sábado, 27 de outubro de 2012

“Às vezes querem a cama”


A minha amiga começou por falar no BPN como organismo que, segundo ouvira e vira nas mídia, se repusesse o que roubara, pagava-se o que se devia ao BCE. E eu referi que ontem a cabeleireira já me dissera o mesmo, pois também escutara, tendo-lhe eu respondido que para isso era preciso que importassem dos paraísos fiscais o produto desses furtos nada fortuitos porque programados com a competência que nos ficou de mestres eminentes, como Alves dos Reis, com o que a cabeleireira concordara por também ter visto o filme. E a minha amiga vá de continuar, alheia às minhas práticas coloquiais com a cabeleireira, que afinal também é a dela, não havia razão para o desinteresse:

- Roubaram tudo e a Tróika acaba de dizer que as pessoas têm que passar por isto com dor. Eles não podem fazer mais nada, quando dizem que não podem ceder, que estamos na era do “condor”.
- Em trocadilho, está visto.
- E aquele sacrifício exigido aos médicos de horas seguidas de trabalho diário! E sabe o que pode acontecer? Ficam esgotados e cometem erros.

- Sim, os professores também andam esgotados e podem falhar, mas não põem vidas em risco. Só as suas.
- Já viu a quantidade de falhas? Até gente morre… Uma técnica de máquinas ligou aquilo mal… E sabe o que acontece? Tem de ir para a rua. Assou a pessoa num forno, como um animal. Uns dias depois, foi a mulher com uma dor no peito. Já está tudo a morrer assim, com dor no peito. Foi para casa. Ora estes fulanos médicos não sabem que isto acontece? Que às vezes a dor volta e é fatal? Aconteceu com o filho de uma minha amiga. Baixou ao hospital de Setúbal, mas mandaram-no para casa, aparentemente melhor. A dor no peito voltou, mas a família levou-o desta vez para o Garcia de Horta. Houve uma amiga de peso que perguntou por ele, o bastante para o tratarem com cuidado. Foi operado para abrir uma válvula. E o hospital de Setúbal manda-o para casa? Mas eu alguma vez tinha que dizer isto: se não há cama, metam-no na maca. Às vezes querem a cama, por isso os mandam para casa. E aquele rapaz actor, de 41 anos? Também foi ao hospital e também voltou para casa e a dor insuportável voltou. E assim morreu. As famílias agora também não se calam. Isto não pode acontecer. E a mulher que voltou para casa depois de ter estado ligada  a uma máquina mal programada… Volta para casa, começa a ter bolhas no corpo e ela morre. O que é que nos interessa a nós, doentes, que os médicos estejam cansados? Mas voltamos ao mesmo. Não se pode fazer doutra maneira, actualmente. À custa de vidas! Muitos velhos têm a receita na mão e não compram. As farmácias dizem: já os há aos molhos. Pronto! Começam a morrer! São velhos. Não tomam medicação. Parece notícia do outro mundo. Andam a faltar remédios. As farmácias pagam impostos tão grandes ao Estado que não podem pagar aos fornecedores. Mas os médicos dos hospitais também andam cansados. Já se nota bem isso. Eu tenho imensa pena que os horários sejam assim. E ontem na assembleia, os empresários estavam revoltadíssimos, obrigados a fechar… E esses Soares e Sampaios, contra as medidas! Não haviam de ser, eles! Vem a Troika e diz que não há outra maneira….

Finalmente, pude falar em Belo Marques. Tinha ouvido o programa sobre ele no Canal Memória. Um homem de valor, compusera sinfonias, mas o país desdenhara delas, estendera-lhe a mão para outro género de composições, e assim nasceu “Alcobaça”. E também a bonita música que se me fixou na memória, por me trazer lembranças do meu pai cantando-a ao som da sua viola:

«Na minha aldeia
Não há ódios mas estimas.
Tem-se amor pela vida alheia
Tudo são primos e primas.
Sem ambições,
Cada qual seu pão granjeia.
Há noite há serões
À luz da candeia.»

Falámos nas tais sinfonias de Belo Marques, provavelmente arrumadas na prateleira, que não somos gente de valorizar sinfonias. Sempre valorizámos com mais ponderação  jogadores de futebol.  Alguma coisa havíamos de valorizar! Que a ninguém admitimos desconsiderações, pela nossa falta de valorização!

Nenhum comentário: