segunda-feira, 30 de julho de 2012

«Il faut cultiver notre jardin»


Disse-o o sábio Pangloss,
Filósofo optimista
Do “Candide” de Voltaire,
Que nas misérias humanas
Causadas por cataclismos,
Pelas hediondezas humanas,
Sobrenaturais e outras mais,
Que ele e os seus amigos atravessaram
Que se fartaram,
O que contava
Não era manter a calma
Mas cada um
O seu jardim cultivar,
O que se pode sempre entender
Num sentido figurado,
Sem precisar de ser
Muito explicado.

O mesmo sentido não tem
A fábula de Florian
Sobre o trabalho do campo
Sem alegoria,
Mas com alegria e eficácia,
Contra a filosofia da teoria
Com pertinácia,
E sem pertinência.

«Os dois jardineiros» de Florian
Dois irmãos jardineiros receberam por herança
Um campo,
De que cada um cultivava metade;
Ligados por estreita amizade,

Faziam juntos,
Da casa, a liderança.
Um deles, chamado João, belo espírito, bom conversador,
Julgava-se um grande doutor;
E o Senhor João passava a vida
A ler o almanaque, a olhar o tempo
E o catavento e os ventos do seu tormento
Para tentar saber.
Em breve, dando curso ao seu génio raro,
Quis descobrir como de uma ervilhinha
Milhares de ervilhas pudessem brotar tão depressinha;
Porquê o grão da tília,
Que produz uma grande árvore, é mais pequeno, todavia,
Do que a fava que morre ali, a dois pés;
Enfim, por que secreto mistério
Esta fava que se semeia ao acaso no terreno,
Sabe volver-se no seu seio,
Deita a raiz para baixo e o caule para cima.
Enquanto ele sonha e se aflige,
Por não penetrar os tão importantes segredos
Dos seus credos,
Não rega os prados:
Os seus espinafres, a sua alface
Secam de pé; o vento norte mata-lhe as figueiras
Que ele não cobre de terra.
Nada de fruta vendida, nenhum dinheiro no bolso;
E o pobre doutor, com os almanaques do seu ócio,
Tem por único recurso o seu irmão.
Este, desde manhãzinha,
Trabalhava, cantando alegre canção,
Cavava, tudo regava, desde o pessegueiro às azedas,
Vitoriosamente.
Sem querer discorrer sobre o que ignorava
Semeava honestamente,
Para poder colher.
Por isso, no seu terreno tudo se dava à maravilha,
Como na Ogígia ilha;
Ele tinha dinheiro, fruta, prazer.
Foi ele que o irmão sustentou;
E quando o Senhor João surpreendido
Lhe veio perguntar como tinha acontecido:
“Meu amigo, respondeu este, eis aqui o mistério:
Eu trabalho, tu reflectes, em busca da luz
Do saber;
Qual de nós mais produz?
Tu atormentas-te, eu divirto-me a valer;
Qual é de nós é o maior sabedor?”

Não se trata de uma fábula, é bem de ver.
É a história dos homens, é a história dos povos.
Há os que trabalham mais, os que trabalham menos,
Mais o menos do que o mais
A maioria das vezes
Entre os povos soezes.
Cultivar o jardim é bem preciso,
Em sentido próprio e figurado.
Sabemo-lo por experiência própria,
Por vergonha imprópria,
Por falta de siso,
Pelo nosso fado.
Quanto à história do Forian
Sobre dois irmãos tão diferentes,
Mais valera
Que o irmão do Senhor João
Que o alimentara,
O ensinasse como trabalhar a terra
Ou ele próprio o fizesse,
Para que a terra não secasse
E o campo não morresse.

Nós também
Deixámos secar a terra,
A floresta ardeu.
E ninguém dos que governam
Nos valeu.

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