quarta-feira, 3 de outubro de 2012

“Aumentam os seguranças”


Falámos no bonito gesto da Adriana, acariciando a couraça do polícia Sérgio, imagem de ternura e deslumbramento que tanta emoção e entusiasmo despertou no país, devidamente registado nas vozes dos políticos, na escrita dos jornais, nas referências da Internet, como nosso “casus belli” a merecer digna epopeia nos nossos tempos conturbados.

Até me lembrou, por contraste, o gesto do Astianaxezinho, no canto VI da Ilíada, quando viu o elmo de crista de crinas de cavalo do seu papá Heitor, e se pôs a chorar de susto, o que forçou Heitor a pôr o elmo no chão para beijar o filho, juntamente com a atribulada Andrómaca que tanto apelou para que o marido não fosse combater contra Aquiles, que já lhe tinha matado o pai e os sete irmãos e que iria sem dúvida fazer o mesmo ao marido, o que teve como efeito a resposta comovida de Heitor, mandando-a, com imensa ternura, para os seus lavores de tear e roca, que a ele competia defender marcialmente Tróia e os troianos, como grande herói que era e sabedor dos seus deveres.

Mas o gesto da nossa gentil Adriana de carícia à couraça do nosso gentil polícia Sérgio, e fixado em notável foto que marcará na nossa história pátria, sem que, hélas! surja um épico disposto a eternizá-lo, apesar de estar nele bem expresso “o peito - embora couraçado - ilustre lusitano”, para o possível canto épico, em “som alto e sublimado” já que a nossa era das glórias foi ultrapassada e só nos resta a crise, recorda bem, esse gesto gentil, sem dúvida, o da esposa de Heitor, acariciando o marido com a mão, na tentativa infrutífera de o demover do combate com Aquiles.

 Adriana também acaricia a couraça de Sérgio, num gesto de terna sensualidade, de quem apela para que deixe o dever que lhe impôs o Governo, de defender a ordem, e que desça à praça e mesmo a ela que é tão bela, para defender a manifestação popular dos que preferem o pão e mandar abaixo a governação.

Estávamos nós nestas amenas referências aos acontecimentos vividos e mesmo repetidos na história e na arte intemporais, quando chega a minha filha Paula, com a experiência dos seus agravos, sem gestos de doçura mas de crença nos malogros:

-“Vamos para a rua p´rás manifs e agora pagamos-lhes as seguranças!”

E ei-la com a minha amiga em altissonantes referências ao governo de ministros, assessores, consultores de imagens, secretários de Estado  etc., cada qual protegido por abundância de seguranças, exemplo visível de gorduras estatais não desaparecidas, enquanto os trabalhadores perdem o seu emprego ou são espoliados no seu ordenado e o mal estar do desemprego e da fome vai alastrando.

Mas a brutalidade da dívida nacional e a imposição de a pagar não passam na boca dos críticos nem dos manifestantes, como motivo de moderação.

Venham então os seguranças, no cavalo da nossa “Tróia” a destruir. E juntem-se aos guerreiros da praça pública, com as suas armaduras das carícias.

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