terça-feira, 28 de agosto de 2012

Uma crónica da Paula


A minha filha Paula foi passar uns dias de férias a casa de uns primos nossos, que nos estão ligados por amplas recordações de um passado que da aldeia se continuou por terras de África. A amizade que mantemos hoje transpôs-se aos meus filhos, sempre por eles recebidos com a alegria de que usufruíamos nós também, no tempo em que ali nos deslocávamos, a recordar momentos vividos, a viver novos momentos de alegria e amor para recordar.

E a Paula fez um texto para uma revista - “Vox Maris” – do grupo coral a que pertence e enviou-mo. Gostei, e comentei o seguinte:

“Um título maroto, um descritivo primoroso, carregado de observação e com a sua maliciazinha suave sobre um espaço de modernidade imposta num sítio mais ligado a uma ancestralidade primitiva, a ternura do regresso a casa, para os silêncios com os sons costumeiros, ou, o que é mais banal, para os sons com os silêncios do costume e da rotina, um texto muito bonito.”

Eis o texto, que com tanto prazer ponho no meu blogue, verificando embora, com tristeza, que o dever de ofício lhe impôs estricta obediência às normas do Acordo Ortográfico:
 

«O som do silêncio»

(crónica de umas férias portuguesas sem subsídio)

          «O Teixeira, criança já fantasma da futura barragem de Ribeiradio, estende-se em frente, para ambos os lados, palpita ainda claro e fresco entre as pedras que contornam a piscina natural. Depois cai e segue, saltando feliz, o seu caminho, entre rochedos e plantas várias. Na outra margem, mais longe, o arvoredo sobe pela montanha, verde riso claro e escuro, refletindo o sol quente da tarde de agosto.

          Em repouso, nós, estendidos nas toalhas – conversa, leitura, contemplação, sono e sonhos tranquilos – secamos ao sol ou à sombra. Na água, crianças, alvo da atenção dos pais, riem e mergulham, fugindo… Boias, pequenos barcos e colchões, movimentos ágeis de quem vive férias risonhas, apesar de tudo.

          Ao fundo, nesta margem, entre duas árvores, uma rede de badmington espera os jovens do grupo que foi há pouco fazer uma caminhada pelo campo, para a animada partida ao entardecer.

          Secos, retomamos o caminho da festa de anos a que pertencemos, cem metros acima: um piquenique entre latadas, junto ao bar de pedra da praia fluvial, e encostado ao rústico campismo, junto dos grelhadores. O nosso espaço, abrindo-se com a sua porta de brilhantes e civilizadas fitas vermelhas soltas ao vento, enfeita-se de capulanas, mantas coloridas, tochas espetadas no chão em volta, candeeiros com velas pendurados entre a folhagem e as mesas postas com as comidas que aos piqueniques competem. A rede de pano vivo baloiça entre os dois frondosos castanheiros, sempre ocupada. No grelhador municipal, achas ardem ainda, restos dos frangos e febras, algumas sardinhas mesmo, assados no momento da refeição. Lá em cima, junto aos carros estacionados, dentro do habitual tanque beirão de água fresca, boiam os melões e a melancia, esquecidos…

          As nossas crianças jogam à bola na erva que rescende, pisada. A aparelhagem sofisticada toca um CD da tuna da Universidade de Évora e cantam os amigos, acompanhando, de copos na mão. A família revê-se, pondo as conversas em dia, sentada em mantas de algodão ou nos bancos trazidos para o efeito – risos, emoções sobre a vida que passou e caminha, enchente determinada. Falam as memórias e ouve-se o desenrolar dos acontecimentos inscritos no tempo dos que não se encontram todos os dias. Escreve-se a crónica daqueles cuja história começou, próxima, em locais muito distantes, agora refúgio das novas gerações em dificuldades de trabalho.

          Os pássaros cantam o entardecer, acendem-se as tochas envolvendo o espaço de pedra, erva e outros verdes. Os amigos anunciam gradualmente a despedida e também a família se vai separando: todos têm de se fazer à estrada, o caminho noturno é longo e demorado até casa.

          E “entra a chuva dissolvente, neste caminho de cabras…”

          Fim do campo, regresso de férias, ao nosso mar diário de quem já temos, aliás, saudades: a praia ao sol que nos espera sempre, as ondas do nosso dia a dia com o seu sal habitual, ao sabor das rotinas.

          Vox Maris…»

                                                                     Praia do Vau, agosto 2012

                                                                               Paula Lacerda

 

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