidade. Mas não fala da pressão do PC e da extrema esquerda, que ele queria reunir num “autêntico” partido socialista. De resto, os sampaístas foram sucessivamente conhecidos pelos caminhos que abandonaram e pelas derrotas que sofreram: ex-CDE, ex-MES, ex-GIS, ex-Secretariado ou qualquer outra coisa que lhes permitisse continuar à tona.

Amigo de alguns deles, detestando do coração a maioria, nunca me senti parte da família. Como no PC, viviam juntos, quase na promiscuidade. Nas férias, no trabalho, na política, ao almoço e ao jantar (tornaram célebre, por exemplo, o restaurante do Hotel Flórida). E José Pedro Castanheira, com uma paciência sobre-humana, descreve os milhares de vezes que se reuniram, em casa deste ou daquele, para discutir a intriga do dia ou futilidades sem nome e sem propósito. Eram uma igreja. Ambiciosa, ainda pior cima. Mas como Sampaio, num excepcional momento de franqueza explicou, 30 amigos certos valem bem três mil militantes na rua. E, nesse ponto, acertou: não mais do que 30 amigos conseguiram que ele finalmente chegasse a Belém, onde a vacuidade final do grupo se manifestou em todo o seu esplendor.»

É do jornalista Ferreira Fernandes , na coluna “Um ponto é tudo”, do DN de 23 de Outubro, que transcrevo o texto “Marcelo e o vídeo para alemão ver” sobre a observação de Marcelo Rebelo de Sousa acerca de um projecto de um vídeo para a Alemanha justificativo das nossas razões aqui, a merecerem a clemência deles lá, coisa que já discutíramos, a minha amiga e eu, como mais uma calamidade sobre a nossa insignificância exibicionista, a merecer o riso e o desprezo. Mas o texto de Ferreira Fernandes tem suficiente graça, embora não nos liberte da preocupação sobre um “dito e feito” piroso e humilhante de mais um “ditoso filho” da pátria humilhada, que vai sussurrando dados de intriga, como alcoviteira de olho aceso, a levantar o véu da sua fofoca malandra e tola:

No domingo, na TVI, Marcelo disse que queria fazer um vídeo para explicar Portugal aos alemães. Da última vez que vi Marcelo a explicar alguma coisa em vídeo era sobre o aborto e ele (Marcelo, não o aborto) tinha a voz parecida com a do Ricardo Araújo Pereira. Se querem que seja sincero, acho melhor não. Marcelo em vídeo é demasiado imaginativo, contraditório e brilhante para explicar alguma coisa a um povo quadrado. Já estou a vê-lo, mãos esvoaçantes ao sabor dos argumentos (quando os alemães gostam mais de mão hirta): “A austeridade é má para os portugueses? É! Mas eles não a merecem? Merecem! Uma coisa é a austeridade nos portugueses…Outra  coisa é a auuuuutoridade dos alemães…” E assim por diante. Receio que os alemães, vendo um reputado professor universitário tão espalhafatoso, decretem: estes tipos não podem ser levados a sério. E nos apertem ainda mais a tarraxa. Os alemães adoram passar multas a professores que saiam da norma. Um vídeo bom para eles tinha de ter um professor de voz e de conclusões inexoráveis: é assim e aguentam. Olhem, o Vítor Gaspar explicava-nos bem aos alemães. Os alemães têm aquilo, a “Schadenfreude”, um motor de alma (é, eles não têm estados de alma) que os faz ter alegria com o mal dos outros. De um vídeo com Vítor Gaspar eles gostavam, riam muito e erguiam a caneca, limpavam a espuma com as costas da mão e mandavam-nos trabalhar.”

Três heróis nacionais, três ditosos de uma pátria que assim se retrata na mediocridade, apesar dos outros que não só souberam mostrar ao mundo novos mundos, mas que a dignificaram com a sua arte, o seu saber e a sua coragem, ou que vão demonstrando qualidades e comportamentos que nos permitem ainda a esperança .

 

 

 

 

 

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