segunda-feira, 30 de julho de 2012

«Il faut cultiver notre jardin»


Disse-o o sábio Pangloss,
Filósofo optimista
Do “Candide” de Voltaire,
Que nas misérias humanas
Causadas por cataclismos,
Pelas hediondezas humanas,
Sobrenaturais e outras mais,
Que ele e os seus amigos atravessaram
Que se fartaram,
O que contava
Não era manter a calma
Mas cada um
O seu jardim cultivar,
O que se pode sempre entender
Num sentido figurado,
Sem precisar de ser
Muito explicado.

O mesmo sentido não tem
A fábula de Florian
Sobre o trabalho do campo
Sem alegoria,
Mas com alegria e eficácia,
Contra a filosofia da teoria
Com pertinácia,
E sem pertinência.

«Os dois jardineiros» de Florian
Dois irmãos jardineiros receberam por herança
Um campo,
De que cada um cultivava metade;
Ligados por estreita amizade,

Faziam juntos,
Da casa, a liderança.
Um deles, chamado João, belo espírito, bom conversador,
Julgava-se um grande doutor;
E o Senhor João passava a vida
A ler o almanaque, a olhar o tempo
E o catavento e os ventos do seu tormento
Para tentar saber.
Em breve, dando curso ao seu génio raro,
Quis descobrir como de uma ervilhinha
Milhares de ervilhas pudessem brotar tão depressinha;
Porquê o grão da tília,
Que produz uma grande árvore, é mais pequeno, todavia,
Do que a fava que morre ali, a dois pés;
Enfim, por que secreto mistério
Esta fava que se semeia ao acaso no terreno,
Sabe volver-se no seu seio,
Deita a raiz para baixo e o caule para cima.
Enquanto ele sonha e se aflige,
Por não penetrar os tão importantes segredos
Dos seus credos,
Não rega os prados:
Os seus espinafres, a sua alface
Secam de pé; o vento norte mata-lhe as figueiras
Que ele não cobre de terra.
Nada de fruta vendida, nenhum dinheiro no bolso;
E o pobre doutor, com os almanaques do seu ócio,
Tem por único recurso o seu irmão.
Este, desde manhãzinha,
Trabalhava, cantando alegre canção,
Cavava, tudo regava, desde o pessegueiro às azedas,
Vitoriosamente.
Sem querer discorrer sobre o que ignorava
Semeava honestamente,
Para poder colher.
Por isso, no seu terreno tudo se dava à maravilha,
Como na Ogígia ilha;
Ele tinha dinheiro, fruta, prazer.
Foi ele que o irmão sustentou;
E quando o Senhor João surpreendido
Lhe veio perguntar como tinha acontecido:
“Meu amigo, respondeu este, eis aqui o mistério:
Eu trabalho, tu reflectes, em busca da luz
Do saber;
Qual de nós mais produz?
Tu atormentas-te, eu divirto-me a valer;
Qual é de nós é o maior sabedor?”

Não se trata de uma fábula, é bem de ver.
É a história dos homens, é a história dos povos.
Há os que trabalham mais, os que trabalham menos,
Mais o menos do que o mais
A maioria das vezes
Entre os povos soezes.
Cultivar o jardim é bem preciso,
Em sentido próprio e figurado.
Sabemo-lo por experiência própria,
Por vergonha imprópria,
Por falta de siso,
Pelo nosso fado.
Quanto à história do Forian
Sobre dois irmãos tão diferentes,
Mais valera
Que o irmão do Senhor João
Que o alimentara,
O ensinasse como trabalhar a terra
Ou ele próprio o fizesse,
Para que a terra não secasse
E o campo não morresse.

Nós também
Deixámos secar a terra,
A floresta ardeu.
E ninguém dos que governam
Nos valeu.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Sem volta


Falámos dos comentários que as nossas fotos mereceram no meu blogue – a minha filha, a fotógrafa, escrevera:” “Realmente a foto ficou tremida, porém as árvores também abanam com o vento. Mas que isto com imagem é outra coisa, é! Agora só falta a música.” Ao que eu respondera: “As tremuras são fruto da época, não se estranha. De l’âge aussi. Quanto à música… é toda interior, que a voz é de cana rachada. Mas eu agradeço à fotógrafa pelo momento-chave que soube captar” A minha amiga, posteriormente, acrescentou: “Só faltou acrescentar que as árvores morrem de pé”, o que não era o nosso caso. Reparou no tamanho excessivo das fotos colocadas no blogue, e eu respondi que pensara que o Dr. Salles lhes reduziria o formato, habituado que está a lidar com as imagens do seu blogue.
Desta forma, terminou o nosso momento de glória evocativa, inocente de intenções pecaminosas, embora não imodesta, em nada comparável, contudo, à de um tal Erostratus, que, desejoso de celebridade a qualquer custo, não fez mais do que incendiar o templo de Ártemis em Éfeso, uma das Sete Maravilhas do Mundo. Aquele permaneceu em obras que o recordaram, entre as quais um texto expositivo em inglês, de Fernando Pessoa,– «Celebridade e Génio – Erostratus» – outra de Sartre – novela (terceira) pertencente ao conjunto de seis novelas intitulado “Le Mur - “Erostrate” – que foca o problema do ódio pelos homens de um maníaco inteligente, o qual prepara conscienciosamente os seis assassínios que deseja perpetrar, a última bala da pistola destinada a si próprio, que irrisoriamente não teve coragem de disparar, fechado entre as paredes da casa de banho de um café para onde precipitadamente correra a refugiar-se. Um conto sobre um ser odiento, de um descritivo poderoso despojado de quaisquer resquícios de boa moral, feito pela personagem Paul Hilbert, na primeira pessoa, provavelmente já como exemplo da filosofia existencialista que coloca no homem ateu a responsabilidade única pelos seus actos.
E ao contar isto à minha amiga, logo ela lembrou os incendiários dos novos tempos, como seres perversos e impunes:

- Uma pergunta que eu já tenho feito muitas vezes: Quantos anos de cadeia lhes são atribuídos quando fica a prova de que foram eles os incendiários? Porque é um crime tão grande, tão grande, tão grande!… Tinha que ser uma pena muito grande. Mas a gente nunca mais ouve falar no final daquela história. Deve ser uma pena muito leve…

- Pois! O Erostratus primitivo praticou o crime de destruição de um templo célebre, para ser conhecido, e foi imortalizado, como símbolo, pelo menos no conto escabroso e violento de Sartre. Os miseráveis incendiários dos novos tempos praticam o crime encobertamente, talvez a mando dos outros miseráveis que lhes pagam para isso. Não têm direito a glória, pobres seres que a sociedade até protege, pois não lhes cita sequer os nomes, a merecer linchamento. Um país que arde, mas como arde a muitas frentes, não há coragem de pôr cobro a tais sevícias. É bem outra, a filosofia que a elas preside, nada de existencialismos responsabilizadores e formadores da personalidade humana, que se pode ir construindo até no ódio, com uma certa grandeza. Os nossos incendiários pululam no aconchego da obscuridade e da impunidade, como os demais fautores dos crimes nacionais. Não há volta a dar-lhes.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Os esteios de narciso



O Dr. Salles da Fonseca pediu-me uma fotografia da minha amiga e minha sentadas à mesa do café, com ela a comandar os referentes da sua experiência de leitura ou audição de noticiários, eu a tomar afanosamente as notas do seu discurso esbracejante, dos seus conceitos generosos ou inconformistas, do seu tom altaneiro de quem, tendo atravessado a ponte aos solavancos, desde a outra margem, continua na margem de cá a patinhar no lodo em que nos vamos afundando, sem esperança para os nossos netos.


A minha amiga logo protestou, avessa às fotos deste nosso entardecer, ela que um dia me ofereceu uma foto dos vinte anos, com os dizeres da sua escrita rápida e angulosa, expressiva de liderança – “Esta fotografia é do tempo em que nos conhecemos - também por fotografias – através da Fernanda” (minha irmã). “Por isso é dos bons velhos tempos”.

Pensei que ressalvaria o seu narcisismo, se à fotografia das duas velhas senhoras da cavaqueira desarrumada acrescentasse essa foto elegante, dos anos da sua Zambézia de praias, e amizades e trabalho competente.



A minha filha Paula achou excelente a ideia do Dr. Salles e logo se prontificou a tirar a foto com o seu telemóvel, num dia de conversa a três, mas logo o meu narcisismo exigiu parceria na questão dos vinte anos, levando-me a procurar uma fotografia também do mesmo ano – 55 – tirada com capa emprestada, por ser avessa a praxes, arrimada toscamente ao meu pinheiro de forte tronco da Lousã, como a minha amiga se postara elegantemente à árvore moçambicana da sua pose.

Desta forma se resolveria a questão do vaidoso repúdio dos maus efeitos causados pela nossa figura actual, revelando o que já fôramos, mantendo embora, como símbolo de persistência no tempo, os troncos narcísicos do nosso arrimo e jeito de batalhar: a minha amiga, no rebuscamento saleroso dos seus contorcionismos frásicos irónicos que a sua árvore denuncia, a minha figura mais atarracada prolongando-se no tronco forte do pinheiro generoso e protector mas duro, na opinião de alguns, definitivamente tímido, na opinião própria.


quinta-feira, 19 de julho de 2012

Bruxo


A magia é arte antiga
Que veio pelo tempo fora,
Até ao tempo de agora
Com bastante obstinação,
Passando por La Fontaine
Que era céptico e brincalhão.
Mas agora
A coisa tem mais requinte
Apesar da muita treta:
Mete Cristo na conversa
Feita de forma brilhante,
E traduz em livro a mensagem
Para a alma descontente,
Enchendo com bom dinheiro
O seu divino mealheiro.
Não há como ser-se crente
Para assim cair em patranha
Tamanha!
Todavia, eu diria,
Que toda a forma de magia
Tem o seu quê de espantoso
Quer em carismática cabana
Quer em local luxuoso.
E as artes mágicas são tais
Hoje em dia,
Que os milagres se sucedem
Com um virtuosismo
De autêntico malabarismo,
Que nos põe de boca aberta,
Ainda mais que a La Fontaine
Que só estranhava o capital
Obtido, sem ser por mal,
Da fama da mulher esperta
Para aquela gente tonta.
Mas eu própria também digo
Quando o azar anda comigo:
“Preciso de ir à bruxa
Puxa!”:
Disse então La Fontaine
Na sua verve infrene:
«As Adivinhas»
«Muitas vezes o boato é o acaso que o gera
E o boato é que faz sempre a voga e a quimera.
Eu poderia fundamentar esta asserção:
Tudo é cabala, teimosia, prevenção;
E a Justiça, nem sempre vem à mão.
Que fazer? A moda é como uma torrente:
É preciso que ela siga o seu curso, fatalmente.
Sempre assim foi e será.

Uma mulher, em Paris, fazia de Pitonisa;
Iam consultá-la sobre cada acontecimento,
Estivesse brisa ou mau tempo.
Na perda de um fato, na dúvida sobre a existência
De amante no horizonte,
Ou no desejo crucial de saber
O tempo que o marido
Iria ainda viver,
Uma mãe irritadiça, uma esposa ciumenta…
Corria-se à adivinha
Só para se receber
O anúncio do que se desejava obter.
O jogo desta consistia
Em usar de muita habilidade;
Eu hoje diria
De muita psicologia.
Por vezes o acaso também concorria,
E tudo isso, era tão surpreendente,
Que a gente, extasiada,
Logo dizia
Ser milagre fascinante.
Enfim, embora de uma ignorância
De vinte e três quilates,
Ela passava por oráculo
Mesmo para cá do Eufrates.
Oráculo alojado num casebre;
Aí, a mulher encheu a bolsa
E sem nenhum outro recurso,
Ganhou para o seu marido
Uma posição de relevo que os repousa;
Compra um cargo, uma casa.
Eis o casebre preenchido
Com uma nova hospedeira, a quem toda a cidade,
Mulheres, raparigas, criados,
Senhores respeitáveis, tudo, enfim,
Ia, como outrora, sem muito tino, embora,
Perguntar pelo seu destino.
O casebre tornou-se no antro da Sibila
Na vila.
A outra fêmea trouxera ao lugar, freguesia
Que fartasse.
Por mais que esta última mulher protestasse
A sua inocência na oculta ciência:
“Eu, adivinha? Que grande impostura!
Oh! Senhores, eu nem sequer sei ler!
Eu nunca conheci mais que esta cruz de Deus,
Por pecados meus, vil criatura!...”
Não houve razões nem argumentos.
Foi-lhe necessário
Adivinhar e predizer,
E ganhar, sem dar por isso,
Mais do que ganham dois advogados juntos
A puxar pelos seus bestuntos.
A mobília, a engrenagem,
Contribuíam para a imagem:
Quatro cadeiras mancas, um pau de vassoura,
Tudo cheirava a sabat e a metamorfose.
Se esta mulher dissesse verdade,
Num quarto bem atapetado,
Teriam troçado. A moda estava no tugúrio;
Ganhara crédito. A outra mulher arrepelava-se.
A insígnia faz o negócio, como o hábito faz o monge,
Ao contrário do que diz o provérbio
E ela perdera o seu negócio.
Eu vi no Palácio real alguém mal vestido
Mas muito sabido
Ganhar bastante bem.
As pessoas tinham-no tomado
Por um digno mestre a arrastar
Muitos ouvintes atrás de si.
Perguntem-me o porquê disso.
Não saberei responder.»
Eu acho que a razão disso
Está nas artes do mundo,
Que fazem que as negociatas,
Com acertos, e consertos,
- Ou consensos ou concertos -
Se fazem mais capazmente,
Na escuridão do profundo.
Por isso o fato não conta
Na hora de ponta.


terça-feira, 17 de julho de 2012

Uma de Revivalismo: “Bom Senso com Bom Gosto”


Foram-me enviados por email as duas epístolas seguintes, que transcrevo. O primeiro, de Maria Helena Mira Mateus, Professora Catedrática Jubilada da Faculdade de Letras de Lisboa, insurgindo-se contra o texto de Teolinda Gersão “Declaração de amor à Língua Portuguesa” em que esta tenta combater, com dados um tanto facetos, o alucinante método actual de ensino da gramática portuguesa, de uma tal abundância de pormenor metalinguístico, que reduz valentemente o interesse pela simples leitura e desmontagem dos elementos semânticos descodificadores das mensagens. Parece pura aberração tal sobrecarga linguística envolvendo a gramática já ao nível do ensino básico, em que a aprendizagem da leitura e ortografia são fulcrais para o estudo e compreensão de todas as mais disciplinas.

Maria Helena Mira Mateus insurge-se contra o texto da amiga, como participante, segundo esta explicitará na sua resposta, da reformulação linguística no ensino do português escolar, autêntica carnavalada dengosa e snobe, puro pretexto exibicionista dos recentes edificadores do ensino da língua, merecedores de Inquisição, como destruidores da limpidez e simplicidade requeríveis, na minha opinião também refractária, como a da Teolinda Gersão, e conhecendo por experiência própria as dificuldades do ensino do português, como disciplina tentacular.

Teolinda Gersão não precisa de ser defendida. Ao afirmar corajosamente que  é altura de o país – se assim quiser – dizer basta. A língua não é propriedade dos linguistas. O ensino da língua também não”, é credora da nossa imediata adesão.

É claro que o país “não quer dizer basta”, indiferente às pinturas narrativas ou às argúcias expositivas das pessoas que mantêm o bom senso aliado ao bom gosto que o país perdeu há muito e que se traduz pela palavra “decência”.

Leiamos então:

A propósito de uma Declaração de amor à língua portuguesa

Foi publicado no jornal Público um artigo de Teolinda Gersão – uma das nossas melhores escritoras por quem tenho admiração e amizade – com o título Redacção - Declaração de Amor à Língua Portuguesa. A sua leitura desagradou-me de tal modo que cheguei a julgar tratar-se de uma brincadeira da autora sob a forma de uma crítica sarcástica ao ensino do português. Mas como nem todas as pessoas a entendem assim, pus-me algumas perguntas: A quem se dirige esta brincadeira? Aos autores do programa de português na parte que diz respeito à gramática? Aos manuais de que se servem os professores, que podem conter erros por não haver a certificação de correção e qualidade, decidida há uns anos e não implementada? E já que o artigo assenta nas “ideias” de um estudante, será que o que está em causa é um professor que não conhece o que ensina?

Uma escritora do nível da Teolinda Gersão não pode aceitar como bons todos os disparates que lhe são transmitidos pelo seu neto estudante. Existem materiais de fácil acesso para refutar o que considera asneira. Já conhece o Programa de Português do Ensino Básico? Já viu os materiais que podem ser consultados pelos professores (ou pelos pais/avós) para perceber como e porquê se analisa uma língua, como se adequa esse ensino ao nível de escolaridade, o que deve ser transmitido em cada ano e o que serve apenas para informação do professor? Já pensou em como uma explicação da construção de um texto ou frase que o aluno produz ajuda a desenvolver o seu raciocínio e aumenta o seu domínio da oralidade e da escrita?

Os alunos não são tolos e têm curiosidade pelo ensino de qualquer disciplina se forem estimulados a olhar crítica e criativamente o que está por detrás das suas produções linguísticas e artísticas e dos mistérios da natureza. É nisto que consiste a educação. Mas o que verdadeiramente os desestimula é que alguém, que tem responsabilidade na escrita de uma língua, diga que “vai deitar a gramática na retrete “ (as palavras são da escritora mas “as ideias são deles”). Considera a Teolinda que não vale a pena estudar gramática? E aprender a fazer operações de matemática ou conhecer a física nas suas diversas forças e energias já vale a pena? Preparar materiais para o ensino do português tem sido o trabalho criterioso e dedicado de equipas, tal como tem sido feito para a matemática e para as ciências. Todas estas áreas têm tido a sua atualização didática e implicam uma adaptação a novos conhecimentos por parte dos agentes de ensino. E se um professor não sabe como explicar a construção das frases, do texto, da entoação e sons com que se constrói esta maravilha que é uma língua, é absurdo assacar ao ensino da língua materna erros, dislates e desinteresse que sente um estudante que julga que aprender português é só ter lido alguns livros (quando o faz) e não dar erros de ortografia. Deste modo, ele nem sequer vai tomar consciência da razão por que um texto literário é melhor do que outro, ou por que uma instrução ou uma lei pode ser ou não ser ambígua. Uma generalização da inutilidade e dos erros do ensino do português, apresentada a sério ou a brincar, apenas mostra uma completa falta de respeito pelos agentes desse ensino e por todos os que têm trabalhado nesta área. E de certeza que não se trata de uma “declaração de amor”, visto que o amor procura e proclama os aspetos bons do objeto amado.

Não desejo discutir aqui os exemplos dados pela autora do artigo porque eles têm tanto de errado como de ridículo. Aconselho somente uma consulta do Programa de Português do Ensino Básico e, já que tem uma completa falta de conhecimentos de gramática, poderia também consultar o Dicionário Terminológico destinado aos professores (e não aos alunos). Dessa maneira ajudaria mais um estudante do que tornando pública uma atitude que não é, certamente, recomendável num educador.

Maria Helena Mira Mateus

Professora Catedrática Jubilada da Faculdade de Letras de Lisboa

28 de junho de 2012



«Carta Aberta a Maria Helena (Mateus)

Querida Maria Helena:

Há 50 anos que sou tua amiga, te admiro como pessoa e respeito o teu trabalho como professora universitária de linguística. Sempre evitei, no entanto, discutir contigo o trabalho que tens feito fora da universidade, nomeadamente no que respeita à influência que tens tido no ensino do português no secundário. Sempre soube que nesse ponto não estávamos – e nunca vamos estar de acordo.

Penso contudo que um dos problemas do nosso país é deixarmos que as relações pessoais interfiram demasiado com nossas posições cívicas, e com a defesa do que consideramos correcto e justo. Sei que também assim pensas, e por isso te manifestaste tão negativamente sobre o meu texto que, como se pode provar pela adesão que tem tido, dá voz à saudável resistência dos alunos e ao descontentamento de milhares de pais, encarregados de educação e professores.

Na verdade, querida Maria Helena, ao responder ao meu artigo assumes a posição de porta-voz da defesa deste ensino. Não me surpreende, porque de facto tens grandes responsabilidades, ao longo de décadas, pela passagem do ensino do português no secundário a ensino da linguística (de uma determinada perspectiva linguística) no secundário. Não és obviamente a única responsável, mas é inegável que tens grandes responsabilidades nisso. Por isso ao responder-te estou a responder a toda uma “classe” de pessoas que partilham a tua visão do mundo.

O que o meu texto vem dizer é que este ensino não nos serve, e que tem havido um enorme abuso de poder de alguns sobre a maioria. Na verdade a tua opinião pessoal sobre esta questão não conta (nem mesmo encarando-te como porta-voz de um colectivo). Nem é a minha opinião individual, como cidadã, que tem qualquer interesse. Escrevi o que entendi que não podia deixar de escrever – e obviamente não pedi licença a ninguém. Se grande parte do país leu o meu texto e se identificou com ele, é algo que está fora do teu controle, e do meu. Por muito que isso te desagrade (e a todos os que te olharem como porta-voz), será o país a decidir que ensino quer – os pais, os professores, os cidadãos, e o ministério (que será julgado por tudo o que fi zer ou não). Vivemos há décadas no enorme equívoco de que “os linguistas é que sabem, por isso o poder é deles”. (O que te deve parecer tão óbvio que nem dás conta da imensa arrogância do teu artigo.)

Mas é altura de o país – se assim quiser – dizer basta. A língua não é propriedade dos linguistas. O ensino da língua também não.

E é tudo, Maria Helena. Pela minha parte, gostaria que a nossa amizade resistisse a este confronto.

Teolinda»

Notas:

Eis o texto  de Teolinda Gersão que Salles da Fonseca publicou no seu blogue “A Bem da Nação” em 24/6/12

«         Tempo de exames no secundário, os meus netos pedem-me ajuda para estudar português. Divertimo-nos imenso, confesso. E eu acabei por escrever a redacção que eles gostariam de escrever. As palavras são minhas, mas as ideias são todas deles.Aqui ficam, e espero que vocês também se divirtam. E depois de rirmos espero que nós, adultos, façamos alguma coisa para libertar as crianças disto.

Redacção – Declaração de Amor à Língua Portuguesa

Vou chumbar a Língua Portuguesa, quase toda a turma vai chumbar, mas a gente está tão farta que já nem se importa. As aulas de português são um massacre. A professora? Coitada, até é simpática, o que a mandam ensinar é que não se aguenta. Por exemplo, isto: No ano passado, quando se dizia “ele está em casa”, ”em casa” era o complemento circunstancial de lugar. Agora é o predicativo do sujeito.”O Quim está na retrete” : “na retrete” é o predicativo do sujeito, tal e qual como se disséssemos “ela é bonita”. Bonita é uma característica dela, mas “na retrete” é característica dele? Meu Deus, a setôra também acha que não, mas passou a predicativo do sujeito, e agora o Quim que se dane, com a retrete colada ao rabo.

No ano passado havia complementos circunstanciais de tempo, modo, lugar etc., conforme se precisava. Mas agora desapareceram e só há o desgraçado de um “complemento oblíquo”. Julgávamos que era o simplex a funcionar: Pronto, é tudo “complemento oblíquo”, já está. Simples, não é? Mas qual, não há simplex nenhum, o que há é um complicómetro a complicar tudo de uma ponta a outra: há por exemplo verbos transitivos directos e indirectos, ou directos e indirectos ao mesmo tempo, há verbos de estado e verbos de evento,e os verbos de evento podem ser instantâneos ou prolongados, almoçar por exemplo é um verbo de evento prolongado (um bom almoço deve ter aperitivos, vários pratos e muitas sobremesas). E há verbos epistémicos, perceptivos, psicológicos e outros, há o tema e o rema, e deve haver coerência e relevância do tema com o rema; há o determinante e o modificador, o determinante possessivo pode ocorrer no modificador apositivo e as locuções coordenativas podem ocorrer em locuções contínuas correlativas. Estão a ver? E isto é só o princípio. Se eu disser: Algumas árvores secaram, ”algumas” é um quantificativo existencial, e a progressão temática de um texto pode ocorrer pela conversão do rema em tema do enunciado seguinte e assim sucessivamente.

No ano passado se disséssemos “O Zé não foi ao Porto”, era uma frase declarativa negativa. Agora a predicação apresenta um elemento de polaridade, e o enunciado é de polaridade negativa.

No ano passado, se disséssemos “A rapariga entrou em casa. Abriu a janela”, o sujeito de “abriu a janela” era ela, subentendido. Agora o sujeito é nulo. Porquê, se sabemos que continua a ser ela? Que aconteceu à pobre da rapariga? Evaporou-se no espaço?

A professora também anda aflita. Pelo vistos no ano passado ensinou coisas erradas, mas não foi culpa dela se agora mudaram tudo, embora a autora da gramática deste ano seja a mesma que fez a gramática do ano passado. Mas quem faz as gramáticas pode dizer ou desdizer o que quiser, quem chumba nos exames somos nós. É uma chatice. Ainda só estou no sétimo ano, sou bom aluno em tudo excepto em português,que odeio, vou ser cientista e astronauta, e tenho de gramar até ao 12º estas coisas que me recuso a aprender, porque as acho demasiado parvas. Por exemplo,o que acham de adjectivalização deverbal e deadjectival, pronomes com valor anafórico, catafórico ou deítico, classes e subclasses do modificador, signo linguístico, hiperonímia, hiponímia, holonímia, meronímia, modalidade epistémica, apreciativa e deôntica, discurso e interdiscurso, texto, cotexto, intertexto, hipotexto, metatatexto, prototexto, macroestruturas e microestruturas textuais, implicação e implicaturas conversacionais? Pois vou ter de decorar um dicionário inteirinho de palavrões assim. Palavrões por palavrões, eu sei dos bons, dos que ajudam a cuspir a raiva. Mas estes palavrões só são para esquecer. Dão um trabalhão e depois não servem para nada, é sempre a mesma tralha, para não dizer outra palavra (a começar por t, com 6 letras e a acabar em “ampa”, isso mesmo, claro.)

Mas eu estou farto. Farto até de dar erros, porque me põem na frente frases cheias deles, excepto uma, para eu escolher a que está certa. Mesmo sem querer, às vezes memorizo com os olhos o que está errado, por exemplo: haviam duas flores no jardim. Ou : a gente vamos à rua. Puseram-me erros desses na frente tantas vezes que já quase me parecem certos. Deve ser por isso que os ministros também os dizem na televisão. E também já não suporto respostas de cruzinhas, parece o totoloto. Embora às vezes até se acerte ao calhas. Livros não se lê nenhum, só nos dão notícias de jornais e reportagens, ou pedaços de novelas. Estou careca de saber o que é o lead, parem de nos chatear. Nascemos curiosos e inteligentes, mas conseguem pôr-nos a detestar ler, detestar livros, detestar tudo. As redacções também são sempre sobre temas chatos, com um certo formato e um número certo de palavras. Só agora é que estou a escrever o que me apetece, porque já sei que de qualquer maneira vou ter zero.

E pronto, que se lixe, acabei a redacção - agora parece que se escreve redação. O meu pai diz que é um disparate, e que o Brasil não tem culpa nenhuma, não nos quer impôr a sua norma nem tem sentimentos de superioridade em relação a nós, só porque é grande e nós somos pequenos. A culpa é toda nossa, diz o meu pai, somos muito burros e julgamos que se escrevermos ação e redação nos tornamos logo do tamanho do Brasil, como se nos puséssemos em cima de sapatos altos. Mas, como os sapatos não são nossos nem nos servem, andamos por aí aos trambolhões, a entortar os pés e a manquejar. E é bem feita, para não sermos burros.

E agora é mesmo o fim. Vou deitar a gramática na retrete, e quando a setôra me perguntar: Ó João, onde está a tua gramática? Respondo: Está nula e subentendida na retrete, setôra, enfiei-a no predicativo do sujeito.

João Abelhudo, 8º ano, turma C (c de c…r…o, setôra, sem ofensa para si, que até é simpática).

Comentário que fiz ao texto de Teolinda Gersão. No mesmo blogue “A bem da Nação”, em 24/7/12

Já tinha lido o texto de Teolinda Gersão, merecedor de todo o aplauso daqueles que, amando a sua língua e desejando elevá-la a um grau de entendimento nos jovens que gradualmente se vão abrindo para o mundo, através das matérias das diferentes disciplinas, e para isso considerando primordiais os antigos instrumentos gramaticais de abertura para a compreensão das leituras nos valores do significante e do significado, a vêem "poluída" de arabescos só indispensáveis para os especialistas, desejosos de colher resultados espectaculares nas suas investigações, tais como os cientistas que se debruçam sobre os infinitamente pequenos dos seus universos de análise, para detectar e curar as doenças ou descobrir bombas potentes. Mas parece absurdo querer levar para os anos de formação escolar tais preciosismos de um requinte inútil, instauradores de doença e morte e não curadores delas. A imbecilidade em marcha, nos nossos programas educacionais. Julgava que o novo Governo traria mudanças a esse respeito, mas se ele não elimina o A. O., como há-de ser sensível a estas outras monstruosidades da nossa verborreia nacional? Se não sabem fazer contas, pelo que se tem visto nos cálculos financeiros, como hão-de exigir o estudo das tabuadas? Os erros próprios passam mais despercebidos no charco da mediocridade generalizada, já Sá de Miranda o dizia, na sua écloga "Basto", o Bieito contando ao solitário Gil o exemplo daquele único que se salvou do temporal, mas que foi incitado pelos mais a molhar-se no charco como eles: "Quantos viram, lá correram: / um que salta, outro que trota / Quantas graças aí fizeram! / Logo todos se entenderam: / Ei-los vão numa chacota." Estamos já no charco, colaboremos na chacota da indiferença. Porque nem o texto de Teolinda Gersão, tão rico no seu saber e oportuno na sua indignação subentendida, conseguirá o objectivo de mudança.

domingo, 15 de julho de 2012

Já era


- Aquela tabletezinha que o seu marido recebeu do Expresso, e que os jornalistas trazem nas mãos, para aceder aos mais diversos assuntos, já vai passar à história. Está para sair – vi ontem num programa – uma tabletezinha de eficiência superior. O que se vai passar com os livros de papel… já era. Ainda não saiu. Qualquer criancinha vai ler o livro que quiser naquela coisa. Não precisa folhear livros. As novas gerações hão-de perguntar: “Mas o que é isso de livraria?” Assim como os correios. Estão a desaparecer. Já não se vêem carteiros…

Despertei da modorra que a excitação da minha amiga provocara, com os seus dados sensacionalistas, colhidos na véspera nos seus programas favoritos. Horrorizada perante a perspectiva da morte dos livros:

- Então como é que me chegam as contas da água e da luz para pagar? E os postais dos anos ou os avisos vários? Os carteiros deixam tudo isso na caixa. Não são só as publicidades nem os cartões das pessoas em busca de trabalhos, que os lá põem.

A minha amiga ignorou a interrupção:

- Veja-me bem isto dos livros. Aquilo está para sair. Ainda não chegaram a Portugal. Estes aparelhos mal chegam, esgotam-se. Como serão as gerações futuras? Com certeza é pior para as pessoas. Amizades não as podem cultivar porque eles têm o aparelho. Ele absorve tudo o que não seja a atenção ao brinquedozinho polarizador.

Eu também achei que um aparelho desses seria cada vez mais desmotivador na formação da personalidade, no interesse pela busca, na desatenção pela vida, pela expansão da preguiça, mas fiquei ainda mais estarrecida com o que a minha amiga contou sobre um ship que os cientistas americanos estão a fabricar que passa à frente de todas estas maravilhas de estarrecer. Põe-se no cérebro da criança rica, que ultrapassará todos em saber:

- Se tem poder económico, passa à frente. Um ship, e a criança aprende tudo. É colocado no cérebro. Então e depois? Também não é preciso saber tudo… Se isto for assim, a diferença entre as pessoas vai ser cada vez maior.

Eu aproveitei para insinuar que o Miguel Relvas já devia ter um ship instalado, pois também passa à frente de tudo na busca simples da ciência, e desatámos a tecer considerandos sobre a eventualidade de ser antes na simples busca da ciência ou na busca da ciência simples, ou  ainda na busca da simples ciência, e até deixámos outras probabilidades de construção sintagmática  para o ship do Relvas, colocado em vez do cérebro inexistente do Relvas, por muito que existisse Relvas.

Não deixámos de augurar a cadeira eléctrica para os cientistas americanos do monstruoso ship desumanizante, mas ponderei que as clonagens também me repugnaram na altura da ovelha Dolly, sobretudo se aplicada aos humanos, e parece que a moda não pegou.

Também augurámos para a tablet substituta da biblioteca um lugar modesto na comodidade humana futura, crentes que o bom senso alternará sempre com a desmesura ao longo da caminhada histórica.A Terra é um planeta que por vezes se excede em desmandos, mas que generosamente recompõe a seguir os estragos. Também a história humana tem girado em alternâncias de humores, o Bem e o Mal empurrando-se mutuamente.

 Empurremos o ship robotizador dos filhos e netos dos nossos filhos e dos nossos netos... Para o tal buraco negro, antes que nos despenhemos definitivamente. Lá.










sexta-feira, 13 de julho de 2012

Mas desculpa


Por alturas das eleições presidenciais francesas que fizeram ascender François Hollande ao estrelato governativo, colhi, nos habituais comentadores das nossas távolas dos mais variados feitios, os comentários adequados às suas tendências ideológicas específicas, os das direitas mais delicadamente, no receio do seu edifício de austeridade ruir, os das esquerdas congratulando-se, não por convicção real numa mudança eficaz para o povo martirizado, mas pelo que isso significaria de vexame que arrumaria com os do nosso governo que tanto têm martirizado o povo, e que assim receberiam de Hollande o exemplo do que é ser-se bom político, com os mundos e fundos que aquele prometeu ao seu povo, obtidos de uma Merckel não mais reticente, como a que se mostrava com o do governo e do partido anteriores, o safado do Sarkozy.
Propunha-se, assim, Hollande, minorar, se não mesmo extinguir, a austeridade confrangedora dos nossos tempos, sobretudo para os franceses há muito reivindicadores da democracia e do liberalismo próprios dos espíritos  esclarecidos, e, por isso, menos adaptados às penúrias, embora a sua Révolution não apresentasse os cravos rubros da nossa, por terem preferido o vermelho do sangue derramado em carnificina adequada, que trouxe a paridade entre os cidadãos, como verificamos nas carnificinas dos nossos tempos.
Mas foi Vasco Pulido Valente quem soube definir a questão da previsibilidade de uma nova política, com a inteligência e a isenção do historiador e do literato, em texto do Público de 7 de Julho - «Fantasia» - que transcrevo:
« A nossa esquerda doméstica anda embalada com a ideia de que o sr. Hollande mudou a “orientação” da “Europa” e criou um “novo consenso” favorável ao crescimento.
Como qualquer pessoa sensata perceberá, tudo isto não passa de uma fantasia. A eleição do Presidente francês e o velho missionarismo e megalomania da França inspiraram algumas personagens do PS e da família mais próxima a esperar uma qualquer “revolução” que os salvasse. Esta história, que vem da noite dos tempos, não conta com os factos nem com a desagradável realidade em que hoje, por nosso mal, vivemos. Para começar, fora algumas frases sem sentido de que se aliviou orgulhosamente em público, Hollande não conseguiu nada. E foi o italiano Monti, um primeiro ministro “ad hoc” que à superfície pareceu abrandar um pouco a Sra. Merckel. Em pontos que de resto não interessam muito a Portugal.
O que não admira. A França está muito mais perto da Itália do que da Alemanha: tem, na prática, uma economia estagnada (com menos de 0,4% de crescimento, em 2012); o desemprego está em 10%; o défice (agora em 5,2%) não descerá provavelmente para os 4,5%, de acordo com um compromisso que o próprio Hollande aceitou; e a dívida cresce sem limite visível. Por cima disto, que bastava e sobrava, o indomável espírito socialista resolveu aumentar o salário mínimo, diminuir a idade da reforma e contratar 60000 professores, como exemplo inaugural de bonança futura. Claro que já se fala num “plano de rigor”, de que fatalmente faz parte o despedimento de 15000 funcionários públicos por ano. O espectáculo Hollande acabou à nascença.
Mas, como sempre, continua em Portugal. Por puro ódio à sra. Merckel, que meia dúzia de patetas chegam a comparar com Hitler, e pela imaginária derrota com que a França socialista (com uma pequena ajuda de Monti) abateu a prepotência teutónica e reaccionária. Isto, em si mesmo, seria inofensivo. Infelizmente, houve por aí muita criatura (às vezes com prestígio público e um módico de responsabilidade) que de facto se convenceu que de uma maneira ou de outra a crise não irá durar ou que daqui em diante não será tão severa. Esta indigna mentira, que se funda em mentiras, só pode aumentar o sofrimento geral e criar ao governo mais dificuldades.
Não acredito que a indiferença portuguesa desta vez, como de costume, a desculpe.»
Um texto brilhante de lucidez e bom senso. Bom senso que não provaram ontem, na Quadratura do Círculo, nem Pacheco Pereira nem António Costa, mais interessados em denegrir o discurso de Passos Coelho, no Parlamento e a sua acção governativa, sem lhe concederem mérito nem lhe desculpabilizarem o rigor com os considerandos das contingências a que o envolvimento com a Troika fez mergulhar o país, por meio de uma acção governativa pendente de um louvável objectivo de pagar uma dívida facinorosa proveniente de governos anteriores, pagamento considerado como ponto de partida para uma evolução positiva. Lobo Xavier, como sempre cordato e igualmente brilhante, usou argumentos de ponderação indispensáveis, porque sem parti pris
Uma lição de história esta de Vasco Pulido Valente. Só não acredito que tenha razão na sua frase final a respeito da sua não crença na indiferença portuguesa perante a mentira propalada pela esquerda do abrandamento do rigor financeiro graças ao novo governo francês, mentira propalada no intuito de criar mais dificuldades ao governo português.
Se os portugueses não se importam de fazer greves nesse mesmo intuito – o de criar dificuldades ao governo, que tem criado muitas dificuldades aos portugueses – como não iriam desculpar essa mentira do novo eldorado que até lhes traz novas esperanças de vida? Amigos, amigos, esperanças à parte.
Ai não, que não desculpa!

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Distúrbios na equidade


Entendimentos da equidade”, eis um texto de Vasco Pulido Valente saído no jornal Público de 8 de Julho, sobre a decisão do Tribunal Constitucional de chumbar, como ilícitos, os cortes do 13º e 14º mês ao funcionalismo público e aos reformados do funcionalismo público, sob a alegação de um princípio de equidade que, a ser observado, deveria estender-se aos trabalhadores do sector privado, o que, felizmente, não aconteceu. Vasco Pulido Valente considera não serem comparáveis as duas realidades:
“Não há semelhança entre uma parte e outra, como não há semelhança entre o Estado (central ou local) e uma empresa que tenta viver de um mercado indefinido e volátil: e essas diferenças, muito claras, pedem em teoria (e também na prática) um tratamento diferente.”

E depois de ter condenado o Estado e os seus sucessivos governos catastróficos, em termos de despesismos, burlas e impunidades, aponta os benefícios colhidos no funcionalismo público (“anónimo e inócuo”), de não despedimento, de promoções nem sempre por mérito próprio, flexibilidade de horários, sistema de saúde, possibilidade de acumulação de emprego no sector privado… Ao contrário dos empregados particulares, geralmente explorados nos seus horários, nos seus vencimentos e sujeitos à pressão dos despedimentos.

Pulido Valente não aceita, deste modo, o tal princípio da equidade defendido pelo Tribunal Constitucional para condenar os cortes governativos.
Nos meus tempos de África, de facto, os funcionários tinham vencimentos inferiores aos trabalhadores particulares, sobretudo se estes eram empregados nas boas empresas estrangeiras como a Shell, que sabiam valorizar o trabalho de quem contribuía para a sua riqueza, o que não acontece muito por cá, pouco educados que somos no respeito pelo outro. Mas sempre me habituei a respeitar lá o trabalho dos funcionários públicos, que via competentes e zelosos nos seus empregos, jamais me passaria pela cabeça chamar-lhes desprezativamente inócuos. O 25 de Abril trouxe mudanças radicais, é certo. Lembro-me do chefe de secretaria da escola onde trabalhei cá, pessoa competente que, ao atingir a reforma, foi substituído por alguém muito menos capaz, mas que aprenderia, com o tempo, não tenho dúvidas, mesmo pelo princípio das equivalências que aqui possibilitam doutoramentos sem rompimento de calças nas cadeiras universitárias.
O Tribunal Constitucional notou a ilicitude do corte dos subsídios nos vencimentos. A mim dá-me jeito, mas achei que devia colaborar com o Governo no sentido de uma solução da crise. E até para ver se, com o meu gesto nobre de aceitar os cortes sem protestar, contribuiria para que houvesse menos desempregados no país. Sentir-me-ia mal ganhando dois vencimentos obtidos por empréstimo, quando milhares não teriam nenhum.

Mas o Tribunal Constitucional fez as contas certamente que num sentido benéfico para ele. Temos que aceitar isso, pois há muitos que fazem contas dessas neste país e até mais frutuosas. Só é pena que o Governo feche os olhos a essa realidade, para obter mais empregos e poder pagar ao menos um dos vencimentos, aquele a que temos direito, se contarmos o trabalho e o pagamento por semanada. Não seriam as 48 semanadas recebidas, mas as 52 do nosso pleno direito.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Acabar com os ovos


Eu já tinha industriado a minha amiga de um pecadilho de gula apenso ao clã familiar da minha infância, de gostarmos – a minha mãe, a minha irmã e eu – dos ovos estrelados com açúcar, o que francamente a desmotivou de pegar em outros episódios da sua crítica à mísera actualidade, repugnada que ficou, que é pessoa de comedimento na questão das doçuras e assim mo explicitou.

A propósito, pois, de ovos estrelados, referi-lhe o episódio de “A Capital” do Eça, em que Artur Corvelo, saído da província, e querendo lançar-se no mundo literário da capital, lê aos seus comensais, intelectuais da praça, angariados pelo parasita Melchior, partes de uma sua peça de teatro, numa cena grotesca de gente indiferente e esfomeada, que vai comentando e rosnando entre dentes contra a maçada de uma leitura sobre ambientes e figuras de uma realidade e um enredo sediços. A cena gaguejada do “estrelados só ovos” provocou muita gargalhada de intenção maldosa, destruidora dos efeitos restantes da intriga, entre a gente deserta por começar a comer. Não resisti a levar-lhe essa parte da cena do capítulo IV (É Artur Corvelo que fala):

«- O que lhes vou agora ler, é quando o Poeta faz, em casa da duquesa, o elogio da poesia… E enfim, verão… É numa soirée:

«O CONDE DE S. SALVADOR

«- Leu os “Céus Estrelados”, marquesa?

«A MARQUESA DE ALVARENGA (despeitada)

«- Até acho impertinente que mo pergunte, Conde! Uma pessoa do meu nascimento e da minha educação, não toca nem com luvas…

«O VISCONDE de FREIXAL (gaguejando)

«- A ma-arquesa e-em que-estões de es-es-trelados só-ó o-vos!

Todos riram. Muito bem! Muito bem! O Meirinho afectava torcer-se…»

Uma cena caricatural, que culmina com a longa notícia bajuladora do jornal, que tudo refere subservientemente acerca das altas personalidades que participaram no sarau literário, e do distinto menu, escamoteando o nome do seu patrocinador e autor da obra lida, e mais uma vez reveladora do conhecimento humano e dos ambientes pedantes e simultaneamente pirosos e mesquinhos da sociedade lisboeta, e das dificuldades para se singrar no mundo da literatura, que Eça tão bem conheceu.

Mas dias depois, a minha amiga, que é uma alma sensível e escuta todos os programas dos canais sensíveis aos interesses do nosso público e mesmo aqueles expressivos do nosso bem-estar material, como sejam alguns da Sic e da TVI de muita alegria, cujo dinheirão para os elevados cachets não mergulha na mísera bolsa dos portugueses, ao que eu logo opus que não devemos generalizar tanto a questão miserabilista, e ela logo arremeteu contra o “Prós e Contras”, como exemplo de programa de muita extensão horária, e de largo dispêndio de palavras e de pessoas, conquanto sem resultados práticos para o país, apesar dos esforços denodados da Fátima Campos Ferreira, a não ser a tal canalização do dinheiro dos impostos para efeitos retributivos, o que muito enerva a minha amiga, mesmo que eu ache que às vezes se colhe esperança nele, no que ela não acredita, por entender, como Pacheco Pereira, que o programa é de encomenda pró-governo, tão passista agora, como antes fora socratista, por a RTP ser um canal ligado ao poder.

Ora, entre os programas que a afectaram na sua piedade, conta-se uma entrevista a um industrial de ovos sobre a imposição europeia de alterar as condições dos espaços de criação dos ovos, o que, por falta da verba necessária, exigiria dos industriais ovícolas a matança de milhões de galinhas. E, além dos preços dos ovos aumentarem, também de exportador, Portugal passaria a ser importador de ovos.

O industrial estava desolado, era mais um a ter que despedir trabalhadores, ele próprio provavelmente ficando sem trabalho, “coitadas das pessoas!”, no que eu contestei a minha amiga, para a distrair das suas penas, que são minhas também, fartas que estamos das notas negativas a um governo que tem construído a sua teoria de salvação do país assente no sacrifício de alguns e que não se resolve a cobrar dos que enriqueceram ilicitamente.

E a minha amiga explica que “o dinheiro está todo lá. Agora mandar vir vai dar um trabalhão. Então não está provado que está roubado até à quinta casinha?”

Falámos nas passeatas do presidente e dos ministros pelo mundo além, ao que parece com objectivos de desenvolvimentos comerciais, mas ponderámos que já muitas passeatas dessas se fizeram antes, e o resultado fora, como agora iria ser, de rombo no erário público para divertimento do pessoal governativo viajante aéreo. E nem sequer em viagem para comercializar os ovos da hecatombe anunciada, como mais um retalho do país a saldo.

Não. Os ovos estarão reservados para as balas da nossa garantia de continuidade. A ministra Assunção Cristas garante estar em cima do acontecimento, alguma solução há-de ter na manga. Com açúcar é que não é.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Confronto de bricabraques


Lemos num breve estudo apenso ao livro da colecção “Classiques Larousse”, “Le Cousin Pons” de Balzac, que a moda do bricabraque se iniciou, em França, no século XIX, que já Victor Hugo corria os antiquários com a sua amada Juliette Drouet, mas que foi Balzac que erigiu um monumento literário à arte do bibelot, com a criação da personagem Pons, do seu romance “Le Cousin Pons”, revelador de um conhecimento balzaquiano invulgar na arte da marcenaria, mas mais superficial relativamente à pintura e escultura.
É o cousin Pons, personagem ridícula, na sua fealdade, tímida delicadeza de pobre e no seu vestuário fora de moda, primo de uns figurões de uma nobreza recente, os Camusot de Marville, novos-ricos desdenhosos que lhe oferecem os seus finos repastos e simultaneamente o desconsideram, a este parente pobre, vivendo da sua música e gastando os seus magros proventos na aquisição de antiguidades, a sua grande paixão, juntamente com a do pecado da gula, que o torna dependente dessa família pedante, de cuja filha é professor de música. Uma ofensa destes o faz ausentar-se por algum tempo do seu convívio, compensado com a presença do seu grande amigo e companheiro, o alemão Schmuckre, professor de piano no teatro onde Pons igualmente trabalha depois das suas aulas particulares, e uma alma boa, que o aconselha a viver como ele “de pão e queijo, na sua casa, em vez de ir comer jantares que lhe faziam pagar tão caro”, mas breve verifica que o estômago de Pons ultrapassa, em exigência, as suas próprias delicadezas e susceptibilidades do coração e da alma. Logo, com ternura, tenta aliciá-lo, consolando-o nos seus desgostos e aumentando o requinte das iguarias, por intermédio da porteira da casa onde vivem, Mme Cibot, inicialmente maternal e prestável com os dois velhotes de alma cândida, mas, com a descoberta da fortuna de Pons em objectos de bricabraque adquiridos ao longo de uma vida de devaneio pelas ruas de Paris no intervalo dos seus escassos e mal remunerados trabalhos, revelando-se tão gananciosa como o resto da trupe de familiares e outros figurões que vão surgindo com a revelação gradual do significado financeiro dessa colecção – um revendedor, um coleccionador, um médico, um advogado, toda a casta de escroques ávidos que triunfarão, em maquinação poderosa, com a morte de Pons e de Schmuckre, a quem aquele tinha deixado o usufruto da colecção, legada ao Museu do Louvre e ao Estado francês, testamento, entretanto, sonegado pelo advogado Fraisier. A colecção de Pons – a verdadeira heroína desta história, segundo o seu narrador, pois despoletará as paixões e as malfeitorias sórdidas de personagens da cena francesa escrupulosamente e poderosamente escalpelizada por Balzac ao longo das várias obras da sua “Comédie Humaine” – virá parar à família Camusot de Marville que tanto desprezara o seu parente pobre.
Eça de Queirós, na obra “Os Maias”, seguirá Balzac na referência ao interesse pelo bricabraque de uma das suas personagens intelectualmente mais sedutoras – o inglês Craft, fleumático mas sensível, cuja casa nos Olivais virá a desempenhar um papel importante na trama desenrolada – local dos amores escondidos, por falsa crença de adultério, e que se revelarão incestuosos, dos dois protagonistas Carlos e Maria Eduarda, inconscientes do laço familiar que os une.
Contra um cenário e um estilo minuciosos em pormenor e intenção crítica de Balzac, destacam-se as cenas leves, de caricatura e humor, ou de doçura e tristeza, de Eça, numa acção que se vai desdobrando com personagens gradualmente impostas, com o delinear de um enredo de suspense, em que o fatalismo é a chave manipuladora.
É assim a apresentação de Craft a Carlos feita pelo esfuziante Ega, na véspera do jantar no Hotel Central (Cap. VI), e após a partida daquele:
« - É das melhores coisas que tem Lisboa. Vais-te morrer por ele… E que casa que ele tem nos Olivais, que sublime bricabraque!»
E é no dia seguinte que tem lugar o novo encontro de Carlos com Craft, em cena aparentemente inócua, embora cheia de graça no seu diálogo e no discurso semidirecto definidores de caracteres – o retrato do tio Abraão salientando-se na sua subserviência de vigarista, de repetidos salamaleques, e doce linguagem mesureira, carregada de diminutivos - mas contendo já a ironia trágica que aparenta esta obra com a tragédia sofocliana, pelas maquinações do destino nela contidas, em particular “O Rei Édipo”, com a novidade da informação de que Craft se iria desfazer da sua colecção de bricabraque, os fios da intriga trágica urdindo-se insinuantemente:
«Nessa tarde, às seis horas, Carlos, ao descer a Rua do Alecrim para o Hotel Central, avistou Craft dentro da loja de bricabraque do tio Abraão.
Entrou. O velho judeu, que estava mostrando a Craft uma falsa faiança do Rato, arrancou logo da cabeça o sujo barrete de borla, e ficou curvado em dois, diante de Carlos, com as duas mãos sobre o coração.
Depois, numa linguagem exótica, misturada de inglês, pediu ao seu bom senhor D. Carlos da Maia, ao seu digno senhor, ao seu beautiful gentleman, que se dignasse examinar uma maravilhazinha que lhe tinha reservada; e o seu muito generous gentleman tinha só a voltar os olhos, a maravilhazinha estava ali ao lado, numa cadeira. Era o retrato duma espanhola, apanhado a fortes brochadelas de primeira impressão, e pondo, sobre um fundo audaz de cor-de-rosa murcho, uma face gasta de velha garça, picada das bexigas, caiada, ressudando vício, com um sorriso bestial que prometia tudo.
Carlos, tranquilamente, ofereceu dez tostões. Carlos pasmou de uma tal prodigalidade, e o bom Abraão, num riso mudo que lhe abria entre a barba grisalha uma grande boca de um só dente, saboreou muito a chalaça dos seus ricos senhores”. Dez tostõezinhos! Se o quadrinho tivesse por baixo o nomezinho de Fortuny, valia dez continhos de réis. Mas não tinha esse nomezinho bendito… Ainda assim valia dez notazinhas de vinte mil réis…
- Dez cordas para te enforcar, hebreu sem alma!
E saíram, deixando o velho intrujão à porta, curvado em dois, com as mãos sobre o coração, desejando mil felicidades aos seus generosos fidalgos…
- Não tem uma única coisa boa, este velho Abraão – disse Carlos.
- Tem a filha - disse o Craft.
Carlos achava-a bonita mas horrivelmente suja. Então a propósito de Abraão, falou a Craft dessas belas colecções dos Olivais, que o Ega, apesar do desdém que afectava pelo bibelot e pelo móvel de arte, lhe descrevera como sublimes.

Craft encolheu os ombros.
- O Ega não entende nada. Mesmo em Lisboa, não se pode chamar ao que eu tenho uma colecção. É um bricabraque de acaso… De que, de resto, me vou desfazer!
Isto surpreendeu Carlos. Compreendera pelas palavras de Ega ser essa colecção formada com amor, no laborioso decurso dos anos, orgulho e cuidado de uma existência de homem…
Craft sorriu daquela legenda. A verdade era que só em 1872 ele começara a interessar-se pelo bricabraque; chegava então da América do Sul; e o que fora comprando, descobrindo aqui e além, acumulara-o nessa casa dos Olivais, alugada então por fantasia, uma manhã que aquele pardieiro, com o seu bocado de quintal em redor, lhe parecera pitoresco, sob o sol de Abril….»
É a colecção de Craft que Carlos comprará a Craft, alugando-lhe a casa dos Olivais por um ano, para Maria Eduarda e a filhita. (cap. XII).
No capítulo XIII tem lugar o descritivo dos Olivais e do seu recheio artístico, na primeira visita de Maria Eduarda, com várias figuras sinistras – os amores adúlteros, se não incestuosos de Vénus e Marte, desmaiando na “trama de lã” de uma tapeçaria, um “painel antigo, defumado … onde apenas se distinguia uma cabeça degolada, lívida, gelada no seu sangue, dentro de um prato de cobre (a cabeça de S. João Baptista).” Um armário com dois faunos discordantes dos outros motivos cinzelados, o génio tutelar da casa “um ídolo japonês de bronze, um deus bestial, nu, pelado, obeso, de papeira, faceto e banhado de riso….”
Descritivo simbólico, na sua hediondez, de uma paixão tão espiritual, enquanto não é decifrado o segredo que uma fatal carta materna trazida por um fatal agente inconsciente do seu papel –  o tio de Dâmaso, Sr. Guimarães – provando que se trata, na realidade, de uma paixão criminosa.
Balzac tratara o tema do bricabraque de uma forma dinâmica e realista, mostrando como ele despoletara as paixões ambiciosas dos seres sem escrúpulos, não deixando, todavia, de reclamar para a colecção Pons, simbolicamente, o papel de heroína principal.
N’ “Os Maias”, a simbologia da colecção de Craft, tão magnificamente descrita, tem a ver antes com uma arte romanesca filiada em escolas várias – realismo, romantismo, classicismo. Uma arte que recua no tempo. Uma arte quer avança no tempo.
Uma arte perene de perfeição. De um escritor português. De um livro dificilmente superado, a nível mundial, por nenhum outro, quer em graça e ironia, quer em sentido crítico, quer em descritivo humano, quer em descritivo paisagístico, quer em riqueza de estilo, quer em arquitectura formal…: “OS MAIAS” de EÇA DE QUEIRÓS.